Chega ao Brasil o Extra 300 LP, um avião tão agressivo para campeonatos e shows aéreos quanto confortável e dócil para passeios de domingo com amigos
Que se caracteriza por ser raro, excepcional, notável. Que é digno de grande admiração, fabuloso, inacreditável. Fora do comum. Os significados do verbete extraordinário parecem saltar do dicionário quando se busca adjetivos para essa máquina acrobática avançada. De perto, o Extra 300 LP realmente impressiona.
No aeroporto dos Amarais, em Campinas, no interior de São Paulo, base do PR-ZDV, quem faz as honras da casa é o empresário Denis Schwarzenbeck. Guiado por sua empresa NASK Participações, ele já está em fase adiantada de negociações com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para representar a Extra Aircraft no Brasil. Os trâmites dependem apenas dos documentos de certificação do órgão regulador do país, além do próprio fabricante alemão, e devem estar concluídos no primeiro semestre de 2012. O projeto não se restringe a modelos "zero hora" e será fundamental para a compra de aeronaves usadas, na faixa de US$ 200 mil.
A chegada do fabricante alemão Extra coincide com um momento especial da aviação leve brasileira. Há diversas mudanças em curso e as novas diretrizes estabelecidas pela Anac, muitas delas baseadas em modelos que já funcionam bem em outros países, como os Estados Unidos, surpreendem positivamente. Soma-se a esse fenômeno o expressivo crescimento da acrobacia aérea do país, que se expande como não se via há muito tempo. O momento econômico favorável é um dos responsáveis por esse boom, já que está relativamente mais fácil comprar aeronaves no exterior. Nesse cenário, a agência e os "veteranos" da acrobacia perceberam a urgência em administrar tanto a entrada desses novos aviões no país como o crescente número de pilotos iniciantes na modalidade. Uma vitória a mais para o setor, que assistiu em outubro último ao nascimento do CBA (Comitê Brasileiro de Acrobacia e Competições Aéreas), criado com a missão de conduzir os rumos da acrobacia no país, juntamente com demais entidades e autoridades aeronáuticas.
O lendário Leo Loundenslager
Vários pilotos acrobáticos desenvolveram seu próprio avião. Pioneiros como Curtis Pitts e Kermit Weeks colocaram seus nomes na história da acrobacia aérea. O mais bem-sucedido nessa empreitada, porém, talvez seja o piloto alemão Walter Extra. Ele desenvolveu, no início da década de 1980, o Extra 230, um monoplano de asa média com 200 HP. Muitos acham que o 230 é uma simples cópia da aeronave Laser, mas não é. Escrutinando a literatura impressa e a internet, o máximo que pude constatar é que Walter teve um Laser Z200 no início da década de 1980, quando já buscava algo mais refinado para as competições na Europa. Não por acaso, fundou a Extra Aircraft em 1981 e voou o primeiro Extra 230 em 1983.
Durante a década de 1970, ao poucos, os biplanos cederam lugar aos monoplanos. É que os monoplanos levam vantagem em alguns itens consideráveis. Eles apresentam menor arrasto, asas com ailerons por toda a extensão, estruturas mais fortes e melhor "apresentação" para o julgamento em campeonatos. As mudanças começaram com o Stephens Akro e tiveram sequência com o Laser, aeronaves similares e altamente difundidas pelo lendário piloto norte-americano Leo Loundenslager. Elas foram a base para que Walter desenvolvesse seu próprio avião, e o resultado todos conhecem: modelos que ainda dominam céus do mundo inteiro, em campeonatos de acrobacia e shows aéreos. Mas apesar do sucesso inicial - e de ser considerada até hoje a mais perfeita e harmoniosa aeronave já fabricada pela Extra Aircraft -, o Extra 230 começou a perder terreno para aeronaves mais potentes. Walter passou, a partir de então, a estudar outro projeto com nova motorização, e também uma solução para as longarinas principais das asas do 230, que originalmente eram de madeira. O primeiro voo de um Extra 300 foi em 6 de maio de 1988. O modelo de asa média aos poucos deu espaço ao Extra 300 L de asa baixa (L de Low Wing), que se tornou o avião mais fabricado na história da Extra Aircraft.
O extra dispõe de ajustes tanto para os pedais como para o assento do piloto, que permitem configurar a aeronave para acrobacias ou para voos mais longos |
Arte com performance
Conheço as performances dos Extras de campeonatos e shows aéreos, mas essa é a primeira vez que analiso em detalhes o avião. Não restam dúvidas: trata-se de uma verdadeira obra de arte. Os detalhes de construção aguçam a curiosidade. Esteticamente o Extra 300 LP é um dos aviões acrobáticos mais bonitos já fabricados. Há uma harmonia impressionante em suas linhas, parado na frente do hangar ou durante uma de suas manobras em voo - com suas incríveis asas de ângulo de incidência zero e seu aerofólio simétrico. A pintura costuma seguir o todo com a mesma precisão. O PR-ZDV tem o desenho de leões em sua fuselagem e na asa, deixando a máquina com uma aparência ainda mais agressiva. A designação "LP" vem de Low Wing Performance e diz respeito a algumas modificações realizadas no tradicional Extra 300 L para redução de peso e consequente aumento de performance. Essas mudanças começam com a parede de fogo forjada totalmente em titânio e todas as carenagens construídas em fibra de carbono. A fuselagem do ZDV é feita de uma liga de aço cromo-molibdênio-vanádio, altamente resistente à fadiga e a esforços repetitivos, com excelente capacidade de solda. Liga-se a essa fuselagem um trem de pouso de fibra de vidro, e uma asa totalmente feita em fibra de carbono com tanques integrais capazes de armazenar um total de 189 litros de combustível, considerando o tanque de uso exclusivo para acrobacia, localizado entre a parede de fogo e os assentos.
Denis Schwarzenbeck calcula vender de duas a quatro unidades novas do Extra 300 por ano, modelo que se encaixará como aeronave homologada quando a certificação estiver concluída. Segundo o empresário, a oficina Hangar B, de Sorocaba, também no interior de São Paulo, especializada em aeronaves acrobáticas e clássicas, está na dianteira para ser a primeira a ser homologada para a manutenção dos aviões Extra. Denis explica que há categorias diferentes de proprietários de Extra ao redor do mundo. Uma em particular é a formada por empresários que buscam algo como um "carro esportivo" para pura diversão, e acabam apresentados à aviação. O que eles buscam a partir daí é uma aeronave homologada, confortável, veloz, extremamente segura e com performance acrobática. O resultado na grande maioria das vezes é o Extra 300. Esses "proprietários-pilotos" utilizam o avião para realizar passeios, ir a almoços de domingo em cidades vizinhas, voar com amigos e, de vez em quando, realizar manobras acrobáticas, limitadas a experiência de cada um. Questiono Denis se não seria um avião muito avançado e caro para esse tipo de uso, considerando que o projeto é originalmente voltado para acrobacias. Ele me responde com outra pergunta: "Você já voou um Extra 300?".
Domando o leão
Ao todo foram quatro voos para o ensaio, com a possibilidade de explorar o ZDV em diversos regimes e diferentes condições de peso e combustível. Confesso que é bem difícil descrever as sensações ao voar uma máquina como essa, mas tentarei. Sentado na cabine, no posto de pilotagem, observo uma asa de oito metros de envergadura, em uma cabine extremamente confortável, de um avião que pesa 676 kg. Todo esse conjunto está ligado a três imponentes pás da também alemã hélice MT, esta tracionada por um motor Lycoming AEIO-540 de meros 300 HP. O avião é muito simples e prático. Há ajustes tanto para os pedais como para o assento do piloto, que permitem configurar a aeronave para acrobacias ou para voos mais longos. Há também a opção de ajustes elétricos para os pedais, com switches no painel do piloto. Já em voo, ajusto o sistema de "catraca" do cinto de segurança acrobático até seu limite, já me preparando para explorar o Extra 300. Seguimos até a área pré-definida para realizarmos as fotos. Após incríveis cinco minutos de voo, entendo a pergunta que Denis me fez no início da nossa conversa (se já tinha voado o Extra 300), e agora sei por que vários pilotos escolhem esse avião. A sensação de voo é incrível! Como o próprio Denis diz, parece que você ganhou um par de asas e agora pode voar.
Em outra oportunidade, encontro para um novo voo o comandante Luiz Guilherme Richieri, campeão brasileiro de acrobacias e piloto com vasta experiência em aeronaves acrobáticas avançadas. Subimos para 4.000 pés acima da Fazenda Bonanza, próxima à cidade de Sorocaba, e o entretenimento está prestes a começar. Com 2.600 RPM e manete de potência todo à frente, rapidamente o velocímetro sobe para 165 nós. Passeamos entre algumas nuvens do tipo estrato-cúmulo e parece que nada pode atrapalhar a maneira como o "Extrão" voa. Há uma harmonia muito grande nos comandos de voo. Os ailerons são realmente muito rápidos e, no instante em que você move os comandos, eles o levam em um movimento de rotação impressionante, sem resistência. A impressão que dá é a de que não há asas, tamanha facilidade durante o giro. Imagino os enormes spades¹ conectados aos ailerons de forma tão balanceada, ajudando-nos durante os rolls².
Noto um aspecto importante durante as manobras. No momento em que você retorna com o comando para neutro, o avião simplesmente para. Não há necessidade de aplicar força para marcar as paradas, mas apenas retornar o manche para neutro. Vejo que é necessário um bom treinamento para realizar tunôs² de tempo, por exemplo, e por isso termino boa parte de minhas manobras iniciais com um distinto bubble - chacoalhar de asas. Aplico todo aileron para realizar tunôs, e o giro é tão rápido (cerca de 400 graus por segundo) que a sensação é a de que você será jogado para fora do avião, e a tendência natural é retornar um pouco o comando para próximo do neutro. Durante todo o voo, é prazeroso estar a bordo do ZDV. A posição do banco é levemente inclinada para trás. Para os padrões de um avião de acrobacia, a cabine é enorme, com muito espaço e todos os controles e swicthes ao alcance das mãos. A penetração vertical é outro ponto forte do Extra 300. O avião é muito "liso" e o próprio manual de operações diz que em uma linha vertical, iniciada com 200 nós, se ganha 2.500 pés.
Além de bonito, painel oferece funcionalidade para operar os controles. Cabine é bastante ampla para um acrobático |
Manobras verticais
Ganho velocidade para realizar algumas manobras verticais, como hammerheads3; e loopings4. Nas "cabradas" para levar o avião até a vertical, inicio a manobra aplicando pouca força no manche para entender a característica do avião, e percebo que é necessário um pouco mais de força no início, como que para tirar o avião da inércia, e depois o manche fica mais leve no decorrer do arco. Não estou dizendo que o profundor é pesado. Ao contrário, é necessário cuidado, porque é fácil ultrapassar os 6 ou 7 G's (ou mais) - o G equivale à força da constante de gravitação. Quer dizer, o gradiente de força em arfagem não é linear, ele diminui conforme o G aumenta. Essa característica é muito sutil e não atrapalha a sensibilidade durante as manobras, já que em pouco tempo é possível entender e se ajustar ao voo.
Ganhamos mais altura e realizo alguns parafusos5 chatos. Utilizo desde as técnicas mais convencionais possíveis, até as mais avançadas - sem tirar o motor e com comandos mais bruscos - para a recuperação. O avião responde com excelência. Como quero aproveitar ao máximo a oportunidade, seria imensa perda de tempo realizar apenas manobras normais. Por isso peço ao Richieri que demonstre algumas manobras mais radicais. A partir daí realizamos uma série de snaps6 na vertical descendo e subindo, rolling turns7, tumblings8 e tailslide9 e o Extra 300 mostra para que realmente foi projetado. No retorno para o pouso, o avião me surpreende mais uma vez. Apesar de toda a violência durante o voo, no bom sentido, descubro que de agressivo o "leão" não tem nada. A aproximação é parecida com a realizada pela maioria dos aviões acrobáticos, ou seja, apenas uma curva da perna do vento até a final, para enxergar a pista o tempo todo. Apesar de o assento do piloto estar na linha do bordo de fuga da asa, e a asa baixa atrapalhar um pouco a visibilidade, o visual é muito melhor do que o dos tradicionais Pitts e Eagles. O toque por convenção é nos três pontos, e mantendo entre 90 e 85 nós na final, não é necessário mais do que 600 metros de pista.
O Extra 300 LP é uma combinação perfeita entre performance e conforto, sem abrir mão da segurança. Talvez uma das aeronaves mais avançadas do mundo, mas sem exigir que o piloto seja um expert ou um campeão para operá-la. Diante de tudo isso, posso dizer que vivenciei uma das experiências mais alucinantes que já tive na aviação.
#Q#Extra 300 LP | |
Fabricante: EXTRA Flugzeugproduktions (Extra
Aircraft - Alemanha) Motor: Textron-Lycoming AEIO-540-L1B5 (USA) Capacidade total de combustível: 189 litros* * 122 litros nos dois tanques das asas e 67 litros no tanque de acrobacia. Potência: 300 HP VNE: 220 Kts - IAS Distância de decolagem (obstáculo de 50 pés): 248 metros Deflexão dos ailerons: +/- 30˚ Carga G máxima: +/- 10 |
No alto, a limpeza aerodinâmica do Extra 300 LP; spade e janela de manutenção sob a asa |
De volta ao pódio
Durante mais de uma década, os aviões Russos Sukhois e os Franceses CAP 231 e 232 venceram o campeonato mundial de acrobacias aéreas. Somente em 2009, o piloto francês Renauld Ecalle trouxe uma aeronave Extra de volta ao pódio. Ele se tornou campeão do mundo ao apresentar um dos maiores espetáculos já visto a bordo de uma aeronave acrobática, no caso um Extra 330 SC. Renauld foi um dos poucos pilotos que conseguiu conhecer e explorar todo o envelope de uma máquina tão magnífica.
GOSTEI
- Simplicidade na operação; razão de rolamento; conforto a bordo.
NÃO GOSTEI
- .
GLOSSÁRIO
1 - Spade: artifício parecido com uma pá de lixo utilizado na maioria das vezes junto ao aileron para diminuir a força exercida pelo piloto nos comandos de voo, e, em alguns casos, melhorar a característica do comando, aumentando a velocidade de rolamento. | ||
2 - Roll / Tunô / Tunneau: uma das manobras básicas da acrobacia aérea. Existem algumas variáveis como o tunô lento, tunô no eixo, tunô barril. A aeronave realiza um giro de 360 graus em torno do seu eixo longitudinal. | ||
3 - Hammerhead: conhecido também como Stall Turn (na Força Aérea Brasileira, é conhecida como "Velocidade Zero"). Composta por uma linha vertical ascendente até a aeronave praticamente parar, quando é aplicado o pedal, seguido de um pivô e uma linha vertical descendente. | ||
4 - Looping: outra das manobras básicas. Nela, a aeronave inicia uma subida acentuada, passando pela vertical, seguindo para a passagem pelo voo de dorso, e completando o círculo. Normalmente realizada com fator de carga entre 3,5 e 4,5 G's. | ||
5 - Parafuso: da família de manobras de autorrotação, podendo ser normal ou chato. São necessários os seguintes componentes: 1) ângulo crítico e 2) guinada. | ||
6 - Snap roll: também conhecido como flick roll ou tunô rápido, é uma variável do tunô. O piloto leva a aeronave ao ângulo crítico e aplica todo o pedal para o giro. Normalmente realizada em uma velocidade de 1,4 vezes da velocidade de estol. | ||
7 - Rolling turn: uma curva feita com a aeronave realizando uma série de tunôs. | ||
8 - Tumble: manobra avançada, de característica giroscópica, em que a aeronave gira em torno de seus 3 eixos. Necessária especial atenção ao grande esforço exercido sobre os eixos do motor e da hélice. | ||
9 - Tailslide: também conhecido como the bell. Linha vertical ascendente, em que a aeronave desliza para trás, seguida por um mergulho, antes de ganhar velocidade novamente. |
Hernani Dippólito | | Fotos Ricardo Beccari
Publicado em 08/12/2011, às 08h24 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
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