AERO Magazine
Busca

Especial / Normas

Entre a teoria e a prática

Autoridades aeronáuticas discutem normas para o uso de drones enquanto os pedidos de licenças especiais se multiplicam; nova legislação deve sair neste ano de 2015 nos EUA e no Brasil


A agência norte-americana de aviação civil, a Federal Aviation Administration, anunciou que poderá exigir carteira de piloto para qualquer cidadão que pretenda operar um drone, norma que valerá para missões pessoais ou comerciais. A medida tem como objetivo reduzir o índice de quase colisões de aeronaves com veículos não tripulados em espaço aéreo norte-americano. Somente em 2014, pelo menos 25 incidentes graves foram relatados por pilotos à FAA. As novas medidas restritivas, se aprovadas, entrarão em vigor até o final de 2015. Por enquanto, a agência vem trabalhando caso a caso, concedendo licenças especiais para a operação dos UAV, abreviação em inglês para Unmanned Aerial Vehicle, traduzido no Brasil como veículo aéreo não tripulado (vant).

Os estúdios de cinema de Hollywood receberam recentemente sinal verde para gravações de imagens captadas por drones, mesmo depois do grande mal-estar envolvendo os produtores do filme “The Wolf of Wall Street”, que usaram um vant sobre Nova York, sem autorização da FAA, para a coleta de imagens destinadas à edição do making of da película.

A agência norte-americana expediu a primeira autorização para operações de veículos não tripulados por uma empresa privada em junho de 2014. A BP, especializada em extração e refino de petróleo, assim como o fabricante de aeronaves não tripuladas AeroVironment, foram homologadas para executar voos de pesquisa e vigilância sobre áreas localizadas na região da baía Prudhoe, no norte do Alasca. O avião Modelo Puma AE recebeu a licença para ser utilizado prioritariamente na vistoria da rede de oleodutos, facilitando o trabalho das equipes de manutenção na busca de avarias e vazamentos. “Certamente, um importante passo no sentido de regularizar a operação dos drones, porém, ainda há muito trabalho pela frente”, disse Anthony Foxx, secretário do Transporte do governo dos Estados Unidos, em entrevista ao jornal USA Today. Para ele, a novidade chega ao mesmo em tempo que a indústria especializada na construção de UAV clama pela liberação oficial dos pequenos aviões em missões que hoje são consideradas de risco, elevado custo ou mesmo tediosas para o ser humano. A autorização dos voos concedida pela FAA à BP e à AeroVironment se deu graças a uma pré-liberação concedida ao Departamento de Defesa para a operação do mesmo tipo de drone em missões militares. “A tecnologia está evoluindo e temos um leque imenso de oportunidades”, opinou Foxx. O Puma AE tem 1,35 m de comprimento por 2,7 m de envergadura e desenvolve uma velocidade média de 70 km/h, com autonomia de 3,5 horas.

Quase colisão

Ainda não houve uma evolução real no sentido de a agência norte-americana regularizar o uso dos drones, seja por pessoas físicas ou jurídicas, mesmo diante da existência de diversos vant de pequeno porte comercializados sem restrições em grandes magazines ou via internet. Não são veículos militares como aqueles utilizados para ataque ar-terra ou em missões de vigilância, mas, sim, aeronaves de menor porte, sendo alguns de operação simplificada e que podem ser controlados via smartphone, com módulo para captura de imagens em alta resolução da área sobrevoada. O baixo custo e o fácil manuseio do aparelho garantem o aumento progressivo das vendas. Porém, em contrapartida, o risco de acidentes também evolui e muitos pilotos de linha aérea já estão preocupados com a falta de regras claras quanto ao uso dos vant por civis.

Para os mais pessimistas, uma ocorrência é questão de tempo e os danos podem ser mais críticos do que os causados pela colisão de uma aeronave com um pássaro de médio porte. Os drones não podem voar a menos de 8 km (5 milhas) de um aeroporto e acima de 120 m (400 ft). Infelizmente, a maioria dos operadores desconhece as regras e chegou-se ao ponto de alguns aeroportos nos Estados Unidos emitirem alertas aos aeronautas pelo sistema ATIS (Automatic Terminal Information Service).

A FAA também concedeu autorização especial para o voo de drones em missões da polícia e do corpo de bombeiros, ainda que cada caso tenha recebido tratamento diferenciado por parte da agência reguladora. Os pedidos para a utilização dos vant em missões comerciais, porém, multiplicam-se. É uma corrida contra o tempo, o que fez com que o próprio governo definisse o mês de setembro de 2015 como a data limite para que a regulamentação esteja pronta e aprovada.


Campanha publicitária contratada por uma camisaria usou drones com hélices rotativas em São Paulo

Privacidade

O objetivo da agência norte-americana é o de regularizar a operação dos vant de modo que seus “pilotos” tenham qualificação adequada e os veículos não tripulados possam voar com segurança em áreas populosas, sem interferir no tráfego aéreo, realizando um pouso seguro no caso de perda do sinal de contato com o operador. Um veículo não tripulado, mesmo que de tamanho reduzido, tem um peso considerável e pode matar se atingir uma pessoa em terra, o que certamente explica a prudência da FAA. A agência ainda terá de analisar muitas variáveis para que possa chegar a um consenso e, assim, emitir uma regulamentação final para o setor.

Outro assunto polêmico, que também tem gerado muitas discussões, é o limite de um entusiasta ao filmar ou fotografar pessoas com um vant sem a devida autorização prévia dos que têm suas imagens capturadas. Muitos consideram esse tipo de procedimento uma invasão de privacidade, comparando-os com o modo de trabalho dos chamados “paparazzi”. O assunto já virou caso de polícia nos Estados Unidos. No último mês de junho, algumas emissoras de televisão norte-americanas deram destaque a um vídeo gravado por um operador de vant em uma cidade litorânea de Connecticut em que o cinegrafista é atacado por uma moradora descontente por ter sido fotografada sem autorização prévia. A agressora acabou presa, já que as cenas de violência foram documentadas com celular pelo proprietário do vant.

Utilização racional

O emprego em larga escala dos drones dependerá da aprovação final das autoridades governamentais. Enquanto isso, autorizações especiais terão de ser solicitadas com antecedência e pelos meios adequados. A companhia europeia  EasyJet, por exemplo, está trabalhando para obter uma licença para que o vant seja utilizado na inspeção externa das aeronaves. Os engenheiros terão em suas mãos uma nova ferramenta para avaliar a frota, com mais rapidez e confiabilidade, na busca de possíveis danos na fuselagem e superfícies de comando dos jatos. O drone está sendo desenvolvido em parceria com as empresas de tecnologia Coptercraft, Measurement Solutions e Bristol Robotics Laboratory.

A própria Amazon.com deve aguardar a publicação do texto final de regulamentação da FAA em setembro de 2015 para dar início aos primeiros testes nos Estados Unidos do seu serviço PrimeAir, para entregar pequenos pacotes, com remessas de mercadoria leve, como livros ou peças de bicicleta.

O Brasil ainda não conta com uma legislação específica para o setor, embora já opere drones militares, utilizados especialmente em missões de vigilância e combate ao tráfico de drogas. Autorizações especiais para o uso dos vant já estão sendo emitidas pela Aeronáutica. Mas não foi o que aconteceu em novembro de 2014, durante a inusitada campanha publicitária contratada por uma camisaria, que usou drones com hélices rotativas para carregar manequins gigantes entre prédios comerciais sobre áreas povoadas da cidade de São Paulo numa ação batizada “desfile nas alturas”. A Anac e a Aeronáutica apuram se houve crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo, definido no artigo 261 do Código Penal, que prevê reclusão e multa em caso de a ação objetivar lucro ou vantagem financeira – há outras investigações de uso irregular de veículos aéreos não tripulados. Pelas normas, operações de drones precisam ser comunicadas com antecedência de 15 a 30 dias à Aeronáutica para evitar riscos de acidentes com aviões e helicópteros. Além disso, para decolar, um drone precisa de Certificado de Autorização de Voo Experimental (Cave), expedido pela Anac. Segundo a agência, apenas sete unidades possuem a autorização no país. Uma nova legislação que permita voos de drones de 25 kg em lugares pública e a até 400 pés de altitude deve ser formulada pela Anac ainda neste ano de 2015.

Acidente no restaurante

A direção da cadeia de restaurantes TGI Friday achou que seria uma boa ideia utilizar um pequeno hexacopter (seis propulsores motor-hélice verticais) para animar as mesas de seus restaurantes na época natalina. O drone transportava ramos de ‘mistletoe’ (visco), uma planta que, montada em portas e passagens, dá direito a beijos a todos os que passam sob sua folhagem e suas frutinhas. A ideia era fazer com que “o visco aerotransportado” sobrevoasse as mesas, animando o ambiente com seu convite à troca de afagos. Na filial de Sheepshead, em Nova York, a fotógrafa Georgine Benvenuto, que registrava a ação, foi atingida no nariz por uma das pás do drone. O operador, que perdeu momentaneamente o controle do artefato, alegou que a vítima teve parte da culpa ao permitir o pouso da máquina em sua mão e a afastar bruscamente, provocando o acidente. A rede TGI Friday já efetuou programas semelhantes em Nova York e no Texas sem que fosse registrado qualquer problema. Assim, a inusitada prática batizada ‘mobile mistletoe’ (“visco móvel”) não deve ser interrompida no período natalino.

Por Ernesto Klotzel

Por Robert Zwerdling
Publicado em 23/01/2015, às 00h00


Mais Nivel 350