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Os detalhes que levaram a Embraer a ser negociada com a Boeing

Casos de corrupção internacional e mudanças no mercado de aviação regional colocam empresa brasileira em situação delicada


A notícia de que a Embraer e a Boeing estão discutindo uma combinação de seus negócios impactou diretamente as ações de ambos os fabricantes e obrigou o governo brasileiro a dar uma resposta imediata ao assunto.

Momentos depois da confirmação das negociações, com um comunicado oficial, ações da Embraer fecharam em alta de 22,5%, na maior valorização desde junho de 1999. No lado contrário, as ações da Boeing fecharam em baixa de 1,2%.

A transação vem sendo especulada nos bastidores, especialmente após a compra do programa CSeries da Bombardier pela gigante europeia Airbus. O projeto, agora em mãos da Airbus, tem potencial para obter ao menos metade do mercado hoje dominado pela família Embraer E-Jet. Ainda que não seja um mercado com cifras tão elevadas quanto aquele disputado pelas famílias Airbus A320 e Boeing 737, é justamente o mais rentável da Embraer. O fabricante brasileiro possui praticamente o monopólio do mercado, que nunca foi cobiçado pelas gigantes Airbus e Boeing.

KC-390

Incidente recente com o KC-390 impactou nas ações da Embraer [leia mais]

A Embraer, outrora orgulho tecnológico e administrativo brasileiro, vive situação difícil depois de admitir pagamento de propina em contratos internacionais e não emplacar vendas no exterior de seu novo cargueiro militar, o KC-390. Se a Bombardier enfrentou diversos entraves com sua divisão comercial, a Embraer, apesar do bem-sucedido lançamento da família E-Jet E2, tenta se recuperar de um escândalo de corrupção. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que investiga a Embraer desde 2010, encontrou evidências de irregularidades em quatro transações ocorridas entre 2007 e 2010. Após investigação pelas autoridades norte-americanas e brasileiras, a Embraer reconheceu que pagou propinas de US$ 5,97 milhões para funcionários públicos da República Dominicana, da Arábia Saudita e de Moçambique em três contratos de venda de aeronaves. Além disso, segundo a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a empresa contratou representante comercial em uma competição para venda de aviões militares na Índia, o que é proibido pelas leis daquele país. A companhia ocultou a contratação mediante contrato ideologicamente falso, celebrado, na aparência, com pessoa jurídica interposta (diversa do representante comercial) e relativo, aparentemente, à venda de aeronaves comerciais.

Super Tucano

Super Tucano é um dos principais modelos militares da Embraer e referência internacional no segmento

Na Índia, as autoridades descobriram, por meio de falsos livros contábeis, o pagamento de US$ 5 milhões a um agente indiano.  Após a denúncia, a Embraer foi condenada a pagar aproximadamente US$ 206 milhões em multa às autoridades brasileiras e norte-americanas para encerrar as acusações. Além disso, a empresa se comprometeu a contratar um escritório externo de compliance (medidas anticorrupção), independente, para monitorar por até três anos o cumprimento dos acordos realizados. Uma vez cumpridas as disposições acordadas, no prazo determinado, nenhuma acusação contra a empresa será formalizada, afirmou na ocasião a Embraer, que acabou substituindo Frederico Fleury Curado por Paulo Cesar de Souza e Silva na presidência da companhia em 2016.

Em fevereiro deste ano, a Embraer ainda assinou um acordo de leniência com o Ministério Público Federal e as autoridades de Moçambique para a troca de informações e documentos sobre atos de corrupção na compra de aeronaves pela estatal Linhas Aéreas de Moçambique em 2007 e 2009.   Com as transações, a Embraer teria lucrado, de forma ilegal, segundo as autoridades norte-americanas, mais de US$ 83 milhões. A multa aplicada, que supera os R$ 600 milhões, representa mais que o dobro do lucro registrado pela Embraer em 2015. Embora o valor seja financiado, a punição representou um forte abalo na imagem da empresa no exterior, e reduziu as perspectivas de investimento.

A Embraer ainda enfrenta o desafio de conseguir implementar dois grandes programas, o E2 e o KC-390, que exigiram vultuosos investimentos ao longo dos últimos anos. Embora a divisão de aviação comercial tenha registrado uma série de negócios com a família E2, o KC-390 sofre com o fato de ter contabilizado apenas um contrato, para a FAB. Criado com perspectivas de se tornar um substituto natural ao veterano C-130 Hercules, da Lockheed Martin, o cargueiro militar brasileiro não conseguiu ainda formalizar acordo com nenhuma força aérea. As intenções mais próximas continuam sendo a força aérea portuguesa e argentina, mas ambos os países estão com orçamentos limitados.

CSeries muda o jogo

Uma série de mudanças no mercado levou os dois maiores fabricantes a atentarem para o segmento de aviação regional, composto por aeronaves com capacidade entre 70 e 130 assentos. O CSeries se mostrou, tecnicamente, uma aeronave capaz de completar o portfólio da família Airbus A320neo, os modelos que foram recém remotorizados e que disputam o mercado acima dos 130 assentos. Para a Boeing, o ingresso da Airbus no programa CSeries representa a abertura do mercado regional norte-americano, o maior do mundo, a sua maior rival. O governo Donald Trump aprovou uma sobretaxa de 220% na importação do CSeries para as empresas dos Estados Unidos, sob alegação que a Bombardier havia obtido subsídios para a conclusão do programa considerados ilegais [leia mais]. O grande trunfo da Airbus está em possuir uma unidade produtiva no estado norte-americano do Alabama, o que não apenas evitaria a sobretaxa, mas ainda permite obter uma série de benefícios fiscais e econômicos na produção local do CSeries [leia mais].

Para a Boeing adquirir um projeto regional não é uma novidade, a fabricante já teve participação na Canadair, ironicamente posteriormente vendida para a Bombardier, e mais recentemente apostou no Boeing 717, um avião derivado do MD-95 com capacidade média de 100 assentos e que foi cancelado em 2005, após pouco mais de 150 aeronaves produzidas.

Uma eventual participação na Embraer permitirá a Boeing adquirir um mercado já estabelecido, sem a necessidade de investimentos em uma nova aeronave. 

Edmundo Ubiratan
Publicado em 22/12/2017, às 11h00 - Atualizado às 19h13


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