A engenharia aeronáutica trabalha com o fenômeno durante o desenvolvimento de aeronaves e pode aproveita-lo em determinados casos
Redação Publicado em 04/08/2020, às 19h10 - Atualizado às 22h21
Efeito gerado normalmente quando uma aeronave rompe a barreira do som (Mach 1)
Atenção: Esse texto é uma explicação simplificada de um fenômeno bastante complexo, não tendo a pretensão de realizar uma abordagem acadêmica
A violenta explosão que ocorreu hoje (4) em Beirute, capital do Líbano, chocou o mundo e causou dezenas de mortes e danos que se estendem por vários quilômetros do epicentro da detonação.
A chamada onda de choque é um fenômeno amplamente estudado na engenharia aeronáutica, especialmente em projetos de aeronaves supersônicas. Os novos projetos civis que preveem aviões ultra velozes, como o anunciado pela Virgin Galactic, tem como desafio evitar a formação do estrondo sônico, que em menor escala tem um efeito similar ao da explosão em Beirute.
A onda de choque se caracterizada por ser um distúrbio violento na propagação da pressão que se move com uma velocidade maior que a velocidade do som no ar.
De forma simplificada, quando um avião subsônico (mais lento que o som) se desloca no ar, ele causa uma perturbação no ar a sua volta, onde as moléculas agitadas pela aeronave movimentam as que estão na sua frente. Por essa perturbação ocorrer em uma velocidade mais alta que o deslocamento do avião, o ar a frente se desloca antecipadamente, preparando a passagem da aeronave, permitindo contornar o avião sem provocar nenhuma onda de choque. Já no avião supersônico, como seu deslocamento é mais rápido que o aviso gerado por sua perturbação, o ar é deslocado de forma abrupta, provocando uma grande variação de pressão e gerando uma onda de choque.
Esquema mostra deslocamento das ondas de acordo com a velocidade do avião | Imagem: WikiMedia Commons CC 2.5
Em geral quando um avião ultrapassa a barreira do som é possível ver a onda de choque formando ao seu redor: o famoso cone supersônico. Ainda assim, mesmo voando abaixo da velocidade do som um efeito similar pode ser notado, a diferença é que quando existe a quebra da barreira do som a pressão gerada se desloca violentamente, como pode ser visto nas imagens da explosão no Líbano.
Quando a onda de choque é perpendicular à direção do fluxo, que configura uma onda de choque normal, as equações são derivadas da conservação de massa, momento e energia. Porém, dependendo da forma do objeto e da velocidade, a onda de choque pode estar inclinada na direção do fluxo, gerando a chamada onda de choque oblíquo.
As equações usadas por engenheiros aeronáuticos combinam o número Mach (1.234,8 km/h) de fluxo livre e ângulo de deflexão onde ocorre um choque oblíquo. Caso a deflexão seja muito alta ou o Mach muito baixo, ocorrerá um choque normal.
Imagem gerada pela NASA mostra a perturbação gerada pelo avião em seu deslocamento pelo ar, note as ondas de choque ao redor da aeronave
Os choques oblíquos são gerados inicialmente pelo nariz e pelo bordo de ataque da asa (borda frontal) e cauda de uma aeronave supersônica. A medida que o fluxo gerado é trazido de volta às condições de fluxo livre são gerados novos choques oblíquos nas bordas da aeronave. Ele também ocorre no nariz do avião se a pressão expandida for diferente das condições de fluxo livre.
Ainda que sejam potencialmente problemáticos na aviação, causando problemas de ruído (quando em grandes altitudes) ou destruição de vidraças e até dados físicos em pessoas e animais quando em baixa altitude, os choques oblíquos podem ser usados para comprimir o ar que entra no motor de aeronaves supersônicas. Assim é possível elevar a pressão do ar é sem o uso de compressores no interior do motor. Esse é o princípio básico do motor do poderoso avião de espionagem SR-71 Blackbird, que superava a marca de Mach 3, ou seja, três vezes a velocidade do som ou aproximadamente 3.704 km/h.
Motores do SR-71 usavam compressão do ar gerada por seu próprio deslocamento
O número Mach, que define a velocidade do som, é a razão entre a velocidade do objeto e a velocidade das ondas sonoras em um meio (no caso o ar). A velocidade do som depende unicamente da temperatura, então uma aeronave subindo do nível do mar para um voo de cruzeiro em grandes altitudes, mesmo mantendo uma velocidade constante verá o número Mach aumentar. O motivo é que a velocidade do som diminiu com o ar mais frio. Ou seja, talvez seja possível quebrar a barreira do som antes de atingir 1.234,8 km/h.