AERO Magazine
Busca

Ensaio em Voo

Avião bonito voa bem

O TL Sirius 3000 confirma essa máxima, imortalizada pelo saudoso Fernando Almeida... Além da beleza e do excelente espaço interno, este LSA tcheco supera muito asa alta homologado em termos de performance


Com a queda do comunismo e o desmantelamento da antiga União Soviética, muitos países do Leste Europeu se abriram para o mundo. A disponibilidade de mão de obra altamente especializada oferecida a custos menores transformou a região em uma das maiores fornecedoras de ultraleves e planadores não só na Europa como no mundo todo. Um emblemático exemplo é o Sirius 3000, fabricado na República Tcheca pela TL Ultralight, na cidade de Hradec Kralove, e representado no Brasil pela Ultrafly, no Rio de Janeiro. Os primeiros contatos que tive com esta aeronave foram nos encontros de ultraleve em Itapema, em Santa Catarina, e no ENU (Encontro Nacional de Ultraleves), de Pirenópolis, em Goiás.

Meses depois, no aeródromo de Rio Claro, em uma movimentada tarde de domingo, com muitos planadores, voos de instrução nas aeronaves do aeroclube, ultraleves dos mais variados modelos decolando e pousando, avisto uma “ave” diferente. No início, imaginei que fosse um Cessna, pelo menos até que a aeronave se aproximasse, e me fizesse perceber que se tratava de um Sirius 3000 novinho – que, descobri mais tarde, ficaria baseado em Rio Claro. Coincidentemente, no mês seguinte, recebi de AERO Magazine um convite para realizar um “ensaio em voo” sobre esta aeronave. O termo ensaio me pareceu um tanto intimidador, visto que o seu sentido é muito amplo. Quando uma aeronave ou ultraleve é posta a venda no Brasil e em outros países, com certeza, já passou por um processo de certificação junto às autoridades aeronáuticas – na verdade, um processo longo e caro executado por uma equipe especializada e instrumentada para tal.

Ao topar o desafio não tinha me dado conta da responsabilidade que estava assumindo, considerando que em apenas uma ou duas decolagens é impossível avaliar uma aeronave em seu envelope completo de voo e em todas as situações nas diversas fases dessa missão. Seguindo esse raciocínio, achei que o mais apropriado seria dar impressões pessoais sobre o avião com base na minha vivência como piloto, e me atendo aos manuais e aos dados de performance fornecidos pelo fabricante (visando não cometer injustiças).

Aproveitando a boa vontade do Walker Figueroa, proprietário da aeronave, tentamos combinar alguns voos, incluindo aqueles destinados às fotos, que seriam feitas pelo meu amigo Maurício Lanza. Combinar foi fácil, por em prática é que foi difícil. Coordenar nossas escalas representou o maior desafio, já que cada um trabalha em cidades diferentes e a meteorologia não se mostrou muito propícia. Decidimos, então, dividir em dois ou três voos.

Manches tipo wheel

O Sirius 3000 possui linhas harmoniosas e belo acabamento

Ao chegar ao aeroporto para o primeiro voo, lembro-me de um ditado muito usado na aviação e repetido várias vezes pelo saudoso Fernando de Almeida: “Avião bonito voa bem”. E como este avião é bonito! Suas linhas são harmoniosas e o acabamento, primoroso. Sua porta, com abertura para cima é ampla, facilitando a entrada, podendo até ser aberta em voo, respeitando-se a velocidade máxima de 110 km/h (60 kt). A área interna é bem generosa, talvez um dos mais espaçosos entre os LSA de asa alta. Os instrumentos estão bem distribuídos em um painel suficientemente amplo, dando uma sensação de espaço e limpeza visual. Os interruptores (switches) localizados em um bem bolado painel acima do para-brisa (overhead panel) lembram bem os de um avião de grande porte. A hélice tripá da DUC, fabricada em material composto, é ajustável no solo e, segundo o Walker, tem a característica de se autoajustar em voo, evitando disparos.

Após a inspeção externa, entramos na aeronave e iniciamos os checks de partida. O manche tipo wheel (yoke) ou “volante” é o mesmo usado em aviões certificados, para alegria dos que não gostam do manche tipo stick. Os assentos com cintos de quatro pontos mostram-se confortáveis, assim como a posição de pilotagem, sobretudo pela generosidade do espaço interno. O acesso a todos os comandos e seletoras é muito bom de qualquer assento e o freio duplo para os dois postos de pilotagem (1P e 2P) o habilita para voos de instrução. O fechamento das portas é preciso, bem selado e feito com uma única alavanca.

A partida se dá de forma instantânea, com a hélice tripá Duc girando suave e sem vibrações. Os procedimentos de acionamento de motor são os mesmos para qualquer Rotax. Durante o táxi, executo algumas mudanças de direção e observo que o raio de curva é um pouco grande, o que exige antecipação do piloto em pistas estreitas. Gostei muito do sistema de atuação dos flaps: para cada posição desejada é necessário apenas um toque no interruptor de atuação, sendo desnecessário mantê-lo pressionado até atingir a posição. Caso o piloto queira comandar direto para full flaps (posição 3), basta dar três toques e o flap vai automaticamente para a posição comandada. Para recolher, bastam três toques no sentido inverso.

Vento forte de través

Checo o motor e executo as verificações para a decolagem. Flap na posição 1 e alinho na pista. Com uma aerodinâmica refinada, asa com mais de dez metros quadrados de área e um perfil de asa de planador (de alto rendimento), o que o avião quer mesmo é voar. O vento está forte, e de través. Uso o pé direito para manter o eixo da pista (reta de decolagem). Leve toque no manche para cabrar e o avião deixa o chão praticamente sozinho numa atitude com nariz bem alto reduzindo a visão à frente. Observo uma razão de subida média de 900 ft/min. Acima de 300 ft recolho os flaps e subo com 80 kt.


Em curvas coordenadas é possível sentir os efeitos da guinada adversa

Fica evidente que, com prática e técnica correta, é possível realizar decolagens curtas como anunciado no manual de performance. Durante a subida, percebo a atmosfera bastante turbulenta. Nivelo a 1.525 m (5.000 ft) e inicio as minhas comparações com o manual da aeronave. No voo de cruzeiro, percebo uma boa aceleração e chego a 212 km/h (115 kt), mas a turbulência é forte e desconfortável. Reduzo, então, a velocidade para menos de 200 km/h (108 kt) (velocidade de manobra - Va).

Executo algumas curvas coordenadas e observo um razoável efeito de guinada adversa (tendência de o nariz da aeronave “apontar” para o lado oposto ao da curva, devido à diferença de arrasto gerada pelo uso dos ailerons na rolagem) quando uso os ailerons em qualquer velocidade, exigindo o uso de pedal com baixa intensidade a todo instante para corrigi-lo. Executo, também, estóis de 1 g e percebo um comportamento suave e sem tendências a quedas de asa, desde que se mantendo a bolinha centrada. Perto da velocidade de estol, noto que o conjunto estabilizador horizontal/profundor perde um pouco sua autoridade, fazendo com que o nariz do avião baixe sozinho e evitando estóis agressivos, o que é muito bom. Como a atmosfera está bastante turbulenta, decido regressar para executar alguns pousos.

Entro no tráfego ainda com forte vento de través e turbulência. Decido realizar alguns pousos em várias configurações de flap. Apesar dos comandos sensíveis, vejo que, com treino adequado, é possível operá-lo seguramente, não requerendo grandes habilidades, mesmo nas condições reportadas. Embora com excelente visibilidade para baixo, a “sombra amiga”, característica das aeronaves de asa alta, prejudica a visibilidade no tráfego para pouso, principalmente quando se gira para perna base e final. Observo, ainda, que em todas as configurações de flap, comandando-se o compensador todo a cabrar, fica uma tendência a picar (nariz pesado), o que pode dificultar o pouso para um piloto sem experiência.

Segundo voo


Em outro dia, com vento mais suave, realizo o segundo voo mais tranquilamente. Sinto melhor o voo nesta missão. Atingimos plenamente os dados de performance anunciados pelo fabricante. Durante os pousos, também ficam evidenciados o excelente planeio e a possibilidade de se realizar, com prática e técnica correta, pousos bem curtos, o que me agrada bastante.

O voo para as fotos, depois de muitos cancelamentos, conta com a colaboração do meu amigo Darci, que nos cede seu Ikarus como aeronave paquera. Após um briefing bem detalhado, prevendo situações de emergência, nos preparamos para a decolagem. Sou o primeiro e, após a decolagem do Ikarus, executo a aproximação com o Sirius. A grande dificuldade em um voo destes, com um avião de asa alta, é perder o “líder” de vista. O campo de visão diminui bastante em função da posição do piloto em relação à asa. Seguindo o combinado, realizamos as fotos e o Sirius se comporta muito bem. Voo terminado, cara de alívio do Walker que estava comigo, checamos as fotos ainda embaixo da asa e conferimos que este avião não é só bonito no solo, mas também, e principalmente, no céu.

Olhando o Sirius 3000 vejo o quanto evoluímos em termos de aeronaves ultraleves e de tecnologias nelas embarcadas atualmente. Na verdade, não sei se poderíamos chamá-lo de ultraleve. Apesar de se enquadrar na categoria LSA (Light Sport Aircraft), sua performance supera, em muito, a de aeronaves ­homologadas antigas. Parece claro que não somente os Sirius, mas outros LSA, têm potencial para serem usados em instrução nas escolas de pilotagem. De qualquer forma, apesar de pouco tempo para “sentir” a máquina, concluo tratar-se de um excelente avião. Espaçoso, confortável, muito bonito e, por que não dizer, um “Cadillac” dos LSA de asa alta. Para os apaixonados pelos modelos com essa configuração de asa, principalmente os da linha Cessna, este, com certeza, é um modelo a ser considerado.

TL 3000 Sirius LSA

Representante no Brasil: Ultrafly
Preço total: 115.000 euros (entregue documentada com certificação LSA no Brasil)
Motorização + segurança: Rotax 912 ULS Hélice DUC tripá carbono
Paraquedas GRS 600
Comprimento: 6,97 m
Altura: 2,25 m
Envergadura: 9,4 m
Área alar: 11,26 m²
Velocidade de cruzeiro: 212km/h (115 kt)
Velocidade mínima: 60 km/h (32 kt)
Velocidade máxima horizontal: 222 km/h (120 kt)
Vne: 260 km/h (140 kt)
Razão de subida: 300 m (1000 ft/min)
Peso máximo de decolagem: 600 kg
Capacidade do tanque
de combustível: 130 litros
Alcance: 1.400 km

Por Lídio Bertolini / Fotos Maurício Lanza
Publicado em 29/01/2014, às 00h00 - Atualizado em 11/11/2014, às 11h34


Mais Ensaios