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Desafios no gelo

Os detalhes da operação nos aeroportos de aspen e eagle county, que atendem cada vez mais turistas brasileiros durante o inverno do hemisfério norte em busca de estações de esqui


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"É uma tarde clara de inverno no Kansas. Sobrevoamos o estado americano a bordo do Falcon 2000LX e, apesar do sol, a paisagem sob nós se alterna entre árvores ainda com neve e lagos congelados. O Centro de Controle de Kansas City já nos instrui a descer do FL430 para o FL350, pois estamos prestes a ingressar em uma das áreas mais congestionadas dos Estados Unidos, na qual acontece a maior parte dos cruzamentos de aeronaves em rota. Via Datalink, consulto a meteorologia em Aspen, nosso destino, e, apesar de termos condições ainda razoáveis, o prognóstico do TAF prevê o fechamento por visibilidade nada menos que 15 minutos antes de nosso horário estimado para pouso. Prosseguimos no rumo do VOR Pueblo (PUB) e, após seu bloqueio, somos autorizados a voar no rumo da interseção ELWAY e, em seguida, direto para o VOR Red Table (DBL)."

"Ao descer para o FL200, nos livramos do tráfego pesado da área de Denver. Ficamos, porém, paralelos às Montanhas Rochosas, com elevações de mais de 14 mil pés. Aqui os ventos predominantes de oeste geram inevitáveis e fortes ondas orográficas de montanha. Após ELWAY, somos autorizados até 18 mil pés e, quando transferidos para o Controle Aspen, o controlador de voo nos informa da deterioração da visibilidade para duas milhas e meia por precipitação de neve, exatamente como o previsto. Decido prosseguir com o LOC/DME- -E, que começa no VOR Red Table a 14 mil pés e segue em sua radial 232 até a interceptação do Localizador. Nesse ponto já tenho a aeronave configurada com trem baixo e flaps na posição full, a fim de cumprir com o gradiente de descida dos step-downs e, ainda, manter os motores na potência mínima requerida para que os sistemas de proteção contra gelo das asas e motores cumpram suas funções adequadamente. Apesar da velocidade indicada ao redor de 150 nós, o PFD de nosso Falcon revela uma TAS de quase 200 nós em razão da altitude, o que exige bastante planejamento nas navegações lateral e vertical do procedimento. Ao passarmos DOYPE, que é o fixo de aproximação final, estamos a apenas 5,7 milhas náuticas da cabeceira 15, e então emprego a maior razão de descida possível para logo buscar a MDA de 10.200 pés, nada menos que 2.400 pés acima do aeródromo. Se avistarmos, fatalmente teremos que circular dentro do estreito vale de montanhas cobertas por neve para perder altura. No entanto, ao atingir a MDA avistamos o solo imediatamente abaixo de nós, mas a neve que cai nos impede de enxergar a cabeceira no ponto de aproximação."

"Inicio a arremetida retraindo uma posição de flap e recolhendo o trem, e com uma curva à direita imediata, interceptamos o Localizador em back-course, que nos guia sobre as encostas do lado oeste do vale até o fixo LINDZ. Não há previsão de melhoras em Aspen, e dentro de 13 minutos ocorrerá o pôr do sol, impossibilitando qualquer nova tentativa de aproximação. Decidimos, então, prosseguir para Eagle County, onde não há neve e os mínimos são menores. De volta à escuta do Centro Denver, somos vetorados para a aproximação LDA/DME da pista 25, na qual completamos o pouso em condições visuais".

O relato acima é do comandante André Danita, piloto de larga experiência na aviação executiva e também na operação especial do Aeroporto Pitkin County (OACI: KASE), que atende a cidade de Aspen. Ele voa para aquele aeroporto há oito anos. Assim, é um dos poucos aviadores brasileiros que conhece cada detalhe da pista e do entorno, especialmente o relevo acidentado, que torna o procedimento de descida extremamente trabalhoso, exigindo perícia por parte dos tripulantes envolvidos na operação. Aspen está erguida em meio às primeiras elevações das Montanhas Rochosas, cordilheira que começa no oeste do Canadá e termina no sudoeste dos Estados Unidos, e reúne algumas das estações de esqui mais procuradas por brasileiros durante o inverno no Hemisfério Norte, entre elas as de Snowmass, Buttermilk, Highlands e Aspen Mountain (Ajax).

A pista 15/33 tem boa dimensão (2.435 por 30 metros), incluindo 300 metros de ampliação entregues em novembro de 2011, mas apresenta elevação de 7.820 pés, o que torna o voo para Aspen um verdadeiro desafio mesmo para os aviadores mais experientes. Para começar, a velocidade do solo (GS) pode ultrapassar facilmente os 190 nós nos últimos minutos da aproximação, quando normalmente um avião a jato de médio porte aproxima com GS média de 120 a 140 nós ao nível médio do mar. Mas, como o relato do comandante Danita evidencia, a maior restrição operacional em Aspen fica por conta do gradiente de descida acentuado no segmento final para o pouso. Prova disso é que o próprio procedimento por instrumentos traz a aeronave até um ponto onde é imperativo que a aeronave circule com o intuito de perder altitude. "Tudo é feito em questão de segundos e com o desafio de manter a percepção correta de profundidade, lembrando que a manobra é executada ao lado de um morro coberto por neve", alerta Danita. Caso a visibilidade esteja boa, o piloto tem a opção de descer um pouco antes, completando a aproximação sem necessidade de respeitar os steps previstos em carta aérea. Assim, ele consegue realizar uma aproximação direta sem a necessidade de circular.

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Eagle County, que é a principal alternativa para jatos executivos que não conseguem aterrissar em Aspen, está se tornando um destino cada vez mais conhecido

POUSOS SÓ DURANTE O DIA
As aproximações só acontecem durante o dia, a partir das 7 horas da manhã (hora local) até o pôr do sol, enquanto as decolagens são autorizadas até 22h30 (hora local). O procedimento mais utilizado é o LOC/DME-E, mas o aeroporto também oferece um procedimento VOR/DME ou GPS-C. No segundo caso, o avião vem mais desalinhado e os step-downs são mais trabalhosos para a tripulação. A maioria dos jatos executivos que operam em Aspen é equipada com computador de voo, mas o banco de dados é limitado e não permite a execução do procedimento de forma automática, mesmo porque o final do procedimento deve ser completado visualmente.

ASPEN E EAGLE ATENDEM CADA VEZ MAIS ESQUIADORES DO BRASIL DURANTE O INVERNO NOS EUA

A única ressalva fica por conta das linhas aéreas que operam voos regulares em Aspen e contam com um banco de dados um pouco mais completo para a execução dos procedimentos. Para os pilotos mais familiarizados com a região, o aeroporto oferece uma carta para aproximação visual (Roaring Fork Visual Rwy 15), que só pode ser utilizada se a visibilidade for superior a 10 milhas náuticas e o teto, a 6.000 pés. Os pousos são liberados apenas durante o dia como medida cautelar de segurança. Foram proibidas as aproximações noturnas desde o acidente ocorrido em 29 de março de 2001 com o jato Gulfstream 4, matrícula N303GA. A aeronave, procedente de Los Angeles, estava circulando quando o piloto em comando perdeu a noção de profundidade em meio à baixa visibilidade e à escuridão. O jato acabou colidindo com um morro e explodiu, matando todos os 18 ocupantes.

DESAFIOS METEOROLÓGICOS

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A aeronave tem que estar configurada com trem de pouso baixo e com flaps totalmente arriados a aproximadamente 10 milhas da cabeceira para conseguir cumprir o perfil de descida para pouso em Aspen. E muitas vezes os speed brakes têm de ser acionados para não deixar a velocidade disparar na aproximação. Conforme se nota no relato do comandante Danita, o piloto tem a velocidade média indicada de 140 nós enquanto a velocidade verdadeira (TAS) pode ultrapassar a casa dos 200 nós. E não estamos levando em conta a influência do vento, que pode contribuir para o aumento da GS. A visibilidade mínima exigida é de três milhas náuticas. Menos que isso, o piloto não tem condições de completar a aproximação visual para pouso, principalmente se estiver prejudicada por precipitação de neve. "Pode até avistar a estrada que passa do lado do aeroporto, mas não terá contato visual com a cabeceira", argumenta Danita.

Os aviões que arremetem devem executar uma curva para a direita para interceptar o Localizador (108.5 I-PKN) no modo de back-course - procedimento abolido no Brasil, mas ainda previsto pela regulamentação norte-americana - e aguardar vetores do Controle Aspen (APP) para nova interceptação do Localizador (111.15 I-ASE) para pouso na cabeceira 15, único sentido utilizado na aproximação. Por outro lado, as decolagens são realizadas somente pela cabeceira oposta, a 33. Motivo: as montanhas que se projetam no entorno do aeroporto, especialmente a Aspen Mountain, localizada ao sul. Os aviadores até já se acostumaram a circular pela esquerda, já que os aviões que decolam no sentido oposto das aproximações costumam curvar à esquerda, ou seja, ficam à direita de quem está descendo. Em tempo: o slope da cabeceira 15 para a 33 é de 2%, o que favorece a desaceleração das aeronaves durante a manobra do pouso.

É importante ressaltar que os aviadores que operam em Aspen têm um grande aliado: o serviço norte-americano de informações meteorológicas. Os boletins de TAF (Terminal Aerodrome Forecast) são extremamente precisos. Ao contrário do que acontece no Brasil, onde as previsões em sua maioria apresentam o código "PROB", de probabilidade, nos Estados Unidos os boletins trazem o designativo "FM", de from, ou seja, as previsões informam a hora exata da modificação do tempo. E o piloto pode acreditar que aquilo que está especificado no TAF realmente acontece.

SERVIÇO DE INFORMAÇÕES METEOROLÓGICAS É UM GRANDE ALIADO DOS PILOTOS

Para ilustrar, recordo um voo que fiz para Nova York em 2008. Pousamos no JFK por volta de 19 horas com o céu parcialmente encoberto, com possibilidade de avistar algumas estrelas no horizonte. Pelo TAF, existia a previsão do tipo "FM", a partir das 22 horas, para chuva torrencial, mas ninguém acreditou muito naquela informação. Depois do jantar, todos retornaram ao hotel embaixo de água, sem guarda-chuvas. A previsão estava correta.

Além do TAF, o piloto pode utilizar o serviço de Flight Watch - na carta aérea de rota vem especificado, por exemplo, com o designativo Denver WX * 122.0 - que é operado em VHF a partir das estações norte-americanas de informação de voo (FSS). Lá, o operador é reconhecido como especialista e não só transmite informações meteorológicas, mas tem profundo conhecimento de performance. Isso é muito importante para um piloto da aviação geral, já que ele tem a possibilidade de conversar com alguém que não só informa a melhor rota a ser voada, mas também analisa diversos fatores que podem afetar a segurança de voo, como gasto extra de combustível motivado por desvios de formações pesadas e linhas de instabilidade. O operador do Flight Watch também pode sugerir um pouso extra para reabastecimento.

E o piloto pode anotar as condições em tempo real do aeroporto com uma simples ligação telefônica para acessar o serviço automático de observação de superfície (WX ASOS) ou o do sistema automático de observação meteorológica (WX AWOS), que traz informações referentes a NOTAMs e frequências dos órgãos de controle. Em Aspen, o número do telefone de acesso do WX ASOS é o 1 (970) 925-9168. Pode ser via Skype. Vale conferir!

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EAGLE NA MIRA DOS BRASILEIROS
O Aeroporto Eagle County Regional (OACI: KEGE), localizado a apenas 25 milhas náuticas de Aspen, é a principal alternativa para os aviadores que não conseguem aterrissar no Aeroporto Pitkin County por problemas de visibilidade. Mas já está se tornando outro destino favorito dos brasileiros. "Estamos ampliando nossas instalações para melhor atender turistas estrangeiros", anuncia Chris Anderson, gerente do terminal de passageiros de Eagle. Segundo o executivo, o edifício de imigração tem capacidade para atender apenas 20 passageiros, mas deverá dar lugar em um futuro próximo a um terminal muito maior, com capacidade para receber a demanda gerada por aeronaves de médio porte - o aeroporto já atende voos regulares das linhas aéreas de bandeira norte-americana.

Eagle County é a porta de entrada no Estado do Colorado para quem procura as estações de esqui de Vail e Beaver Creek. O aeroporto opera a pista 07/25, que oferece 2.743 metros de comprimento por 46 de largura e elevação de 6.548 pés. A diferença operacional em relação à Aspen é que o eixo de aproximação está um pouco mais livre de obstáculos, apesar de ainda exigir bastante atenção dos tripulantes na aproximação e arremetida. A MSA (Altitude Mínima de Segurança) no setor varia entre 14.600 e 15.300 pés em relação ao VOR Snow (109.2 SXW). Procedimentos de aproximação por instrumentos disponíveis somente para a cabeceira 25, R-NAV e LDA/DME. Neste último, a aproximação é executada por Localizador - offset, três graus defasado em relação ao eixo da pista. O Glide Slope também está disponível, mas a final de aproximação deve ser executada visualmente a partir de 4,3 milhas náuticas da cabeceira com pequena curva para a direita. A visibilidade mínima requerida para aproximação LDA - sigla para Localizer-typeDirectional Aid - com o Glide Slope é de três milhas náuticas com teto de 1.800 pés. Durante a noite, a visibilidade requerida sobe para cinco milhas náuticas e os aviões de médio porte ficam proibidos de circular para pouso na cabeceira 07.

Robert Zwerdling | Fotos Divulgação
Publicado em 22/03/2012, às 14h52 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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