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Conserto no gelo

Maior motor de avião a jato foi trocado em clima polar

Um 777-300ER da Swiss 'perdeu' um motor e desceu em região remota do Canadá


Aconteceu em 1º de fevereiro último, quando as temperaturas no norte canadense oscilam entre -25ºC e -30ºC e os ventos de 45 km/h acrescem uma sensação térmica de -16ºC, soprando sobre uma superfície despojada e gelada como Iqaluit com seu isolado aeroporto com uma pista de 2.600 m. Este cenário receberia o pouso de emergência do Boeing 777-300ER da Swiss International Airlines, com pane total em um de seus dois motores.

Sob todos os aspectos, um dos piores lugares para substituir um motor a jato pesando quase 9 toneladas. Desde 2016, o voo diário Zurique-Los Angeles, cobrindo 9.700 km em pouco mais de 11 horas, era realizado pela Swiss com o Boeing 777-300ER.

O plano de voo começara cruzando o Atlântico Norte, sobrevoando a ponta sul da Groenlândia e sobrevoando o Canadá em direção ao destino final. O 777-300ER é equipado por dois motores General Electric GE90-115B que, com suas 115.000 lbf (512 kN) de empuxo são, no momento, os mais potentes da indústria aeronáutica.

Decorridas apenas 5 horas de voo, o jato com seus 216 passageiros, acabava de se transformar no “maior monomotor do mundo” ao ter seu motor esquerdo cortado automaticamente pelo sistema de segurança que detectou uma pane séria. Como todo avião comercial autorizado a voar com bimotores horas longe de pontos de apoio em terra (ETOPS) não havia problemas imediatos para o voo em si, além da busca imediata do primeiro aeroporto capaz de propiciar um pouso seguro ao “monomotor”. 

A escolha foi uma pista relativamente pequena no aeroporto de Iqaluit na Ilha Baffin, província canadense de Nunavut – a 290 km da Groenlândia. Iqaluit, capital de Nunavut, tem 7.000 habitantes e, mesmo situada abaixo do Círculo Ártico tem um clima polar devido à corrente gelada do Labrador em torno da Ilha Baffin. A temperatura mensal média, durante os oito meses do ano se situa abaixo do ponto de congelamento.

O aeroporto de Iqaluit foi criado em 1942 como Base Aérea Frobisher Bay pelo Exército dos Estados Unidos. Com sua pista de 2.600 m, foi utilizada até o início dos anos 1960 e, desde então, tornou-se o aeroporto alternativo para voos transatlânticos. A instalação é servida por voos regulares, possui um terminal mas não conta com hangares de porte.

O comandante Roberto Battaglioni e sua tripulação fizeram a aproximação monomotor a um aeroporto que nunca haviam visto sequer no simulador de voo de sua companhia.

A prefeito da cidade recebeu os passageiros, oferecendo-lhes um passeio pela cidade que, diante dos -25ºC ao ar livre não pareceu muito animador. Sem uma ponte de embarque a solução momentânea da Swiss foi a permanência dos passageiros a bordo. Após 14 horas, um Airbus A330 resgatou os passageiros levando-os a Nova York, de onde outra aeronave da companhia os desembarcou em Los Angeles.

Mas os problemas com o 777 estavam apenas começando. Horas antes, enquanto ainda em voo, a tripulação procurava uma maneira de “reviver” o motor, o departamento de operações de Zurique comunicava a ocorrência ao Engenheiro de Atendimento de Campo da GE.  Uma equipe da GE em Cincinnati foi informada, enquanto a Swiss procurava mais um avião para ir até Iqaluit.

À distância, a GE procurou em primeiro lugar, verificar se o 777 ainda tinha condições para o traslado, o que foi considerado inviável após a análise das informações técnicas e fotos enviadas pela tripulação. O gigantesco turbofan teria de ser substituído no aeroporto de Iqaluit. A GE não tinha, no momento, um motor de reserva nos USA, o mais próximo estava em Londres, mas a Swiss, por outro lado, tinha um turbofan em Zurique.

O motor GE90 tem mais de 3,5 m de comprimento, pesa mais de 9 toneladas e seu enorme fan tem um diâmetro superior a 3,50 m. Com potência máxima desenvolve 125.000 lbf (512 kN) de empuxo, maior do que o Titanic e o foguete Redstone 3 (da cápsula espacial Mercury) combinados.

Poucos são os aviões cargueiros, grandes o suficiente para transportar um motor GE90 – um deles é o Antonov Na-124 russo que foi contratado para a missão. Tanto o motor como as ferramentas, equipamentos de apoio, equipamento de manuseio em terra, produtos de consumo e uma tenda inflável foram colocados a bordo.

Após a chegada em Iqaluit em 4 de fevereiro, cinco engenheiros da Swiss e 12 da GE começaram a trabalhar. A tenda inflável foi mantida a 10ºC enquanto a temperatura exterior era de -40ºC. 

Diante da emergência, há de se registrar um surpreendente fenômeno manifestado desde as primeiras horas da situação emergencial: os habitantes, a Real Polícia Montada do Canadá, e as autoridades de Iqaluit numa impressionante prova de solidariedade se uniram às equipes da GE e da Swiss formaram um só conjunto coeso e harmônico tendo uma única meta : a substituição bem-sucedida do motor esquerdo do Boeing 777 e seu retorno à Suiça.

A tenda inflável da GE foi providencial. Os geradores e a iluminação fornecidos pela comunidade de Iqaluit proporcionaram uma temperatura interna de até 10ºC permitindo o trabalho durante as 19 horas noturnas de fevereiro. 

Existem cerca de 12 etapas para a troca de um motor. Desde o desligamento de todas as conexões elétricas, hidráulicas, pneumáticas e de combustível, à retirada das carenagens do fan, e painéis dos suportes do motor e a realização de testes de vazamentos.

Uma vez retirado de deu suporte, o GE90 foi levado para o interior de um hangar para a moção de componentes aproveitáveis no motor de substituição. Itens como a Auxiliary Power Unit (APU), o sistema de condicionamento de ar e os tanques de água foram preparados ao ar livre.

As condições de tempo provocaram a paralização dos trabalhos em várias ocasiões, quando a intensidade do vento tornava perigosa a movimentação de objetos de grande porte, além do perigo de congelamento para os envolvidos no trabalho.

Trabalhando sem parar, à despeito das interrupções causadas pelo mau tempo, as equipes efetuaram a instalação e cheques do novo motor em cinco dias de trabalho.

Finalmente, em 9 de fevereiro às 18h00 locais, 777-300ER taxiou até a pista e decolou com destino a Zurique, chegando lá 6 horas depois.

Por Ernesto Klotzel
Publicado em 13/03/2017, às 19h14 - Atualizado em 14/03/2017, às 23h33


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