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O que é ser um comandante?

Nossa responsabilidade começa no caráter e não se esgota em técnicas e conhecimentos profissionais avançados: precisamos ir além de normas e manuais de aviação


Paulo Mercadante
Décio Corrêa

Não é incomum pessoas me perguntarem: “O que é ser um comandante?”. A resposta simples seria dizer que é o piloto mais antigo, aquele que ocupa o assento esquerdo da aeronave e tem sob sua responsabilidade a segurança do avião, de sua tripulação e de seus passageiros. Teoricamente, seria o piloto mais experiente a bordo. Contudo, para entender o que é ser comandante, precisamos ir além de capacidades profissionais. Para ocupar essa posição, exige-se proficiência técnica, experiência e conhecimento profundo da aeronave, e isso quase todos os pilotos podem adquirir. Porém, ser comandante com “C” maiúsculo requer outros atributos que não estão nos manuais de aviação, nos regulamentos da empresa e muito menos em normas dos órgãos reguladores.

As virtudes desse profissional devem ser inerentes ao seu caráter e estarem incorporadas a atitudes e posturas no trabalho. Características como serenidade, equilíbrio, temperança, capacidade de ponderação e análise com imparcialidade são qualidades que fazem parte do arcabouço de quem comanda uma aeronave, indo além da rotina de um cockpit. Educação, cultura, bom senso e práticas de convivência harmoniosa são adquiridos pelo profissional que estuda e está determinado a evoluir. Essas qualidades devem ser praticadas no cotidiano da vida de um profissional de aviação, seja em ambiente de trabalho, familiar ou social.

Infelizmente, nem todos os pilotos possuem as exigências necessárias para ocupar essa posição. Um bom aviador pode se transformar em um bom comandante ou passar toda a sua vida profissional sendo apenas um bom aviador. O grau de profissionalismo de um aviador não se mede pelo tamanho da aeronave por ele operada. O pior inimigo no processo de evolução de um piloto é ele mesmo. Se enganado pela vaidade excessiva e pelo exibicionismo, será impedido de exercer com êxito a avaliação e o senso de justiça.

Se um piloto novato me perguntasse “qual é o melhor caminho para ser um comandante com ‘C’ maiúsculo?”, com certeza, lhe responderia com apenas oito regras: 1ª – O comando começa dentro de sua casa. Seja justo, paciente e atencioso com os seus familiares. Se conseguir, vai ser fácil levar essa postura para o trabalho; 2ª – Pratique o respeito no meio profissional. Não faça comentários desairosos sobre seus colegas e lembre-se de que ninguém está livre de cometer erros; 3ª – Seja polido, educado e acessível às pessoas, ajudando o outro sempre que necessitar; 4ª – Lembre-se de que você nasceu com dois olhos, dois ouvidos e uma só boca. Adquira a capacidade para observar, ouvir, ponderar e ser comedido ao falar; 5ª – Tenha senso crítico, mas evite criticar em excesso.

Um bom aviador pode passar sua vida profissional toda sendo apenas um bom aviador

A grande maioria das críticas pode ser substituída por um bom conselho; 6ª – Se não puder ajudar, jamais prejudique. Seja confiável a quem está ao seu lado, sem encobrir falhas graves ou desvios de caráter; 7ª – Sempre dê oportunidades a quem mereça e reconheça o esforço do próximo; 8ª – Por fim, saiba ressaltar as qualidades de seus colegas e incentive-os a seguirem em frente com suas características.

Ser um comandante é ter um bom caráter em evolução e trazê-lo para o ambiente de trabalho. Atitudes que vão além de um bom currículo. Ao longo de minha vida, tive o privilégio de trabalhar com grandes comandantes, assim como também conheci uns poucos pilotos medíocres no comando de aeronaves. Felizmente, esses foram em menor número. Sempre gostei da frase de Thomas Edison que julgo um bom pensamento para essa posição: “Se viéssemos a fazer tudo o que somos capazes, literalmente, nos surpreenderíamos.”

Redação
Publicado em 14/10/2011, às 07h25 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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