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O Brasil e o mundo

China, Holanda e Emirados Árabes podem servir de referência para o país começar a desobstruir o principal gargalo de seu transporte aéreo, os aeroportos


Foto: Jones Cesar Dalazen
JK, Cumbica e Viracopos, no sentido horário, da esquerda para a direita: juntos, eles respondem por quase um terço do movimento de passageiros e mais da metade do volume de carga transportado por via aérea no país
Foto: Rodrigo Cozzato

A situação da infraestrutura aeroportuária no Brasil é crítica. Faltam pistas, pátios e terminais. No segmento de carga aérea, o gargalo também preocupa. No Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, localizado em Guarulhos (SP), por exemplo, os terminais cargueiros não têm espaço para futuras ampliações, e as poucas áreas que poderiam ser aproveitadas para obras de expansão foram usadas para montagem de um Módulo Operacional Provisório (MOP), mais conhecido no meio aeronáutico como "puxadinho", para atender aos voos da companhia aérea Webjet. Os pátios do mais movimentado aeroporto da América Latina são igualmente limitados e não podem atender a várias aeronaves cargueiras de grande porte simultaneamente. Guarulhos, na realidade, mal tem espaço para receber os voos regulares - aviões com destino a Congonhas, que precisem alternar o pouso por conta das más condições meteorológicas, estão proibidos de aterrissar em Guarulhos por falta de vagas no pátio.

Parece não haver dúvidas de que solução para o atual déficit no setor de infraestrutura depende em grande parte da iniciativa privada. E as concessões dos aeroportos de MUNDOBrasília (DF), Guarulhos (SP) e Campinas (SP) terão um papel decisivo na desobstrução desse gargalo. Mas não será uma tarefa fácil, como bem observou o economista José Roberto Mendonça de Barros em recente entrevista à revista Exame. Os consórcios vencedores terão pela frente o complexo e oneroso trabalho de equiparar a infraestrutura e os serviços dos aeroportos brasileiros aos padrões internacionais, tendo de superar deficiências crônicas. Juntos, Cumbica, Viracopos e JK respondem por quase um terço de passageiros e mais da metade do volume de carga transportados por via aérea no país anualmente.

A Infraero continuará atuando junto às empresas que venceram as licitações. Apesar de ser minoritária, com 49% das ações, a estatal manterá poderes excepcionais e terá voto de minerva em decisões estratégicas. Existe entre empresários do setor uma incerteza em relação ao que isso significa. Já alguns analistas de mercado estão céticos quanto ao retorno financeiro dos investimentos, já que o ágio das compras tornou as contas deficitárias, pelo menos em princípio. Mesmo com empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), as empresas terão de usar capital próprio e buscar financiamento no mercado. Além disso, ainda há dúvidas sobre a capacidade técnica e o fôlego financeiro dos vencedores. O consórcio Triunfo, que pagará R$ 3,8 bilhões pelo Aeroporto Internacional de Viracopos, ganhou em 2008 a concorrência da rodovia Ayrton Senna, em São Paulo (SP), mas não levou, já que não conseguiu apresentar as garantias necessárias para o fechamento do negócio. Já o Corporación America, operador argentino que faz parte do grupo que arrematou o Aeroporto Internacional de Brasília, por R$ 4,5 bilhões, acumulou dívidas e renegociou contratos na gestão de 33 aeroportos em seu país.

A atuação da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), o órgão regulador, também suscita dúvidas. A principal pergunta que o mercado se faz é se ela será ou não severa na aplicação das multas previstas caso as empresas não cumpram o cronograma de obras ou não apresentem trabalhos com alto grau de qualidade. Na concessão de rodovias federais, de 2007, a Agência Nacional de Transportes Terrestres prorrogou os prazos das concessionárias, que até agora investiram muito pouco em obras de ampliação e de manutenção.

Enquanto as obras de infraestrutura não saem do papel, selecionamos três exemplos inspiradores para o Brasil. São aeroportos com qualidade e estrutura invejáveis para atendimento não só de passageiros, mas também de cargas. Projetos planejados para atender à demanda dos próximos 20 ou 30 anos.

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MAIS UMA PISTA EM CHEK LAP KOK

O Aeroporto Internacional Chek Lap Kok, de Hong Kong (China), anunciou no último mês de março a construção de sua terceira pista paralela para pousos e decolagens. Ela só estará pronta em 2023, mas o aeroporto não pretende perder a concorrência para outros aeroportos asiáticos no decorrer dos próximos anos. Para alcançar o objetivo, a terceira pista será fundamental, já que o aeroporto poderá operar sem restrições atendendo a 620 mil voos por ano ou a uma média projetada de 102 voos a cada hora ou ainda um voo a cada 36 segundos. As projeções apontam para um movimento anual de 97 milhões de passageiros e 8,9 milhões de toneladas de carga aérea em 2030.

Para a construção da nova pista na ala norte da ilha artificial, onde está erguido Chek Lap Kok, serão realizados também muitos trabalhos de compensação ambiental, já que um novo aterro deverá ser feito justamente onde hoje existe um ecossistema com controle rigoroso da vida marinha e proteção aos golfinhos. "Nunca deixamos de lado as questões do meio ambiente e todos os custos que virão dos trabalhos de preservação da fauna já estão em nossa planilha", ressalta Marvin Cheung Kin-tung, chairman da Airport Authority Hong Kong. Ele comemorou muito a aprovação governamental para o início das obras e disse que, assim, o aeroporto terá condições de concorrer de igual para igual com Changi, de Cingapura, e Incheon, de Seul (Coreia do Sul), na busca da excelência de serviços. Atualmente, Chek Lap Kok opera duas pistas paralelas, com 3.800 metros de comprimento. Em 2011, seus dois terminais movimentaram 53,9 milhões de passageiros; e seus terminais de carga registraram um movimento de 3,938 milhões de toneladas. Bons resultados obtidos graças a uma infraestrutura projetada para atender a uma demanda crescente, independente de crises econômicas transitórias.

Prova maior de que nem todos estão trabalhando no vermelho é que a Cathay Pacific, maior companhia aérea com base em Hong Kong, registrou lucro de US$ 709 milhões em 2011. "Nossos resultados só não foram melhores porque tivemos o aumento no preço do combustível e uma queda no movimento de transporte de cargas para a Europa, em virtude da instabilidade e as incertezas do mercado quanto ao futuro das maiores economias do mundo", explica Christopher Pratt, chairman da Cathay Pacific. Mas ele prevê a retomada do crescimento e diz que tanto a companhia quanto o aeroporto estarão prontos para atender ao aumento na demanda. Em 2011, a Cathay Pacific recebeu seis Boeing 777-300ER, três Airbus A330-300 e quatro Boeing 747-8F (cargueiros). Neste ano, a companhia deverá incorporar outras 19 novas aeronaves.


AL MAKTOUM, UM OÁSIS INTERMODAL

Quem voa agora para o Oriente Médio encontra o novíssimo Aeroporto Internacional Al Maktoum, construído junto ao Dubai World Central (DWC), um luxuoso complexo que reúne residências e resorts de alto padrão, além de grandes centros financeiros e logísticos em uma área de 140 km², duas vezes maior do que a da ilha de Hong Kong. Também está próximo ao porto de Jebel, que atualmente é considerado o sexto maior terminal marítimo do mundo. Tudo para que a intermodalidade seja utilizada em sua plenitude. O novo aeroporto atende ao tráfego com uma única pista (12/30) de 4.500 metros de comprimento e sistema ILS CAT III-C, mas o projeto do aeroporto prevê a operação de até cinco pistas paralelas com possibilidade de operação simultânea. Quatro terminais de passageiros serão erguidos, sendo que as obras do primeiro foram concluídas no segundo semestre de 2011. Em princípio, a Emirates Airlines, que tem base no Aeroporto Internacional de Dubai, não pretende mudar seu quartel-general para o novo Al Maktoum. Em compensação, participou dos primeiros testes operacionais do novo aeroporto em 20 de junho de 2010, quando um dos seus Boeing 777F (Emirates Sky Cargo) aterrissou na pista 12/30, executando o voo EK9883.

Quando o aeroporto estiver operando com toda a sua capacidade, poderá atender a 160 milhões de passageiros ao ano e movimentar até 12 milhões de toneladas de carga aérea por 16 terminais intermodais. O primeiro complexo cargueiro já está pronto. É o Al Maktoum Airport Cargo Gateway International, que custou US$ 75 milhões e tem capacidade para movimentar 250 mil toneladas de carga, mas poderá ter sua capacidade ampliada para 800 mil toneladas ao ano, assim que a demanda aumentar significativamente. "Parece um exagero termos um aeroporto desse tamanho, sendo que Dubai já opera um grande aeroporto. Mas é preciso pensar macro, no longo prazo", destaca Paul Griffiths, CEO da companhia Dubai Airports. De acordo com o executivo, o antigo aeroporto já movimenta 2,5 milhões de toneladas por ano e as projeções apontam para um aumento de até 50% no volume de carga aérea já em 2015. E o número de passageiros não deve ficar atrás: de 41 milhões em 2009, saltará para 98 milhões em 2020 e 150 milhões em 2030. "Se não crescermos, vamos frear o desenvolvimento de todo os Emirados e isso certamente não é nossa intenção, pelo contrário", acredita Griffiths


ESPAÇO PARA CARGA EM SCHIPOL

O Aeroporto Internacional Schipol, de Amsterdã (Holanda), é referência no segmento de carga aérea. Lá não há qualquer tipo de restrição. Pelo contrário, há espaço para construções de novos terminais cargueiros, sendo que hoje a maioria dos pátios e edifícios está aberta no setor sudeste do aeroporto, próximo à pista 06/24. Para assegurar o crescimento também na ala sudoeste, a administração de Schipol já abriu novas vias de acesso e está ampliando as estradas de rodagem do entorno do aeroporto. Tudo com vistas ao aumento de operadores de carga aérea, não só as companhias aéreas, mas também dos chamados "handlers", empresas contratadas para efetuar o transporte dos contêineres, considerando que pelo menos 50% dos grandes centros de distribuição de multinacionais norte-americanas e asiáticas ficam próximos ao aeroporto holandês.

A intermodalidade que Schipol oferece é mais uma conveniência indispensável em um aeroporto. Além de estar ligado a excelentes estradas de rodagem, também se conecta a ferrovias e a uma invejável rede de transporte fluvial e marítima. É o exemplo do porto de Roterdã, que, embora não seja mais o maior do mundo - foi ultrapassado em 2004 pelos portos asiáticos de Xangai e Cingapura -, continua tendo vital importância para o transporte marítimo e para as operações de comércio exterior na Holanda. E o aeroporto também está ganhando uma nova conexão férrea que permitirá o acesso de composições às linhas de alta velocidade para Bruxelas, Paris e Londres via Eurotúnel. Em 2011, Amsterdã - Schiphol, Roterdã - The Hague Airport e o aeroporto de Eindhoven movimentaram, juntos, 1,524 milhão de toneladas de carga.

Robert Zwerdling
Publicado em 25/04/2012, às 08h24 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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