O Boeing B-52 Stratofortress ainda está longe da aposentadoria
Por trás dos aviões de combate da linha de frente, existe uma frota de jatos mais velhos, incluindo um que foi projetado em um fim de semana em um quarto de hotel durante a Guerra Fria. A história, tipicamente americana, começou em uma suíte do Hotel Van Cleve, em Dayton, Ohio, em um fim de semana de outubro de 1948.
A Boeing estava em crise. Durante dois anos, a companhia tentava, sem sucesso, satisfazer a demanda da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF), por um novo bombardeiro estratégico. Era um período perigoso da Guerra Fria. A União Soviética estava a apenas um ano de detonar sua primeira bomba atômica e os Estados Unidos precisavam de uma arma para neutralizar a ameaça soviética. Para mostrar que dispunha de uma frota de bombardeiros capaz de lançar bombas nucleares em qualquer lugar do planeta.
Curiosamente, a USAF insistia em que o novo bombardeiro não fosse um jato e sim um turboélice, embora o novo Comando Aéreo Estratégico do Ar já operasse o novo jato Boeing B-47 Stratojet. A USAF pretendia um bombardeiro duas vezes maior do que o B-47, uma dimensão – na época – julgada inviável para um jato. De repente, a USAF mudou de opinião: o novo bombardeiro seria um jato.
Reclusos em uma suíte do hotel em Dayton estavam dois engenheiros que haviam transformado a Boeing de uma pequena indústria do pré-guerra em um gigante da aviação militar no período da guerra e pós-guerra: Ed Wells projetista-chefe e George Schairer, um visionário que, em 1945, descobriu as mais avançadas pesquisas aerodinâmicas alemãs, introduzindo-as no B-47, que era duas vezes mais veloz do que qualquer outro bombardeiro no mundo.
Wells e Schairer chamaram mais quatro engenheiros da Boeing enquanto Schairer comprou um sortimento de madeira balsa, cola e tinta para modelos em uma loja para aeromodelistas próxima do hotel.
Enquanto Wells desenhava o formato do novo bombardeiro, ele informava as dimensões e Schairer esculpia e montava o equivalente na escala 1:12. O modelo foi encaixotado e enviado ao Pentágono junto com um dossiê preparado por Wells que previa o desempenho do projeto. Em abril de 1952, o avião criado em um hotel fez seu primeiro voo da fábrica da Boeing em Seattle. Foi chamado B-52 Stratofortress e obedecia de perto a todas as especificações elaboradas por Wells.
Surpreendentemente, o B-52 ainda é a espinha dorsal na frota de bombardeiros da USAF. Embora existam modelos mais avançados, como o B-1 e uma frota limitada de Northrop Grumman B-2 Spirit stealth, é o B-52 o que mais voa, agindo como uma barragem à artilharia aérea, capaz de bombardeios devastadores.
A USAF planeja operar os B-52 por mais 30 anos. E isso não é tudo: para manter os B-52 no ar serão necessárias as aeronaves de reabastecimento em voo como os Boeing KC-135 Stratotanker que, segundo o general Carlton Everhart, comandante do Comando de Mobilidade Aérea, “ poderão completar 100 anos antes de sua desativação”. Nenhum outro avião no mundo em plena operação ficará tão velho.
O KC-135 deu origem ao Boeing 707, a partir do qual a Boeing estabeleceu a hegemonia da aviação comercial a jato por décadas, enquanto o KC-135 se tornou mais um best seller. O último exemplar foi entregue à USAF em 1965.
As conclusões sobre bombardeios estratégicos derivados da Guerra Fria que deram origem ao B-52 se tornaram obsoletas. Tecnicamente, ele ainda faz parte da tríade nuclear (junto com o B-2) mas é difícil imaginar onde e como ele será utilizado para transportar e lançar armamentos nucleares. O B-52 só pode ser utilizado contra adversários que não contam com sistemas sofisticados de defesa aérea como o ISIS, Al Qaeda e o Taliban, mas utilizar armas atômicas nestes casos é impensável.
Mesmo que as bombas no B-52 possam ser modernizadas – com a guiagem por laser, etc, – sua utilização mais eficaz é como arma psicológica, ou em certas condições como na Guerra do Vietnã. No entanto, a idade traz ao menos um beneficio: além dos upgrade periódicos, a estrutura do B-52 continua como foi projetada nos anos ’50. Como resultado, ele é muito mais simples de manter do que os B-1 e B-2. A frota de 76 aeronaves tem uma disponibilidade de 72%, enquanto a manutenção do B-2 é extremamente complexa e sua disponibilidade é a mais baixa da USAF: apenas 46% para uma minúscula frota de 20 aeronaves.
Para um novo sopro de vida, a USAF pretende investir US$ 4 bilhões para a instalação de novos motores. A idéia de que estes bombardeiros servirão para alguma finalidade em 2050 pode parecer absurda. O novo bombardeiro B-21 da Northrop Grumman está sendo projetado para superar qualquer aeronave futura da Rússia ou da China, não sendo nem certo que o B-21 necessitará de uma tripulação ou ser operado de maneira remota, como um gigantesco drone. E é mais do que possível que uma frota diversificada de aeronaves não-tripuladas, pequenas e de custo relativamente baixa, ditará a extinção do bombardeiro como conhecemos hoje.
Por Ernesto Klotzel
Publicado em 03/05/2017, às 11h13 - Atualizado às 11h58
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