Preterido no Brasil, o Dash 8 Q400 NextGen, da Bombardier, que incorpora aviônicos de última geração, motores potentes e baixos índices de ruído e vibração, ganha força no exterior
A Bombardier comemora a expansão dos contratos de venda dos turbo-hélices da família Dash 8 Q400 NextGen. No início deste ano de 2013, o fabricante canadense entregou seu primeiro exemplar para um operador da Rússia, a Yakutia Airlines, que encomendou três aeronaves, e ampliou para 31 o número de pedidos da australiana Qantas. Mas foi com a companhia canadense WestJet que a Bombardier assinou sua principal venda, ainda em 2012. A companhia encomendou 45 unidades do Q400, um negócio da ordem de US$ 1,59 bilhão. “Para nós, este avião certamente é o ideal para a nossa nova aventura”, disse Gregg Saretsky, presidente e chefe-executivo da WestJet, que, até então, só operava aeronaves a jato do modelo Boeing 737NG. Com o intuito de atender a mercados menores, cuja baixa demanda não justifica a operação de aeronaves com mais de 100 assentos, a WestJet decidiu investir no mercado dos turbo-hélices. “Será a quarta companhia canadense a operar os Dash 8 Q400, mas a nossa meta é conseguir mercados fora de casa”, disse Mike Arcamone, presidente da Bombardier Commercial Aircraft. Hoje, são mais de 40 operadores do Dash 8 em pelo menos 30 países, sendo que o Q400 acumula cerca de 460 encomendas, com 410 aeronaves já entregues. Com a expansão da aviação regional no mundo, é um modelo promissor.
Na América do Sul, a Lan Colombia atualmente é a maior operadora de aeronaves Dash 8, herdadas em 2010 quando o grupo chileno LAN adquiriu a companhia Aires. São 11 turbo-hélices da família Q200 e quatro da série Q400. O mercado sul-americano, porém, ainda representa um desafio para a unidade de aviação regular da fábrica canadense de aviões Bombardier. Em 2012, quando o governo uruguaio decidiu suspender indefinidamente as operações da companhia aérea estatal Pluna, que há tempos vinha enfrentando problemas financeiros agravados entre outras coisas pelo alto custo do combustível, o país deixou de contar com uma empresa forte de bandeira, e hoje os poucos voos comerciais são mantidos pela BQB Linhas Aéreas com turbo-hélices ATR-42. Ou seja, o encerramento das operações da Pluna representou um forte golpe nos planos da Bombardier para expansão das vendas na América Latina, já que a companhia uruguaia era a principal operadora dos jatos Canadair Regional Jets no continente com 13 aviões.
No Brasil, os aviões do fabricante canadense não conseguiram emplacar, perdendo a concorrência para a indústria nacional, no caso a Embraer, que foi escolhida para equipar as duas maiores companhias regionais, a Azul e a Trip, com jatos da família E-Jets. Na categoria dos turbo-hélices, foram os franco-italianos da ATR que se tornaram unanimidade entre as regionais, deixando outros aviões da categoria em segundo plano no planejamento de frota das linhas aéreas, como foi o caso do turbo-hélice Dash 8 Q400 NextGen da Bombardier, uma aeronave de última geração, econômica, robusta – ideal para operação em pistas não preparadas – e que traz uma cabine de passageiros com baixíssimos níveis de ruído e vibração.
Parte da reserva das companhias regionais brasileiras em relação ao produto canadense atribui-se ao preço superior ao do concorrente europeu, superando os US$ 27 milhões. Além disso, acredita-se ter pesado o histórico de curta operação de alguns aviões da família Dash 8 em companhias regionais da região Norte do Brasil. Porém, é justo lembrar que os aviões só deixaram o país porque as três operadoras não tiveram condições financeiras na época para manter em dia o pagamento do leasing e arcar com os custos de manutenção em tempos de desvalorização do real frente ao dólar. Todas elas acabaram fechando as portas pouco tempo depois. A Tavaj Linhas Aéreas, que tinha base em Rio Branco (AC), por exemplo, chegou a encomendar quatro Dash 8-200B, mas acabou só recebendo dois exemplares, que operaram entre 1997 e 1999. Outra operadora, a Penta – Pena Transportes Aéreos, que tinha base em Santarém (PA), também recebeu dois turbo-hélices da família Dash 8-300, versão alongada, e chegou a anunciar em 1998 que poderia trazer do Canadá os aviões do modelo Q400. No entanto, com a crise cambial, a encomenda ficou só no papel e os dois Dash 8 foram retirados da frota em 1999, mesmo ano em que outra companhia paraense, a Taba, com base em Belém, encerrava suas atividades. Naquela época, a companhia já havia devolvido outros seis turbo-hélices Dash 8 da série 300, que operaram com sucesso na ligação entre o aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, e o aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.
OS PROBLEMAS COM TREM DE POUSO A linha de turbo-hélices da Bombardier colecionou más notícias nos últimos anos, o que também tem interferido em seu desempenho comercial. Foram acidentes que nada tiveram a ver com o projeto da aeronave ou com qualquer tipo de falha de sistemas, mas arranharam a imagem dos produtos. O mais recente deles envolveu uma aeronave Dash 8 Q400 da Colgan Air, quando se aproximava do Aeroporto Internacional de Buffalo, Niagara (EUA), em voo procedente de Newark Liberty, Nova Jersey. Todos os 49 ocupantes faleceram, incluindo os quatro tripulantes. No solo, uma pessoa morreu e outras duas sofreram ferimentos leves. De acordo com as investigações do National Transportation Safety Board (NTSB), o evento teve como principal fator o cansaço da tripulação técnica, que não reagiu adequadamente à degradação de performance da aeronave associada à presença de gelo. Já o ano de 2007 foi um dos piores para a Bombardier em matéria de divulgação negativa. Isso porque foram registradas diversas ocorrências de falha de trem de pouso, aterrissagens de emergência e danos às aeronaves. A companhia escandinava SAS foi a que mais reportou ocorrências com seus Q400. No dia 9 de setembro, o voo 1209, de Copenhagen para Aalborg, reportou problemas com o sistema de trem de pouso e, após o toque dos pneus na pista, o trem da direita recolheu, fazendo o avião se arrastar para fora da pista, com princípio de incêndio no motor número 2, rapidamente controlado pelas equipes de emergência do aeroporto. Dos 69 passageiros a bordo mais quatro tripulantes, 11 foram encaminhados ao hospital, sendo que cinco apresentavam apenas ferimentos leves. Ninguém morreu. Apenas três dias depois, o voo 2748, de Copenhagen para Palanga, apresentou problema semelhante e um pouso de emergência aconteceu em Vilnius. Após algumas outras ocorrências envolvendo operadores na Europa e na Ásia, a Bombardier emitiu um comunicado, solicitando inspeção minuciosa do sistema de trem de pouso nas aeronaves com mais de 10.000 horas de voo, que poderiam estar com peças danificadas por fadiga de material. Ainda assim, no dia 27 de outubro, mais um Dash 8 Q400 da SAS sofreu acidente em Kastrup, Copenhagen, quando chegava em voo procedente de Bergen. Felizmente, nenhum dos 40 passageiros e dos quatro tripulantes se feriu. Logo no dia seguinte, a companhia escandinava decidiu retirar todos os Dash 8 de operação. A surpresa, no entanto, veio pouco tempo depois quando a Administração da Aviação Civil sueca divulgou o relatório preliminar dos acidentes da SAS, que apontou como falha principal o serviço de manutenção da companhia, que estava trabalhando com peças não recomendadas pelo fabricante. No último acidente, um anel de borracha fora colocado de forma equivocada pela manutenção da SAS, o que teria causado o mal funcionamento de uma válvula no sistema atuador do trem de pouso. Para compensar o dano provocado à imagem da aeronave e mostrar que a companhia ainda confiava nos produtos comercializados pela Bombardier, a SAS anunciou em março de 2008 uma encomenda para 14 turbo-hélices Dash 8 Q400 NextGen e 13 jatos CRJ900. |
MENOS BARULHO
O turbo-hélice Q400 NextGen traz diversos atrativos para uma companhia regional, começando pela existência de uma unidade de força auxiliar (APU) na cauda, que evita a utilização de uma das turbinas da aeronave com a hélice travada no solo para alimentar os sistemas pneumático e de ar-condicionado. A economia tanto de combustível como de manutenção por aeronave pode ser superior a US$ 80,000.00, segundo o fabricante. Outro conforto oferecido ao passageiro que utiliza os Dash 8 é a possibilidade de a aeronave se acoplar em pontes de embarque (fingers), evitando-se, assim, o embarque ou o desembarque sob as intempéries, como acontece com outras aeronaves da categoria quando operam em posição remota nos aeroportos. Mas, para o passageiro, a maior vantagem desses turbo-hélices canadenses é a presença do ANVS, sigla para Active Noise and Vibration Suppression. Como o próprio nome diz, o sistema reduz os níveis de barulho dos motores por meio de um mecanismo semelhante ao de cancelamento de ruído existente em alguns fones de ouvido – a letra “Q” no designativo do modelo vem de “quietness”, que não faz barulho, silencioso. O ANVS, que passou a ser incorporado na família Dash 8 a partir de 1996, atua sobre toda a fuselagem da aeronave, e também reduz os níveis de vibração. No interior, o passageiro também tem o conforto da nova iluminação com lâmpadas to tipo led e os bins mais largos, que permitem acomodar até duas malas de rodas no padrão de 27 x 40 cm, sendo que a aeronave pode acomodar até 50 delas no total quando configurada com 74 assentos.
O turbo-hélice Q400 NextGen também apresenta excelente performance. Pode voar até 1.567 milhas náuticas (2.900 km), mas o serviço adequado para o Dash é um voo regional típico de até 500 milhas náuticas (920 km). Seu teto máximo operacional é de 27.000 pés (8.230 m), o que traz o conforto do voo em ares menos turbulentos. Num trecho de 300 milhas náuticas (550 km), o nível de cruzeiro ideal é de 24.000 pés (7.300 m) sendo que o turbo-hélice nivela 10 minutos antes do que seus concorrentes. O segredo está nos dois motores Pratt&Whitney PW150A, que liberam a potência de 5.071 shp (3.780 kW) cada um quando operando em regime de potência máxima, ou de 4.850 shp (3.620 kW) para o caso de voo monomotor e potência ajustada para máxima contínua. Em comparação com o concorrente ATR-72, o bimotor canadense é mais rápido. Num trecho de 400 milhas náuticas (740 km), o Dash 8 Q400 NextGen cumpre a rota em 80 minutos, contra os 97 minutos exigidos pelo franco italiano. E, se comparado aos jatos regionais do modelo Embraer 145, por exemplo, o Dash 8 chega ao destino 11 minutos depois. Bem pouco ao se levar em consideração que o turbo-hélice canadense apresenta um custo por assento 30 a 50% inferior aos jatos regionais. O Dash 8 tem velocidade máxima de 360 nós (665 km/h) e decola com peso máximo (29.260 kg) em pistas de até 1.400 m, que não precisam ser necessariamente asfaltadas. Por ser um avião robusto, opera com segurança em aeroportos de infraestrutura limitada, como muitos que recebem voos na região Norte do país.
POUSO CURTO
O turbo-hélice Dash 8 foi lançado pela de Havilland Canada em 1984 e, atualmente, é produzido pela Bombardier Aerospace. Apenas o modelo Q400 está em linha de produção, já que o Dash 8-100 deixou de ser fabricado em 2005 e os últimos bimotores das séries Q200 e Q300 saíram da linha de montagem em maio de 2009. Mais de 1.000 desses aviões já foram produzidos e a Bombardier espera chegar em 2016 com mais de 1.200 exemplares entregues. A aeronave foi projetada atendendo aos anseios dos operadores do quadrimotor de Havilland Canada Dash 7, que desejavam um avião com performance semelhante, porém, operando apenas dois motores de modo a baratear custos de manutenção e de combustível.
Tive prazer de voar a bordo do Dash 7, em 1981, entre Richmond, no estado da Virginia (EUA), e a capital Washington D.C. Pousamos no Aeroporto Nacional, hoje conhecido por Ronald Reagan, que opera três pistas para pousos e decolagens. A maior (01/19) tem 2.185 m. As transversais são ainda menores: a 15/33, com 1.586 m, e a 04/22, com seus 1.492 m. O aeroporto exige perícia da tripulação durante o pouso, já que a pista não é muito confortável, e os desvios são executados até a final de aproximação em razão das áreas restritas de sobrevoo sobre a capital norte-americana. Apesar dessas restrições, os Dash 7 operavam com muita tranquilidade por duas razões: uma por se tratar de um turbo-hélice e outra porque a aeronave apresentava performance STOL (short take-off and landing).
Q400 INCORPORA SISTEMA DE CANCELAMENTO DE RUÍDOS SEMELHANTE AO DE FONES DE OUVIDO
O Dash 8 saiu bem melhor que seu antecessor e foi equipado com motores mais potentes, os Pratt&Whitney PW 120, que teriam a designação PT7A-2R, e foram concebidos para substituir os PT6A-50 utilizados no Dash 7. Com capacidade para transportar até 39 passageiros, o primeiro Dash 8 foi apresentado à imprensa em roll-out no dia 19 de abril de 1983. Manteve a mesma característica da cauda em “T” do Dash 7, a asa alta, o recolhimento do trem de pouso principal para o interior dos conjuntos motopropulsores, e o mais importante: o bom desempenho para operar em pistas curtas. A aeronave foi projetada para decolar a partir de pistas com 910 m de extensão, dependendo do peso. Não se compara às características STOL do Dash 7, que utilizava apenas 670 m para decolar em seu peso máximo, mas certamente atingiu as expectativas dos operadores. O primeiro voo ocorreu em 20 de junho de 1983 e a aeronave entrou em serviço em 1984 com a companhia NorOntair. Ainda naquele ano, a Piedmont Airlines tornou-se a primeira operadora do Dash 8 nos Estados Unidos. O Dash 8 da série -200 trouxe a mesma configuração de assentos, mas ganhou motores mais potentes. E o Dash 8-300 trouxe uma fuselagem alongada e capacidade para transportar até 50 passageiros. Esse avião fez ainda mais sucesso que o primeiro e recebeu inúmeras encomendas, principalmente de operadores nos Estados Unidos e no Canadá.
Enquanto operaram no Brasil, os Dash 8 fizeram um enorme sucesso entre os passageiros e, principalmente, entre os tripulantes que até hoje lembram com saudades da aeronave. “Os Dash 8 da Tavaj eram da série 200, porém, operavam com o mesmo motor do -300. Ou seja, tínhamos potência de sobra”, recorda Charles Schlegel, comandante de Airbus A320, que operou o turbo-hélice na extinta empresa acriana. O avião podia transportar até 44 passageiros, mas na Tavaj foi configurado para receber 29 passageiros e carga aérea – a companhia transportava uma media de 1.000 kg de carga por etapa. Schlegel lembra que o Dash apresentava excelente performance para a operação nas pistas mal preparadas da Amazônia, começando pelos motores que, instalados na asa alta, diminuíam as chances de danificação da aeronave por F.O.D. (Foreign Object Damage). “Durante o voo, chegávamos a uma velocidade aerodinâmica de 290 nós (535 km/h), mas a aproximação era feita com uma Vref de apenas 87 nós (160 km/h)! Um avião muito versátil”, atesta Schlegel.
VERSÃO ALONGADA Q400X
Durante a cerimônia de assinatura de encomenda pela WestJet, o presidente Mike Arcamone confirmou que a Bombardier continua trabalhando no projeto de uma versão alongada do Q400, que poderá acomodar até 90 passageiros. Por enquanto, a aeronave tem a designação Q400X, e o protótipo poderá voar entre 2013 e 2014. Entretanto, o futuro da aeronave ainda é incerto. Dependerá ainda da evolução do mercado e da própria necessidade das companhias aéreas. Os jatos regionais de nova geração transportam mais de 100 passageiros e operam em pistas curtas, mas os turbo-hélices ainda são 30-60% mais econômicos e operam em pistas com menos de 1.000 m, qualidades que podem fazer a diferença na hora da escolha de uma companhia regional. Por outro lado, a velocidade de cruzeiro é menor e a autonomia também é mais restrita. Tudo precisa ser colocado na ponta do lápis, principalmente, levando-se em consideração o cálculo segundo o qual o ponto de equilíbrio de um jato regional para 50 passageiros seria de 45 assentos ocupados, contra os 35 ou 36 assentos de um Q400, por exemplo. Ou seja, com metade da ocupação, o voo já estaria pago no turbo-hélice.
DASH 8 Q400 NEXTGEN Fabricante - Bombardier Aeroespace Comprimento - 32,81 m Configuração típica - 78 assentos em classe única Pista para decolagem com MTOW - 1.402 m |
Robert Zwerdling | Fotos Divulgação
Publicado em 26/02/2013, às 06h29 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
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