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Rumo ao espaço

Ignição, ruído alto e muito empuxo. Em seguida, silêncio, falta de gravidade e vista deslumbrante da Terra. O que era privilégio de poucos astronautas torna-se realidade para os primeiros turistas espaciais


Voo noturno com Lua Nova, longe de qualquer área urbana. A combinação perfeita para que aviadores observem detalhes da abóboda celeste, especialmente, a mancha de tonalidade branca que caracteriza a Via Láctea. Na mente da maioria de quem está no cockpit, o desejo de alçar voos cada vez mais altos, como os poucos homens que tem ou tiveram a oportunidade de viajar ao espaço a bordo de foguetes e dos já aposentados ônibus espaciais. Infelizmente, chegar tão longe ainda é um privilégio para poucos. Estamos distantes da realidade apresentada em películas de ficção científica como o da famosa série Jornada nas Estrelas (Star Trek), lançada em 1966 pelo visionário Eugene W. Roddenberry, em que humanos se deslocavam pelo espaço em naves espaciais, ou graças a um sistema de teletransporte de matéria. Da imaginação desse gênio falecido em 1991, no entanto, surgiram grandes ideias, tecnologias inéditas na década de 60, que acabaram tornando-se realidade em nosso dia a dia, anos mais tarde. O sistema de portas automáticas, o disquete de computador ou mesmo o comunicador, que nos remete aos moldes de um aparelho celular, são alguns exemplos. Podemos, naturalmente, nos dar o direito de imaginar que um dia teremos, sim, condições de alçar voos mais altos e chegar ao espaço como se estivéssemos embarcando numa simples viagem de avião, assim como também sonhou o escritor francês Júlio Verne, que lançou, em 1865, o livro "Da Terra à Lua". A obra conta a saga de empreempreendedores na construção de um foguete com módulo configurado para transportar três astronautas à Lua, do mesmo modo que aconteceria um século depois, durante a missão da Apollo 11, lançada em 20 de julho de 1969.

Para homenagear o brilhantismo de Gene Roddenberry, o empresário britânico Richard Branson, CEO do Grupo Virgin e patrocinador do projeto Virgin Galactic, que pretende levar turistas ao espaço, em breve, decidiu batizar as duas primeiras astronaves suborbitais com os nomes de Enterprise e Voyager, em alusão aos veículos espaciais criados pela saga Star Trek. "Ainda falta um pouco para viajarmos ao espaço como fazia o capitão James T. Kirk e sua trupe na minissérie, mas estamos dando o pontapé inicial", ressalta Branson, que já começou a comercializar os primeiros bilhetes de passagens suborbitais. O valor proposto ainda pode ser considerado "estratosférico": US$ 200 mil. Mas o próprio Branson pondera que hoje proprietários de ultraleves avançados investem muito mais do que isso na compra de um kit, em sua montagem e nos trabalhos de manutenção e upgrade. Além disso, o custo da passagem ainda é o de início de operações. A partir do momento em que os voos começarem a se tornar rotineiros e lucrativos, com mais aeronaves e projetos mais avançados, a tendência é de haver um declínio no valor das passagens. "Aconteceu assim na aviação comercial. Antigamente, apenas a alta sociedade tinha condições de pagar uma viagem aérea e o próprio embarque era um acontecimento digno de noticiários locais", lembra Branson. Hoje, viajar de avião sai mais barato do que andar de ônibus. E é nesse sentido, o de um dia ter a capacidade de oferecer passagens espaciais a preços convidativos, que está trabalhando a Virgin Galactic. A intenção é a de não só trabalhar com voos turísticos, mas oferecer serviços variados, como colocar satélites em órbita. O grupo inglês, aliás, já assinou um memorando com a Nasa, oferecendo parceria no segmento da exploração espacial.

VSS Enterprise

LISTA DE ESPERA
Em 2004, o veículo experimental SpaceShipOne cumpriu com sucesso uma trajetória suborbital, de acordo com o planejamento estabelecido por uma equipe de engenheiros aeronáuticos, que tinha como líder Elbert Leander "Burt" Rutan, famoso por desenvolver o projeto do experimental VariEze e do Voyager, a primeira aeronave a dar a volta ao mundo sem necessidade de reabastecimento. O SpaceShipOne, que teve nos comandos o astronauta Mike Melvill, acabou levando o prêmio Ansari X e a equipe recebeu nada menos que US$ 10 milhões, capital que foi utilizado para cobrir custos e ajudar na continuação do projeto, não obstante o fato de já terem conseguido o aporte de US$ 25 milhões do milionário e filantropo Paul Allen, que participou do projeto graças a uma joint venture fechada com a Scaled Composites, de propriedade de Burt Rutan. Para conseguir os pontos primordiais na disputa, o veículo havia conseguido ultrapassar a altitude de 100 quilômetros duas vezes num período de 15 dias, sem alterações significativas de peso, e com velocidade média de Mach 3.0. Além de comandar o primeiro veículo privado a chegar às cercanias do espaço, o astronauta Melvill tornou-se o primeiro astronauta civil da história.

O SpaceShipOne foi retirado de serviço, assim como a aeronave que a lançava a partir de elevadas altitudes, denominada White Knight, já que a equipe de Rutan pretendia dar um salto muito mais alto: produzir um veículo que pudesse transportar turistas ao espaço. A partir do SpaceShipOne, surgiu o esboço do SpaceShipTwo, veículo semelhante, porém, com capacidade para transportar até seis passageiros. O projeto ganhou a atenção de Richard Branson, que decidiu apostar na ideia do turismo espacial. Criou a subdivisão Virgin Galactic e fechou um novo aporte de capital para dar prosseguimento ao projeto. Paralelamente, a companhia começou a comercializar os primeiros "bilhetes espaciais", cujos interessados passaram a garantir as reservas nos voos, desembolsando 10% do valor total. A lista de espera já é grande, com mais de 80 mil interessados, incluindo personalidades como os atores Tom Hanks, Ashton Kutcher, Brad Pitt e Angelina Jolie. "Convidei para o voo inaugural o ator William Shatner, que incorporou o personagem do capitão Kirk em Star Trek, mas, infelizmente, ele não aceitou. Quer garantias de que irá voltar para a Terra", conta Richard Branson. Graças às reservas, a Virgin Galactic conseguiu somar em caixa mais de US$ 50 milhões.

AEROPORTO ESPACIAL
Apesar das desconfianças naturais de muitos interessados no voo suborbital, uma coisa parece certa: as naves não subirão se houver qualquer falha de segurança. Esse vem sendo o modus operandi da Virgin Galactic, que não tem poupado investimentos no aperfeiçoamento do seu projeto. A empresa ergueu sua base de operações no primeiro aeroporto espacial do mundo, o Mojave Air and Space Port, localizado no estado da Califórnia (EUA), onde estão outras 60 empresas ligadas ao desenvolvimento de novas tecnologias no segmento aeroespacial. Quem esteve lá no final do ano para vistoriar o andamento do projeto do voo suborbital foi o próprio Branson, acompanhado de sua filha, Holly.
Conversou com cada um dos 175 funcionários e garantiu que recursos não faltarão. A meta é construir inicialmente cinco veículos espaciais.

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Em dezembro último, o empresário inglês comemorou mais uma fase superada no cronograma de testes envolvendo o VSS Enterprise (N339SS), o primeiro veículo da série SpaceShipTwo, que traz a fuselagem bem mais afilada em relação ao SpaceShipOne, e grandes melhorias aerodinâmicas. A nave realizou o primeiro voo planado com todos os sistemas operando, incluindo proteções antitérmicas para o bordo de ataque da asa e o foguete de propulsão que será utilizado para levar o veículo de uma altitude de aproximadamente 51 mil pés a uma distância de 110 quilômetros da Terra. Nessa fase do voo, os futuros passageiros do SpaceShipTwo estarão viajando a 4.000 km/h, e poderão flutuar com a ausência da gravidade. O maior privilégio, porém, será o de observar o espaço e o planeta como um astronauta da Nasa. O voo terá duração de aproximadamente 2h30, desde a decolagem do veículo conectado à "nave mãe", até o pouso.

CARREIRA AEROESPACIAL
Brasileiro relata como funciona nos Estados Unidos um dos principais celeiros de engenheiros da Boeing e astronautas da Nasa
Por Peter Biondi

Localizada em Daytona beach, na Flórida, a uma hora de Orlando, a Embry-Riddle Aeronautical University é a primeira, maior e mais prestigiada universidade nos Estados Unidos especializada na área aeroespacial e de aviação. Seu campus possui pelo menos 5 mil alunos oriundos de mais de 100 países e de quase todos os estados norte-americanos. A Embry-Riddle Aeronautical University fornece, atualmente, mão de obra especializada para as principais empresas de tecnologia aeronáutica e aeroespacial em várias partes do mundo. Somente a Boeing emprega cerca de quatro mil ex-alunos de lá. Recentemente, 12 ex-alunos estiveram envolvidos no lançamento do foguete Falcon 9 pela empresa Space X. Seis astronautas da Nasa são formados pela Embry-Riddle e, há cerca de dois anos, a ex-aluna e astronauta Nicole Stott conduziu uma aula ao vivo direto da Estação Espacial Internacional para os alunos da universidade. O interessante é que do campus da universidade é possível assistir aos lançamentos de foguetes realizados no Kenndy Space Center, e já virou rotina observar professores interromperem as aulas para que os alunos possam sair para prestigiar os lançamentos.

O prédio de engenharia espacial da Embry-Riddle possui mais de 15 laboratórios sofisticados, que passam por constantes atualizações. O novo Wind Tunnel, por exemplo, que será instalado neste ano, se tornará um dos mais modernos dos Estados Unidos. O prédio inclui laboratórios de robótica, sistemas para voos não tripulados, eletrônica de comunicação, laboratório de sistema micro-ondas, propulsão, entre outros. Um curso básico de engenharia aeroespacial dura quatro anos, mas a universidade oferece uma opção mais rápida para alunos que lá se destacam, sendo possível conseguir um bacharelado com mestrado em engenharia aeroespacial em cinco anos e meio. Diferentemente do sistema educacional brasileiro, o curso de engenharia aeroespacial da Embry-Riddle oferece uma segunda especialização chamada "minors" nas áreas de computer aided design, administração de empresas, ciência da computação, simuladores de teste de voo, veículos de alta performance, fatores humanos e estudos do espaço. O custo de um curso na Embry-Riddle pode chegar à casa dos 40 mil dólares ao ano.

O brasileiro Peter Biondi é formado pela Embry-Riddle Aeronautical University com mestrado na área de gestão de empresas aéreas e de aeroportos. Atualmente, trabalha como consultor aeronáutico e professor universitário nos Estados Unidos

O segundo veículo da classe SpaceShipTwo, o VSS Voyager, começa a participar junto com o VSS Enterprise dos testes para homologação, incluindo o acionamento momentâneo do foguete de propulsão, voo supersônico e uma viagem completa suborbital. A primeira "nave mãe" da classe White Knight Two, construída a partir do projeto da antecessora White Knight, que participou em 2004 do lançamento do SpaceShipOne, recebeu a designação de VMS EVE. Um segundo avião do mesmo modelo, deverá ser colocado em voo em breve e receberá a designação de VMS Spirit of Steve Fossett, em homenagem ao aventureiro norte-americano que em 2002 deu a primeira volta ao mundo num balão e foi dado como morto em fevereiro de 2008. Fossett foi visto pela última vez em 3 de setembro de 2007, quando levantou voo no seu monomotor particular de um aeródromo próximo da cidade de Carson City, na Califórnia. Apenas os destroços do avião foram encontrados e o NTSB decidiu encerrar o caso em julho de 2009.

O projeto do voo suborbital nasceu em Mojave, mas os testes em voo e as futuras missões regulares passaram a utilizar as instalações do primeiro aeroporto espacial comercial do mundo, o Spaceport America, que foi inaugurado no dia 18 de outubro de 2011. Ele está localizado no estado do Novo México, a 140 quilômetros de El Paso. O custo da obra chegou a US$ 209 milhões, e incluiu a construção de uma pista de 3.000 metros. A Virgin Galactic fechou contrato de locação por 20 anos e pagará anualmente US$ 1 milhão para utilização da infraestrutura. O empresário Richard Branson adianta que outros aeroportos espaciais deverão ser utilizados pela Virgin, que já tem planos para Emirados Árabes, Suécia e Reino Unido.

MÚSICA NO ESPAÇO
A Virgin Galactic não está sozinha na exploração do turismo espacial. Outras empresas de capital privado participam da concorrência e até já oferecem pacotes diferenciados. O voo suborbital está em fase de desenvolvimento pela empresa Space Adventures Ltd., que fechou parceria com a compatriota norte-americana Armadillo Aerospace, LLC, especializada no desenvolvimento de novas tecnologias voltadas para o segmento aeroespacial, especialmente na área da propulsão, e um portfólio com mais de 200 lançamentos. O voo será mais curto e acontecerá a borda de um foguete especialmente projetado para esta missão. "São 10 anos desenvolvendo novas tecnologias, aprimorando as já existentes, o que nos coloca numa posição confortável para lançar o nosso projeto para construção de um veículo para viagens turísticas suborbitais", afirma John Carmack, presidente da Armadillo Aerospace, LLC.

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Espaçonave suborbital da Virgin será lançada do VMS EVE, construído a partir do projeto do White Knight

A Space Adventures, que tem escritório central em Vienna, município do estado norte-americano da Virginia, e uma filial em Moscou, na Rússia, conta com uma equipe de peso na linha de comando. Fazem parte da equipe o astronauta Buzz Aldrin, que participou da missão Apollo 11, além de diversos cosmonautas que voaram nos ônibus espaciais, entre eles Sam Durrance, Tom Jones, Byron Lichtenberg, Norm Thagard, Kathy Thornton, Pierre Thuot e Charles Walker.

Como os custos das viagens espaciais começaram a pesar bastante no orçamento dos países de primeiro mundo, a possibilidade de liberar a comercialização de passagens em viagens espaciais tornou-se uma boa alternativa para garantir um aporte financeiro extra e dar continuidade às pesquisas espaciais e às futuras viagens à Lua e ao planeta Marte. Nesse sentido a Space Adventures saiu vitoriosa, tendo fechado parcerias com a Nasa, nos Estados Unidos, e com a Rússia, de onde partem os foguetes Soyuz. Hoje, aliás, é possível fechar um pacote para conhecer a Estação Espacial Internacional, e lá ficar uma média de 12 dias, com direito a um passeio externo, o chamado Spacewalk. As cifras passam dos milhares de dólares, mas, para quem tem dinheiro em caixa, como é o caso da soprano inglesa Sarah Brightman, o preço não é um impedimento. Ela acaba de fechar o pacote completo com a Space Adventures e, em breve, deverá iniciar seu treinamento no Yuri Gagarin Cosmonaut Training Center, na cidade de Star City, na Rússia. A promessa dela é cantar a bordo da Estação Espacial Internacional.

Desde 2001, sete civis conseguiram o privilégio de viajar ao espaço, entre eles Dennis Tito. O empresário foi o primeiro a ter a experiência de subir ao espaço e se hospedar na EEI. "É como estar no paraíso", declarou Tito em seu depoimento publicado na página eletrônica da Space Adventures. Ele trabalhou para a NASA até meados da década de 70 e nunca deixou de lado o sonho de um dia poder subir ao espaço. Realizou o feito em abril daquele ano.

Visão da fronteira espacial a bordo do MiG (acima) e voo com gravidade zero

OPÇÕES MAIS ECONÔMICAS
Para ter o gostinho de chegar mais próximo do limite das camadas da atmosfera sem ter de desembolsar uma quantia literalmente astronômica, muitos entusiastas ao redor do mundo têm comprado pacotes turísticos, que incluem uma visita a Rússia com direito de voar a bordo de um super caça, como o MiG-29. Dependendo do programa, que inclui treinamento prévio numa base aérea, o visitante tem aulas de acrobacia, pilota a aeronave e depois voa a uma altitude superior a 18.300 m (60 mil pés) - a maioria dos jatos comerciais opera a 12.500 m (41 mil pés). O brasileiro Ricardo Rezende experimentou a sensação de observar a curvatura da Terra e o céu já em tonalidade escura a bordo de um MiG-25. "Hoje, a maioria dos voos é realizada nos MiG-29, mas quando estive na Rússia eu quis realizar meu sonho de garoto, que era voar num lendário Foxbat", explica Rezende. Para ele, estar na base aérea de Zhukovsky, subir a 80 mil pés e ultrapassar a barreira do som, chegando a Mach 2.4, foi uma experiência para jamais esquecer. "Depois do voo, lembrei-me de uma das célebres frases de Mário Quintana, que dizia que nem todos realizam os velhos sonhos de infância. Então, pensei: 'Posso me considerar um privilegiado por ter conseguido realizar o meu'", conta Rezende. Os pacotes variam de uma empresa para outra, com preços que vão de US$ 15 mil a 30 mil, em média.

Outro passeio que evoca esse sonho infantil pode ser contratado junto à companhia Zero-G que, como o próprio nome diz, leva o turista a flutuar com a ausência da gravidade, graças a um voo em trajetória de parábola, executado a bordo de um Boeing 727. A aeronave costuma visitar diversos aeroportos norte-americanos durante o ano e a programação dos voos, além do link para a central de reservas, estão disponíveis no website oficial da operadora. A empresa Zero-G também é parceira da Space Adventures na exploração do turismo espacial, e o tour pode ser contratado a US$ 4.950.

| Robert Zwerdling | Fotos | Divulgação
Publicado em 22/03/2013, às 11h00 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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