Expo Aero Brasil mostra no Paraná a força e o potencial da aviação geral leve do país
A cidade de Maringá, no interior do Paraná, acolheu a Expo Aero Brasil 2014 com o intuito de viabilizar sua meta de se tornar um polo aeronáutico nacional em cinco anos. Trata-se de uma diretriz estratégia traçada por um conselho municipal para ser cumprida pela Prefeitura, independente de quem estiver no governo, o que reforça a perspectiva de que o aeroporto regional Silvio Name Junior possa tanto abrigar as anunciadas 100 empresas ligadas ao setor aéreo nesse prazo quanto se tornar o endereço definitivo da EAB. Nesta 17ª edição da feira, que começou em Sorocaba e passou por Araras e São José dos Campos antes de aterrissar em Maringá, o clima de apreensão no início do evento, motivado pelo estabelecimento de slots para pouso – o que afugentou dezenas de pilotos-proprietários de aviões leves –, acabou dando lugar a um otimismo contido entre os expositores na medida em que os visitantes começaram a chegar a bordo de suas aeronaves, depois da supressão da medida de controle do tráfego aéreo, para falar de negócios.
Os números ajudam a dimensionar o que representou a primeira edição da Expo Aero Brasil em Maringá. Segundo os organizadores, cerca de 32.000 visitantes circularam por uma área de 81.000 m² onde tiveram contato com produtos e serviços de 167 empresas de 17 países expostos em 98 estandes. Nos quatro dias de evento, pousaram em Maringá 638 aeronaves da aviação geral, das quais 147 estavam à venda. O ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco, participou da EAB e prometeu para Maringá investimentos da ordem de R$ 56,8 milhões, o que inclui ampliação das dimensões da pista de pouso e decolagens para 2.380 m x 45 m, construção de nova taxiway para melhorar a circulação do transporte de carga e instalação do sistema ILS CAT I, de aproximação de instrumentos. “Precisamos preparar o aeroporto para se transformar em um grande centro de carga, com interconexões ferroviária e rodoviária”, disse o ministro.
Moreira Franco também ouviu propostas de representantes da aviação geral. O comandante Rodrigo Scoda, da Edra Aeronáutica, falou em nome de fabricantes e distribuidores da aviação geral e entregou ao ministro um documento com reivindicações referentes a espaço aéreo, combustíveis, financiamentos e formação de pilotos. “Somos a base do sistema de aviação civil e uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento econômico e social do país. A aviação geral interliga pelo menos 3.800 pequenos aeroportos brasileiros atualmente”, elencou Scoda. Entre as propostas do grupo estão a criação de um sistema de arrecadação de taxas e tarifas desvinculado do controle de tráfego aéreo (e vinculada à venda de combustível); a facilitação do voo visual diurno no espaço aéreo Golf (que se descaracteriza por conta do uso excessivo de Notam e acordos operacionais); o alinhamento do preço dos combustíveis com o praticado nos demais países das Américas e a equiparação da CIDE do querosene de aviação com a da gasolina de aviação; a viabilização de acesso a financiamentos para pesquisa, desenvolvimento e produção de aeronaves leves; e a redução das barreiras burocráticas para abertura de escolas de pilotagem e centros de instrução.
A principal reivindicação dos fabricantes de aeronaves leves, porém, foi a de que a Anac autorize a aplicação de aeronaves LSA/ALE (Aeronave Leve e Esportiva) na formação de pilotos privados e comerciais. “É uma maneira de as escolas oferecerem aviões mais novos e modernos para seus alunos, com custo operacional mais baixo, além se criar um promissor mercado para os fabricantes desse tipo de aeronave no Brasil”, acrescentou Scoda.
Um dos que defende o uso do LSA para instrução é o engenheiro Omar Pugliesi, sócio-diretor da AeroAlcool, fabricante do avião Quasar, vendido em duas versões, Light e Fast, com motores Jabiru e Rotax, com preços que variam de R$ 228.000 a R$ 290.000. “Já temos mais de 50 aeronaves entregues, oito delas nos Estados Unidos, como LSA. Em 2014, temos uma média de produção de uma aeronave por mês”, diz Pugliesi. Segundo ele, falta ao Brasil regulamentar a categoria ALE, o que significa definir detalhes de licença, manutenção e tipos de uso para a aeronave. “A ideia é que, além do transporte pessoal e lazer, o avião possa ser usado para treinar pelo menos pilotos privados”, sustenta o engenheiro. “São aviões novos, que consomem menos de 20 litros por hora e voam a 195 km/h (105 nós), contra 25 litros por hora e 165 km/h (90 nós) de aviões antigos como Cessna 172, Paulistinha e Aero Boero, permitindo que os alunos aproveitem melhor a hora de voo não só em termos de custo como de aproveitamento do tempo. O LSA sobe mais rápido e permite que o candidato a piloto receba mais instruções no mesmo tempo, além de voar com segurança por conta da baixa velocidade de estol desse tipo de avião”.
Nos estandes dos principais expositores da EAB outro assunto continua movimentando a indústria: o projeto IBR 2020, que cria a oportunidade de empresas brasileiras obterem a certificação de tipo de um projeto próprio. Em tese, o programa dá a algumas companhias a chance de seguir o caminho trilhado pela Embraer ao aderirem ao projeto, que prevê a implantação de um “sistema de qualidade”. Na prática, porém, parece claro que o arranjo se deu, sobretudo, para não interromper as atividades de uma indústria que entrega de 10 a 20 aviões por mês, no Brasil e no mundo, embora a Anac já tenha dito que não vai permitir que empresas “montem aviões de forma amadora e se denominem indústria”. Conversando com alguns dos empresários do setor durante a EAB, também ficou evidente que as dificuldades para os atuais montadores brasileiros de aeronaves leves obterem a certificação de tipo para um projeto próprio, no final desse processo, são enormes. Uma alternativa, que já se discute nos Estados Unidos, é a adoção de uma legislação mais flexível também para certificação dos ultraleves fora dos padrões LSA.
Uma das empresas com potencial para obter certificação de tipo para um projeto próprio é a Inpaer, que participou da EAB. A empresa de São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, mudou seu modelo de gestão, recebeu injeção de capital e aposta na profissionalização para entrar no mercado de aeronaves homologadas. “Temos a oportunidade de nos desenvolvermos como indústria. Queremos passar da condição de montadores para fabricantes. Para isso, precisamos cumprir muitas etapas, como aprender a fazer os ensaios de certificação”, diz Tiago Jordão, superintendente de Planejamento, Pesquisa e Desenvolvimento da Inpaer, que entrega hoje cerca de cinco aeronaves por mês. A decisão de homologar o projeto de um avião que já está voando pode facilitar o processo para a Inpaer, acreditam os engenheiros da empresa. “Já temos 13 modelos Explorer em operação e estamos lançando a versão 2015. É um avião de engenharia mais simples, com uso do metal. Para essa primeira etapa, pareceu-nos o mais viável, considerando itens como investimento, prazo e risco”. Equipado com motor Lycoming YIO de 540 hp (402 kW), o quadriplace asa alta Explorer tem velocidade de cruzeiro de até 255 km/h (138 kts). A Inpaer também aposta no mercado de LSA/ALE com seu Conquest 180 equipado com motor Rotax de 100 hp (75 kW), que alcança até 1.200 km e atinge em cruzeiro 210 km/h (110 kts). “Os aviões dessa categoria têm condições de ressuscitar os aeroclubes se puderem ser usados para instrução, reduzindo os custos operacionais. Manutenção de motor, reparo de hélice, enfim, quase tudo fica mais em conta com os novos LSA”, acredita Jordão.
EAB teve 32.000 visitantes e 98 expositores
Com 32 anos de existência, mais de 2.200 aeronaves entregues e 140 funcionários, a Flyer Aeronáutica também almeja obter uma certificação de tipo para um projeto próprio a partir do IBR 2020. Em Maringá, reclamando do slot criado para o dia da abertura da EAB, pois pelo menos 50 de seus clientes haviam abortado a missão de voar até a feira (depois decidiram ir), o diretor Luis Claudio Gonçalves diz que é membro votante do comitê ASTM F44, que discute nos Estados Unidos os novos processos de certificação, e está otimista tanto com a oportunidade criada pelo IBR 2020 quanto com a possibilidade de se formularem regras mais simples e menos onerosas para homologação dos chamados “ultraleves pesados”. “O atual processo é caro. Tome como referência o custo do aluguel do guindaste da Nasa para realizar o crash test, muito elevado, mais de US$ 10.000. No F44 temos de pensar em formas de os fabricantes provarem o que estão falando sobre seu avião sem inviabilizar o processo por custos. Mas acho que essas iniciativas tanto no Brasil quanto nos EUA têm tudo para dar certo, e aqui, mesmo que nem todos consigam certificar suas aeronaves, pelo menos teremos uma cadeia de fornecedores que não dependerá apenas da Embraer”, diz Luis Claudio. A Flyer, hoje em São Paulo, é uma das empresas que podem operar também em Maringá. Na EAB, um dos destaques do estande era o Tecnam P2006T, bimotor que consome 40 litros por hora e sobe a 300 pés/min (90 m/min) full, segundo o diretor da Flyer.
O novo CEO da Seamax Brazil, o engenheiro Gilberto da Cunha Trivelato, demonstra certo ceticismo em relação à capacidade do país de dar um salto qualitativo em termos de tecnologia aeronáutica. “Quando falamos de safety-critical systems, vontade política é insuficiente e irrelevante, senão perigosa, pois pode levar a desperdício de dinheiro público. Precisamos de competência técnica e de gestão, algo que temos de importar dos Estados Unidos e da Europa, sozinhos não faremos. Falta ao Brasil um ambiente de engenharia, com ferramentas de engenharia que possam ser compartilhadas, no nível de certificação de tipo. Soluções de engenharia pressupõem decisão política, técnica, econômica e socialmente viável”, diz Trivelato, que defende investimentos em laboratórios e criação de centros de P&D públicos em parques tecnológicos. “As empresas brasileiras não dispõem disso hoje e não terão recursos para investir sozinhas nesse tipo de ambiente de engenharia”. A Seamax, que também levou sua linha de montagem para São João da Boa Vista, mostrou em Maringá a nova versão de seu anfíbio M22, agora com asas dobráveis e paraquedas balísticos, que custa US$ 125.000. A empresa já produziu cerca de 130 unidades do avião.
A baiana Paradise mostrou na EAB seu novo P1NG, um LSA asa alta biposto de US$ 120.000 com motor Rotax 912iS e terceira porta para bagagem. A empresa já tem 300 aeronaves vendidas, sendo 30 delas fora do Brasil, e produz cerca de três unidades por mês. “Não vendo mais por falta de mão de obra. Mas estamos montando uma linha de produção em Lakeland, nos Estados Unidos. Lá é mais barato e produtivo, inauguramos em janeiro de 2015”, revela Noé de Oliveira, que fundou a Paradise em 2001. “Uma das vantagens do mercado norte-americano é que eles já usam o LSA para instrução”.
A Edra levou para a EAB seus dois experimentais LSA, o anfíbio Super Petrel de R$ 236.000 e o asa baixa Dynamic W-T9 de R$ 307.000. Com 450 entregues em 23 países e produção de quatro unidades por mês, a empresa tem prazos de sete a 10 meses de entrega e espera ampliar sua capacidade de montagem para cinco unidades a cada 30 dias. “A mão de obra é o gargalo, formar um laminador de carbono, por exemplo, requer tempo e a empresa tem de formar seus colaboradores”, explica Rodrigo Scoda. Uma das novidades da Edra é o Super Petrel, modelo que acaba de ser certificado como LSA nos EUA, com motor Rotax iS-Sport com injeção eletrônica. “Estamos testando esta versão injetada, que é mais econômica do que a carburada”.
A Starfox também aproveitou a EAB para lançar seu LSA Fox V8, um asa alta construído sobre uma estrutura tubular de alumínio aeronáutico e cabine em fibra de vidro. Equipado com motor Rotax 912 de 100 hp (75 kW), o avião cruza a 180 km/h. Seu preço varia de R$ 170.000 a R$ 190.000 dependendo da configuração, útil para transporte em fazendas e áreas remotas em geral. “Um dos diferenciais é que a cabine da aeronave comporta pilotos altos, de 1,95 m, com mais conforto”, destaca Silvio Baldner, sócio da Starfox. “A principal dificuldade tem sido obter as licenças da Anac, que não dispõe de gente para fazer as inspeções. São meses de espera”.
A Nova Aeronáutica, representante da Evektor, lançou na EAB o LSA Harmony, que incorporou refinamentos em relação ao Sport Star. “O avião recebeu refinos de design nas asas e no profundor, ganhou polainas de rodas e teve aumento da área do leme para aumentar a capacidade de operação com vento de través”, explica Jonas Lopes, sócio-diretor da Nova Aeronáutica. “Houve alongamento de nariz ao se ampliar a cauda, por conta do peso e balanceamento, deixando a cabine maior, o que permitiu a colocação de estribos para apoiar o pé antes de subir sobre a asa”. O avião básico custa US$ 128.000, nacionalizado, mas pode chegar a US$ 170.000 com opcionais. Com motor Rotax 912 ULS, de 100 hp (75 kW), seu alcance é de 1.300 km com velocidade de cruzeiro de 204 km/h. A Evektor acaba de fechar um acordo com um grupo de investimento malaio com injeção de US$ 400 milhões para financiar a homologação de suas aeronaves, como é o caso do EV-55 Outback, bimotor para transporte tanto de carga quanto de passageiros.
Mais uma novidade da EAB foi o anúncio do condomínio aeronáutico Exclusive Air Resort, em Sorocaba, no interior de São Paulo, com uma pista de 1.300 m por 30 m IFR via Rnav (teto de 245 m ou 800 pés). A expectativa dos incorporadores é realizar o pré-lançamento ainda este ano e abrir a pista para operações até o início de 2016. O empreendimento prevê na primeira fase até 55 residências com acesso à pista, 176 lotes residenciais sem acesso à pista, 29 hangares e sete lotes comerciais, além de FBO e torre de controle, em uma área de 695.000 m² (a área total para futura expansão é de 5.000.000 m²). “Estamos fora da Terminal SP e dentro do Centro Curitiba, facilitando o acesso da aviação geral”, explica o piloto Fernando Burani, diretor executivo do empreendimento.
Aeronaves leves esportivas foram um dos destaques do evento
Aeronaves homologadas também prestigiaram a EAB, e não apenas os tradicionais modelos Cessna e Beechcraft. A Vulcanair participou da feira pela primeira vez com seu novo representante no Brasil, a GP Aeronaves, dirigida por Gualter Pizzi, que aposta na versatilidade da família P-68 para incrementar as vendas da marca no país já a partir de 2015. Segundo ele, existem quatro em operação no mercado nacional, um P-68 Observer, dois P-68C e um P-68R. “É uma aeronave de cerca de US$ 1 milhão que cumpre desde operações de transporte privativo clássico até missões de utilidade pública, além de fotografia, monitoramento aéreo, paraquedismo e outras”, diz Pizzi. “Trata-se de um avião com boa autonomia, cabine espaçosa e custo operacional baixo, de US$ 260 por hora voada incluindo overhaul, considerando um consumo de 70 litros de combustível por hora”. Duas novidades da Vulcanair prometem movimentar o mercado brasileiro: o turbo-hélice Aviator para nove passageiros, que custa US$ 3 milhões, e o monomotor a pistão V-1 para instrução, um quadriplace de US$ 260.000 (FOB), que poderá ser financiado em 60 meses. “É um projeto de 20 anos que incorporou novas tecnologias, como o painel Garmin 500/430”, explica Pizzi.
A Eclipse e a Quest também fizeram sua estreia no evento. O novo representante da Eclipse no Brasil, a Aerofox, montou um estande onde anuncio que o modelo 550 deve receber sua certificação no Brasil em novembro. “Já temos dois modelos vendidos no país, que devem ser entregues ainda em 2014. Trabalhamos para vender 10 jatos por ano, já que o Eclipse oferece uma relação custo-benefício competitiva, disputando mercado com os turbo-hélices, pois possui custo operacional por km voado mais baixo. Sua única restrição é a pista, que precisa ser de asfalto”, explica Fabio Alves Pereira, diretor Comercial da Aerofox. Já a Quest demonstrou seu recém-certificado Kodiak 100. “Tivemos uma resultado melhor do que o da Labace na EAB, com pelo menos cinco consultas produtivas de gente da agropecuária. Devemos fechar 2014 com a venda de mais três unidades. O Kodiak é uma aeronave muito versátil, capaz de cumprir transporte de carga, linha aérea e voos executivos, além de servir a paraquedistas”, ilustra Augusto Pagliacci, da Quest do Brasil.
A Somma Aviation, representante da Epic, também participou da EAB, mas não levou seu avião para Maringá. O E1000 está em processo de certificação e deve receber sua licença em 2015. “Já começamos a vender posições da aeronave certificada, temos dois pedidos dos 55 feitos por clientes de outros países”, explica Gianfranco Tropi Somma, sócio-proprietário da Somma Aviation. O preço do Epic E1000 é US$ 3,4 milhões e, segundo o fabricante, voa de São Paulo a Manaus “full”, consumindo 180 litros por hora a 590 km/h (320 nós).
Com cerca de 400 vendas de aeronaves em nove anos de atuação no Brasil, a Cirrus também marcou presença na EAB 2014. Depois de um período de forte demanda, hoje a empresa entrega duas a três aeronaves por mês, devendo fechar 2014 com as mesmas 30 entregas de 2013. A Cirrus também aposta no sucesso do seu jato SF50 no Brasil, já que possui 60 posições vendidas para operadores nacionais, o que representa pouco mais de 12% da carteira de pedidos. A expectativa é a de que o novo avião comece a ser entregue no país no 1º quadrimestre de 2016.
Por Giuliano Agmont, de Maringá
Publicado em 02/10/2014, às 00h00 - Atualizado às 23h50
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