O AirVenture é o maior evento de aviação leve do mundo e bateu recordes de público e aeronaves este ano
O que começou como uma pequena reunião de entusiastas da aviação em 1953, como parte do Milwaukee Air Pageant, é há décadas o maior show aéreo e encontro de seu tipo no mundo.
Conhecido como AirVenture ou simplesmente Oshkosh, o evento é organizado pela Experimental Aircraft Association (EAA), também fundada em 1953 por Paul Poberezny, que passou muitos anos de sua vida promovendo aeronaves construídas em casa, as chamadas homebuilt.
Do evento criado por um pequeno número de entusiastas, o AirVenture registrou este ano recordes ainda maiores do que os de 2023, com um total de 686.000 pessoas, sendo ao menos 2.581 participantes estrangeiros, número baseado apenas naqueles que se registraram na Tenda de Visitantes Internacionais, oriundos de 98 países fora dos Estados Unidos. Acredita-se que o número real de visitantes internacionais seja muito maior, já que nem todos os visitantes estrangeiros se registram na tenda.
O Aeroporto Regional Wittman, que recebe anualmente o AirVenture, registrou outro recorde, com 16.780 operações aéreas entre 18 e 28 de julho último, o que equivale a aproximadamente 113 decolagens ou pousos por hora durante o horário de funcionamento do aeroporto.
Como nos anos anteriores, o evento em Oshkosh foi marcado por suas chegadas em massa, shows aéreos diários, espetáculos noturnos incríveis e mais de 10 mil aeronaves em solo. Destas, 2.846 estavam em exposição estática, incluindo 1.200 aeronaves vintage, 975 aeronaves construídas em casa (homebuilt), 337 warbirds de todas as épocas, 154 ultraleves, 82 aeronaves acrobáticas, 65 hidroaviões e anfíbios, 23 aeronaves de asa rotativa e dez balões.
Acampar segue sendo uma das formas de hospedagem mais populares para os participantes. Mais de 15 mil locais em áreas de camping para aeronaves e veículos foram utilizados por mais de 40 mil visitantes. Ainda assim, a maioria das pessoas costuma se hospedar em mais de cinco condados nos arredores de Oshkosh, gerando uma receita estimada em 170 milhões de dólares para a região.
Entre os shows aéreos, os destaques ficaram por conta da celebração dos 100 anos da Real Força Aérea do Canadá, que enviou seus dois times acrobáticos, os Snowbirds e o CF-18 Demonstration Team, além dos CC-138 Twin Otter e da equipe de paraquedismo SkyHawks. Também estiveram presentes warbirds da RCAF, com destaque para o bombardeiro Avro Lancaster Mk. X, do Canadian Warplane Heritage Museum.
Ainda entre os convidados internacionais estava o time Frecce Tricolori, da Força Aérea Italiana, que fez uma única apresentação em Oshkosh, dentro de sua turnê pela América do Norte. E, para surpresa de todos, ainda foram feitas passagens dos Blue Angels e Thunderbirds.
A movimentação começa antes mesmo da abertura do evento, para entusiastas da aviação geral, parte do show começou na sexta-feira, dia 19, quando iniciaram tiveram início as operações aéreas temáticas, com a chegada às 11 horas apenas dos Piper Cherokee, seguidos às 17 horas por toda a família Cessna.
No dia seguinte, foi a vez dos Mooney, às 10 horas, e, logo depois, às 13 horas, a já lendária chegada dos Beechcraft Bonanza. Por fim, no domingo, o novato Cirrus encerrou os dias temáticos, sendo um contraponto aos clássicos anteriores, mostrando o desenvolvimento da aviação ao longo de sete décadas.
O presidente e CEO da EAA, Jack Pelton, afirmou que o slogan deste ano foi “Inspirando o Futuro da Aviação”. O AirVenture deste ano não apenas fez isso, como, também, homenageou o passado, ao mesmo tempo que mostrou o futuro, como os voos supersônicos civis, os eVTOL e os drones.
O ano de 2024 marcou o 80º aniversário do Dia D, que foi homenageado com uma apresentação chamada “Turning the Tide”. Os únicos dois B-29 voadores do mundo apareceram em uma apresentação conjunta, enquanto uma demonstração de salto de paraquedistas foi realizada pela D-Day Squadron Jump Operations.
Listras brancas foram pintadas nos C-47 antes do show de quarta-feira, como parte da demonstração dos preparativos reais do Dia D, quando os mecânicos se certificaram de pintar as faixas de identificação nos aviões. Cientes do número elevado de aviões nos céus, os estrategistas do Dia D queriam garantir que haveria o mínimo de fogo amigo, criando assim uma forma fácil de identificar no ar os amigos e os inimigos.
Avançando no tempo e indo para o futuro, o AirVenture 2024 ainda trouxe novos detalhes sobre os próximos anos. Um dos destaques foi a suíte de aviônicos Anthem, da Honeywell, que, embora ainda esteja em desenvolvimento, já foi selecionada para equipar o futuro avião supersônico civil Overture, da Boom Supersonic.
O painel se destaca por ser o primeiro sistema conectado à nuvem da Honeywell e ter uma redução de 50% em tamanho, menor peso e maior potência quando comparado ao sistema de aviônicos integrado Primus Epic. Além disso, mantém a flexibilidade para ser instalado em praticamente todos os tipos de aeronaves, de aviões de passageiros e aeronaves executivas a modelos militares e até os futuros veículos de mobilidade aérea avançada (AAM), conhecidos por eVTOL.
A suíte Anthem foi demonstrada em Oshkosh no PC-12 da Honeywell usado como plataforma de testes e ensaios em voo. O avião realizou o primeiro voo com a nova plataforma em maio do ano passado. O sistema foi anunciado em 2021, com a primeira exibição ao público profissional ocorrendo na NBAA-BACE 2022.
A australiana Microair Avionics também anunciou em Oshkosh o lançamento do T3000 skySuite, voltado para o mercado de aeronaves experimentais. Criado como um sistema modular, a suíte integra o sensor e instrumentos de navegação T3000 skyNav, o sistema de comunicação de navegação T3000 skyWave Nav Comms e o transponder T3000 skyLink Mode S e ADSB, garantindo desempenho com peso e tamanho reduzidos. O skyWave e o skyLink têm um terço do tamanho de seus antecessores, o M760 e o T2000, respectivamente.
Já a Aspen Avionics e a Electronics International (EI) assinaram uma parceria para configurar hardware de monitoramento de motor para os displays multifuncionais Evolution, com foco em aeronaves de quatro e seis cilindros. As novas funcionalidades de monitoramento de motor, atualmente em desenvolvimento, foram projetadas para fornecer dados precisos do motor em um formato intuitivo, fornecendo parâmetros críticos do motor nos displays multifuncionais MFD500 MAX e MFD1000 MAX. Além disso, também ampliaram a garantia de fábrica para sistemas de displays Evolution MAX e E5 para três anos.
Entre as modernizações e upgrades, a Blackhawk aguarda a emissão do Certificado de Tipo Suplementar (STC) PT6A-66D para a série de monoturboélices Daher TBM da série 700, que abrangerá os modelos TBM 700A, 700B e 700C2, elevando o desempenho ao nível do TBM 850.
A Blackhawk, em parceria com a AVEX Aviation, desenvolveu um upgrade que oferece melhorias significativas em potência e desempenho geral, estabelecendo um novo padrão para a série TBM 700. O programa de upgrade, denominado XP66D Engine+ Upgrade da Blackhawk, instala um motor Pratt & Whitney PT6A-66D novo de fábrica, substituindo o motor PT6A-64 atual, oferecendo potência de 850 hp, ante os 700 hp originais. Segundo a Blackhawk, o avião deverá melhorar o desempenho de subida e de cruzeiro.
Especificamente, o tempo de subida do nível do mar para 31.000 pés será reduzido de 16 minutos e 39 segundos para 14 minutos, enquanto as velocidades máximas de cruzeiro em várias altitudes devem ficar entre 287 a 307 nós (KTAS).
Pensando em avanços, instalada a poucos passos da área destinada às universidades e carreiras, tradicionalmente um dos espaços mais movimentados do AirVenture, a Elixir Aircraft anunciou que assinou oitenta cartas de intenção para 110 aeronaves Elixir de 110 hp, voltadas para o treinamento de voo. Além disso, obteve mais vinte contratos de reserva (pré-encomendas), o que elevou o número total de pedidos (pedidos, pré-encomendas e cartas de intenção) para 330 aeronaves.
Com sede em Rochelle, na França, a Elixir Aircraft desenvolveu seu primeiro avião baseado em novas regras do CS23, o equivalente europeu do FAR 23, que é a quarta geração da regra para aviões desse tipo.
O projeto da Elixir empregou novos conceitos e tecnologia de ponta, chamada de Carbon Oneshot, para simplificar as estruturas e reduzir o peso. Segundo o fabricante, mais simplicidade significa menos falhas, portanto, mais segurança. Aliás, o avião conta com paraquedas balístico, algo pouco usual em aeronaves destinadas à instrução. A empresa afirma que os custos operacionais, incluindo combustível e manutenção, ficam em torno de 60 dólares por hora de voo (considerando valores deste ano).
A certificação pela FAA era planejada para ocorrer ainda em 2024, enquanto a abertura da unidade fabril em Sarasota, na Flórida, é prevista para a primavera de 2025. A planta norte-americana deverá ampliar a capacidade de entrega dos aviões destinados às escolas e, eventualmente, aos operadores privados na América do Norte.
Quem também apresentou seu modelo voltado para instrução foi a brasileira Inpaer, que promoveu o Colt 100, que se destaca por seu amplo espaço interno e baixos custos de manutenção. O modelo, embora voltado para uso geral, dentro das regras LSA, planeja disputar o milionário mercado de instrução aérea norte-americano, que deverá passar por uma ampla modernização de seus meios. Com custos competitivos e uma unidade fabril no Texas, a Inpaer norte-americana, conhecida como Texas Aircraft, planeja conquistar boa parte dos contratos com escolas e universidades de aviação.
Por fim, a italiana Tecnam também anunciou no AirVenture que recebeu o Certificado de Tipo da autoridade canadense de aviação civil para o seu monomotor P-Mentor. O avião conta com um motor Rotax 912iSC3, sendo equipado com a suíte Garmin G3X, com recursos PBN/RNAV/AFCS, em conformidade com as últimas emendas CS-23/FAR 23 e agora da Transport Canada Parte V, Subparte 21. A intenção é que o P-Mentor possa ser a aeronave padrão em toda a instrução aérea, do primeiro voo até a obtenção das licenças de piloto comercial e IFR.
Ainda pensando no futuro, especialmente da indústria, a Daher anunciou em Oshkosh os quatro alunos selecionados, em conjunto com a General Aviation Manufacturers Association (GAMA), para seu programa anual de estágio internacional. A apresentação no AirVenture foi além do simples marketing, criando condições de apoiar a equipe da Daher durante o maior evento aéreo do mundo e se beneficiando de uma experiência excepcional em primeira mão com a indústria da aviação.
O projeto, que está em seu segundo ano, é organizado pela Daher e pela GAMA para identificar e encorajar líderes promissores da indústria do futuro e envolve dois alunos da América do Norte e outros dois da França.
O programa tem uma base bastante ampla de conhecimento, com a canadense Maria van Scherrenburg sendo estudante do terceiro ano na Universidade de Ottawa, que trabalhou na otimização da manutenção de TBM; e Billy “Trey” Shurley, de Cabot, nos Estados Unidos, graduando em ciência da computação com especialização em segurança cibernética, que colaborou com a equipe de suporte da TBM Care.
Já no lado francês, Lou Gasparini é aluno de mestrado em Gestão Internacional na Toulouse School of Management, que foi designado para o departamento de sourcing; e Clémence Gouel, aluna da Toulouse Business School, que trabalhou com a Administração de Marketing e Vendas da família Kodiak.
A NBAA, a associação de aviação de negócios dos Estados Unidos, há alguns anos, promove uma iniciativa semelhante de encorajar novos líderes na indústria aeronáutica, especialmente os com menos de 40 anos de idade. Já a EAA, mantém há três décadas o Young Eagles, que tem como premissa formar a base da nova geração de pilotos e líderes. O projeto conta com diversas iniciativas, como o apoio da distribuidora de combustíveis Phillips 66 Aviation, que reembolsa um dólar por galão de Avgas usado em voos do projeto Young Eagles.
Este ano, a empresa anunciou Gordon Davis como o vencedor do Prêmio Young Eagles Leadership de 2024. Considerado um membro dedicado do Capítulo 1522 da EAA em Cynthiana, no estado do Kentucky, Davis foi reconhecido por suas contribuições como voluntário no programa, especialmente por abrir oportunidades de voo para crianças e guiar jovens em sua jornada no universo da aviação.
O voluntariado é uma das atividades mais importantes da cultura dos Estados Unidos, sendo amplamente apoiado em todas as esferas. Enquanto os terrenos do Aeroporto Regional Wittman e da EAA estavam lotados com milhares de visitantes e o evento foi acompanhado ao redor do mundo, com mais de 23,9 milhões de pessoas alcançadas pelos canais de mídia social da EAA durante o AirVenture, com 17 milhões de visualizações de vídeos, quase 6.000 voluntários contribuíram com mais de 250.000 horas de trabalho
Muitos têm se voluntariado anualmente por décadas, e há muitas famílias que se voluntariam juntas. Rebecca Evers é voluntária há 25 anos. Ela comentou que é voluntária de terceira geração e está criando voluntários de quarta geração. Quando questionada sobre sua experiência, ela exclamou: “Não há nada melhor do que Oshkosh!”.
Doug Milius e Steve Owen são voluntários em uma área conhecida como North 40. Eles dirigem todo o tráfego terrestre no lado norte do aeroporto. Doug e Steve têm sido voluntários em operações de linha de voo (FLO) no AirVenture (anteriormente conhecido como Convenção Anual e Fly-In da EAA) desde 1992. Doug, que tem sido voluntário no show em geral desde cerca de 1980, disse: “Sinto que ao me voluntariar tenho uma conexão próxima com meus pais, especialmente com meu pai, que também foi voluntário na EAA e no show aéreo. Também sinto uma conexão próxima com os outros voluntários da FLO... É algo como uma grande família... Gosto especialmente de me voluntariar na FLO porque estamos bem no campo onde há muita ação e você pode se aproximar de uma grande variedade de aviões”. Steve comentou que a gratidão mostrada pelos pilotos e seus colegas membros da EAA que participam do show são as razões pelas quais ele continuou a se voluntariar por tantos anos.
Bob Lang é voluntário há 46 anos na mesma área – o Estacionamento de Aeronaves Home Built. Ele disse: “A parte mais significativa para mim é saber que, de alguma forma, eu faço parte de fazer tudo isso funcionar”. A EAA afirma em seu site: ‘Os voluntários têm sido nosso coração e alma. Voluntários de todo o mundo têm ajudado a tornar a EAA um líder reconhecido na comunidade da aviação”.
Enquanto a inovação, os shows, a história e os expositores comerciais (este ano, com um número recorde de 861) são sempre um destaque deste evento, a comunidade parece ser o que continua atraindo números recordes a cada ano. A EAA mantém há mais de 70 anos a fórmula mágica de como alcançar e inspirar todas as gerações em todos os campos da aviação.
Por Taylor e Cindi Peeff, de Oshkosh
Publicado em 01/08/2024, às 08h00
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