Fadiga, CRM, complacência diante do automatismo e deficiências no treinamento precisam ser investigadas antes de se crucificar os pilotos pela queda do 777 em São Francisco
Imagens fornecidas por cinegrafistas amadores correram o mundo em poucas horas, mostrando o momento em que o Boeing 777-200ER pertencente à companhia coreana Asiana Airlines se choca violentamente com o terreno na área de manobras do Aeroporto Internacional de San Francisco, CA. De acordo com informações preliminares divulgadas pelas autoridades norte-americanas que investigam o caso, o voo 214, realizado no dia 6 de julho último, teria executado a aproximação de forma adequada para a cabeceira 28L, que operava ILS sem glide slope, previsto em Notam (Notice to Airmen). No entanto, em curta final, a tripulação técnica teria demorado a reagir à não ativação do sistema de aceleração automática (autothrottle), o que levou a aeronave a entrar em atitude de estol. Os pilotos iniciaram manobra para arremetida, porém, tardiamente. Resultado: o Boeing 777 perdeu sustentação e colidiu com a área de obstáculo para retenção do mar junto à cabeceira, com a consequente separação do conjunto de estabilizadores vertical e horizontal. Em seguida, o jato se projetou com força ao solo, provocando o colapso do trem de pouso e a perda do motor número 1. Após se arrastar violentamente por 735 metros, em área de terra, à esquerda da pista, o “triplo sete” finalmente parou, mas, com o vazamento de combustível, começou a pegar fogo. Os passageiros foram evacuados e todos conseguiram deixar a aeronave antes que boa parte da fuselagem fosse consumida pelas chamas. Duas passageiras morreram no local, sendo que seus corpos foram encontrados fora da aeronave. Outros 289 passageiros escaparam com vida, mas 49 deles foram levados ao hospital em estado grave – um perderia a vida poucas semanas depois. O resultado só não foi pior porque tanto as equipes de emergência do aeroporto quanto os comissários da Asiana agiram de forma pontual no processo de evacuação e resgate dos feridos.
A notícia desse grave acidente aéreo causou comoção e muitos se apressaram em apontar culpados, crucificando os pilotos. Porém, parece razoável esclarecer que as informações divulgadas logo após o desastre pelo NTSB (U.S. National Transportation Safety Board) são de caráter preliminar. Além disso, como sempre acontece na aviação, uma ocorrência não tem apenas um fator determinante. As investigações deverão, agora, seguir por diversas vertentes, levando em consideração, por exemplo, aspectos como fadiga da tripulação, o CRM (Crew Resource Management) entre os tripulantes envolvidos – sobretudo por se tratar de dois comandantes atuando lado a lado –, o excesso de complacência, a falta de conhecimento adequado na operação dos sistemas automáticos da aeronave e, até mesmo, deficiências no treinamento. Serão meses até se chegar à redação do relatório final.
Graças à transparência nas investigações, que sempre foram bandeira em território norte-americano, foi possível coletar diversos dados de ordem técnico-operacional do acidente em apenas uma semana. Deborah Hersman, que representa o NTSB, fez questão de ressaltar em pronunciamento oficial que não existe qualquer tipo de ligação entre o acidente com o voo 214 e o acidente envolvendo um Boeing 777-200 da British Airways no Aeroporto Internacional de Heathrow – Londres, em 2008. Naquele caso, o avião britânico perdeu potência na final de aproximação por problemas envolvendo formação de gelo nas linhas de combustível. “O caso da British aconteceu durante o inverno europeu em aeronave com motores Rolls-Royce. O Boeing da Asiana era impulsionado por motores Pratt&Whitney e a temperatura em San Francisco era de 18º C, ou seja, os últimos 3.000 m (10.000 pés) do voo 214 já foram executados com temperaturas superiores ao ponto de congelamento da água”, disse Hersman.
O voo 214 tinha como piloto em comando um veterano com 9.793 horas de voo, incluindo experiência em aeronaves do modelo Boeing 747, porém novo no “triplo sete”, ainda em fase de instrução, com um total de 43 horas de voo no equipamento. Seu instrutor, outro piloto experiente na companhia, com um total de 12.387 horas de voo, sendo 3.220 destas em aeronaves Boeing 777. O voo contava, ainda, com a participação de mais dois tripulantes, sendo um comandante e um copiloto. Porém, de acordo com o NTSB, um deles estaria ausente no momento do acidente.
Por Robert Zwerdling
Publicado em 09/08/2013, às 00h00 - Atualizado em 10/08/2013, às 00h58
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