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A nova Esquadrilha da Fumaça

O que muda com a incorporação do Super Tucano pelo Esquadrão de Demonstração Aérea da FAB


As manobras da Esquadrilha da Fumaça estão de volta. Desde julho de 2015, o Esquadrão de Demonstração Aérea da Força Aérea Brasileira retomou sua agenda de apresentações. Mais de dez shows já aconteceram em diversos locais do país, com a importante missão de divulgar o trabalho da FAB. A estreia da Fumaça ocorreu de forma a preservar a sua importante missão histórica de motivar e inspirar os cadetes, pois foi realizada no dia 03 de julho na cerimônia militar de Entrega de Espadins da Turma Jaguar (primeiro ano) da Academia da Força Aérea, em Pirassununga, interior de São Paulo. Para alcançar o dia tão esperado, foram necessários mais de dois anos de implantação operacional e logística do novo protagonista: o A-29 Super Tucano.

O período de treinamento dos pilotos foi dividido em diversas etapas, com aulas teóricas sobre o novo avião – conhecidas como “Ground School” – e testes estratégicos da execução das manobras em determinados locais do país, escolhidos de acordo com os diferentes níveis de altura e temperatura. Além do processo de treinamento dos aviadores, o programa contou também com a capacitação dos mecânicos da área de manutenção, adaptando-os à nova aeronave e à preparação logística exigida por ela. 

O A-29 deu nova dimensão às manobras arrojadas da Esquadrilha da Fumaça, sendo necessárias adaptações ao display de demonstração em virtude das características de performance do avião. Nos 45 minutos de apresentação, são realizadas cerca de 50 manobras no ar. Para cada uma delas, há uma faixa de velocidade que varia entre 160 km/h e 560 km/h, tangenciando – mas nunca ultrapassando – alguns limites do A-29. As manobras começaram a ser realizadas a 5.000 pés de altura (1.524 m) até serem completamente validadas. Assim, o treinamento foi descendo em altitude até que as acrobacias pudessem ser executadas a 300 pés (91 m), como são apresentadas nas demonstrações, sempre mantendo o alto nível de segurança operacional. Vale ressaltar que duas delas foram retomadas neste novo contexto: “Chumboide” e “Lancevaque”, ambas realizadas pelo piloto da posição de número 7, o isolado.

Mais de 60 anos

A Esquadrilha da Fumaça é a terceira equipe de demonstração aérea mais antiga do mundo. Recebeu o nome oficial de Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA), mas o apelido dado pelo público sempre foi a marca registrada nos corações apaixonados pela aviação. Inúmeros militares já passaram pela Esquadrilha, todos “fumaceiros” de coração, bem como quatro tipos diferentes de aviões: o T-6 Texan, com 1.225 demonstrações, o T-24 Fouga Magister, com 46 demonstrações, o T-25 Universal, com 55 demonstrações, e o T-27 Tucano, com 2.363 demonstrações. Este último pousou pela última vez em apresentações oficiais no dia 31 de março de 2013, após nada menos que 30 anos de serviço ao EDA, continuando, no entanto, como vetor de instrução aérea aos cadetes na Academia da Força Aérea.

Não foi por acaso que a Força Aérea Brasileira escolheu o A-29 Super Tucano para substituí-lo. Um avião operado pela FAB desde 2005, desenhado para cumprir as mesmas missões desempenhadas pelo Tucano, como aeronave de ataque e defesa aérea, contudo com poder de fogo e eficiência muito maiores e que, pela sua versatilidade, também substituiu o jato AT-26 Xavante na formação básica dos pilotos de caça brasileiros. O Super Tucano é a garantia da defesa das fronteiras do Brasil contra tráficos ilícitos e, desde 3 julho de 2015 – data da primeira demonstração – garantia de emoção onde a Esquadrilha da Fumaça estiver no mundo.


Vigor estrutural do Super Tucano permitiu o retorno de manobras giroscópicas avançadas, conhecidas como tumbles

Pai e filho

O Tucano e o Super Tucano, mesmo sendo a evolução de projetos realizados pelo mesmo fabricante - a Embraer - guardam grandes diferenças. Elas começam pelo cockpit. O A-29 possui um sistema aviônico bastante avançado, que permite ao piloto grande confiança nas informações de navegação. A adaptação ao Head Up Display (HUD) ocorreu tranquilamente, facilitando a gerência dessas informações. Quanto ao conforto, houve uma enorme melhora. A nacele pressurizada, o piloto automático usado nos deslocamentos e o robusto ar-condicionado, que mantém a nacele resfriada inclusive à baixa altura, fizeram muita diferença.

O vigor estrutural do Super Tucano também permitiu o retorno de manobras giroscópicas avançadas, conhecidas como tumbles, além dos emocionantes Lancevak e a Chumbóide. Os comandos de voo do A-29, tanto para o isolado quanto para o voo de ala, também são harmoniosos, com a necessidade de um pouco mais de força em função das velocidades maiores, o que deixa o voo mais estável. O pouso no Super Tucano é um misto entre paliet e o pouso por atitude, devido ao maior peso e velocidade na aproximação final. O pouso trabalhado buscando a suavidade faz com que se consuma mais pista.

Dois aspectos teóricos com reflexos práticos no desempenho e na manobrabilidade das aeronaves também foram bastante discutidos e verificados nos treinamentos: a relação potência-peso, que está relacionada à capacidade de aceleração, seja para ganho de altitude ou velocidade; e a carga alar, que reflete a capacidade de sustentação e manobra de uma aeronave. Assuntos bastante complexos, mas que merecem menção.


Com o aumento de peso do A-29 em relação ao Tucano, os topos das manobras ficaram mais elevados e as velocidades, mais altas

O A-29 possui um motor com mais que o dobro de potência, 1.600 shp contra 750 shp do T-27, no entanto, o peso também é superior, aproximadamente 4.000 kg contra 2.200 kg (configurações utilizadas nas demonstrações). Isso significa uma vantagem para o Super Tucano de cerca de 20% nessa relação. Quanto à carga alar, sabemos que a área das asas dos dois modelos é muito semelhante e que, para suportar um maior peso, verificamos na prática um aumento na velocidade de estol, nos raios e na velocidade de início das manobras. Ou seja, para compensar a perda causada com o aumento do peso, foram necessárias maiores altitudes para início de manobras, visando iniciá-las com maiores velocidades, o que, por sua vez, só foi possível graças ao incremento em potência oferecido pela motorização mais robusta.

Com isso, o gerenciamento da energia em cada ponto da apresentação foi um aspecto que ocupou grande parte do treinamento, sendo definidos parâmetros mínimos que garantem a execução de cada manobra, inclusive em localidades e situações em que o rendimento do motor é reduzido por fatores externos, como altas temperaturas e altitudes. Quem já presenciou uma demonstração do EDA com as novas máquinas pôde perceber na prática. Os topos das manobras realmente ficaram mais elevados e as velocidades, mais altas.

Todo esse processo somente foi possível com a aplicação da doutrina de demonstração aérea, absolutamente arraigada no EDA. Um show aéreo pode ser realizado por qualquer avião, basta conhecê-lo profundamente e respeitar seus limites. Conhecer profundamente significa estudar seus manuais e acumular experiência, treinar intensamente em altitude segura até que haja incontestável certeza de que aquela mesma manobra pode ser realizada a uma altitude um pouco mais baixa. Quanto ao respeito aos limites, antes de tudo, disciplina. Logo adiante, muito treinamento, para não exceder esses limites involuntariamente. O respeito à máquina e a suas limitações foram premissas intocáveis durante o processo de implantação do Super Tucano à missão de demonstração aérea.

De volta às origens

A Esquadrilha da Fumaça cresceu muito – desde os primeiros voos realizados – tornando-se um poderoso instrumento de divulgação da Força Aérea Brasileira na medida em que incentiva fortemente o amor à pátria e mostra o profissionalismo dos militares. A paixão que surgiu em 1952 no Campo dos Afonsos permanece viva até hoje. Agora, como nunca, renovada com a implantação das modernas aeronaves A-29 Super Tucano.

Foram dois anos e três meses de muito trabalho durante o processo de implantação operacional e logística do A-29 para retornarmos aos olhos do público, recompensados pela plena satisfação de termos conseguido extrair da aeronave, com segurança, um espetáculo tão belo quanto o apresentado pelo seu antecessor, o T-27 Tucano. Não houve oportunidade melhor para a retomada senão compartilhar um momento importante para os cadetes da Academia da Força Aérea: a entrega do Espadim – símbolo do Cadete – ao 1º Esquadrão. Foi muito bom para o fechamento do ciclo de transição dos projetos que os olhos tenham sido os mesmos, com a mesma motivação e inspiração de outrora, separados por 63 anos.

O processo de implantação correu de forma minuciosa, em passos cautelosos, com muito trabalho e estudo: seja por parte dos pilotos, imersos nos aspectos operacionais, seja pelos “anjos da guarda”, imbuídos em colaborar com a melhoria do projeto e com a adaptação do sistema gerador de fumaça. Além disso, a equipe administrativa garantiu o gerenciamento das atividades do Esquadrão e manteve vivo o contato com o público por meio de ações de comunicação social.

A primeira demonstração pública com o Super Tucano aconteceu numa manhã fria, nublada e uma ansiedade serena por parte de todos os integrantes do EDA. A emoção não veio em voo, pois a preparação de um piloto de demonstração também envolve o fator psicológico. Foco. A segurança voa em primeiro plano e tudo correu muito bem. As nuvens ao fundo não fizeram o melhor contraste, mas realizamos a primeira demonstração, isso que importa! Após o corte do motor, sem motivos para evitar a emoção, vimos nossos companheiros, familiares e amigos se aproximarem das aeronaves. Foram minutos longos, cumprimentando aqueles que nos acompanharam durante todo esse processo e pensando em como as manobras têm se apresentado para nossos cadetes, familiares e autoridades presentes. Fechamos o ciclo, cumprimos a missão! Já realizamos diversas outras apresentações, com céu azul. Agora, estamos prontos para demonstrar em qualquer localidade do continente americano e nos preparando para fazê-lo em qualquer lugar do mundo. Salut! Fumaça... Já!

Texto escrito pelo Capitão Aviador Thiago Romeiro Capuchinho, piloto Ala Direita na Esquadrilha e que participou da estreia da Fumaça com o avião A-29 Super Tucano na Academia da Força Aérea. 

Por Thiago Capuchinho*, especial para AERO
Publicado em 04/10/2015, às 00h00


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