Um dos principais fabricantes de aeronaves do mundo, o Brasil ainda busca competitividade em áreas de elevada complexidade tecnológica, como as de motores e softwares
O protótipo número 1 do maior e mais ambicioso programa aeronáutico brasileiro decolou pela primeira vez no último dia 3 de fevereiro. Criado originalmente para substituir o C-130 Hercules na FAB, o novo Embraer KC-390 tem condições de abocanhar um cobiçado mercado da aviação militar, dominado nos últimos 50 anos pela poderosa indústria aeronáutica norte-americana, na figura justamente da Lockheed Martin: o de transportes táticos.
As pretensões da Embraer refletem o vertiginoso crescimento da indústria aeronáutica nacional, que se transformou numa das mais pujantes do mundo e uma consistente ferramenta econômica para o Brasil. Não por acaso a empresa com sede em São José dos Campos, no interior de São Paulo, tornou-se uma das maiores exportadoras do país – atingindo vendas anuais acima de US$ 4 bilhões –, lidera o processo de transferência tecnológica do programa Gripen NG em parceria com a sueca Saab e a FAB e completará seu portfólio de jatos executivos neste ano com o início do processo de certificação do Legacy 450.
Com cifras mais módicas, o Brasil também desponta como centro de referência no mercado de asas rotativas com a atuação da Helibras, subsidiária da Airbus Helicopter, que tem contrato com o Ministério da Defesa para entregar 50 aeronaves, no âmbito do programa H-XBR, e absorver novos conhecimentos e tecnologias de produção no Brasil do EC725. Um dos resultados mais importantes dessa iniciativa é a criação do centro de engenharia da Helibras, responsável por missões como a integração de sistemas do helicóptero, além da própria linha de montagem em Itajubá, no interior de Minas Gerais.
Na outra ponta do mercado, o Brasil tem mostrado competência na construção de aviões leves, com mais de um exemplo de fabricantes com projetos de sucesso dentro e fora do país. Com a regulamentação da categoria ALE (Aeronave Leve Esportiva), também conhecida por LSA, e do projeto IBR 2020, que cria a oportunidade de empresas brasileiras seguirem o caminho da Embraer e obterem a certificação de tipo de um projeto próprio, algumas dessas companhias iniciarão o processo de concepção de uma aeronave homologada, o que deve representar um salto em termos tecnológicos para a indústria nacional.
A indústria brasileira evoluiu sobremaneira nas últimas duas décadas, mas há degraus tecnológicos a subir. “Continuamos sendo projetistas e montadores. A Embraer é altamente capacitada para conceber e fabricar aviões, só que o país revela-se ainda incapaz de atender aos requisitos de projeto”, avalia Olavo Gomes, consultor aeronáutico de projetos como o F-X2. “Na prática, projetamos e construímos o mainframe, ou seja, fuselagem e asas. Não que seja pouco, só que isso representa um fragmento do universo aeronáutico”.
O Super Petrel está entre os mais modernos anfíbios da categoria
O primeiro avião brasileiro voou em 1910, em Osasco
A fabricação de aeronaves no Brasil remonta aos primórdios da aviação. O primeiro avião projetado no Brasil voou pela primeira vez em 7 de janeiro de 1910, em Osasco, cidade vizinha à capital paulista. Criado pelo francês Dimitri Sensaud de Lavaud, o pequeno aeroplano batizado “S. Paulo” fez um pequeno voo de 6 segundos a uma altura não superior aos 4 m. Inspirado nos projetos de Blériot, o avião era impulsionado por um motor radial de seis cilindros fabricado pela Gnome et Rhòne, mas contava com modificações importantes, como o estabilizador fixo e as asas inteiramente móveis. Além disso, dispunha de comandos determinados por duas alavancas, que ficavam instaladas uma de cada lado do centro de direção. Por ironia do destino, um brasileiro fazia o mesmo na França naquele mesmo período, já que pouco mais de dois anos antes Santos-Dumont concebera sua obra-prima, o Demoiselle.
Por algumas décadas, o Brasil arriscou produzir localmente todo tipo de aeronave. Em 1922, o armador Henrique Laje importou projetos, gabaritos e ferramental da Inglaterra para produzir no país os primeiros aviões. Todavia, sem encomendas e incentivos, a empreitada não seguiu adiante. Mais tarde, o oficial do Exército Antônio Guedes Muniz conseguiu obter apoio para a produção de aeronaves por ele desenhadas, com destaque para o M-7, considerado o primeiro avião projetado e produzido no Brasil. O pequeno biplano voou em 1935 e se tornou aeronave padrão da escola de aviação militar. No mesmo ano, a Empresa Aeronáutica Ypiranga criou o EAY-201, que serviria de base para o consagrado Paulistinha, já nas mãos da Companhia Aeronáutica Paulista.
A criação da Seção de Aeronáutica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo representou o primeiro passo na consolidação da indústria aeronáutica brasileira ao criar condições para o nascimento da Embraer, por meio do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e do IPD (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento). Se durante a fase estatal, a Embraer desenvolveu grandes projetos, após 1994, já sob a administração privada, a companhia se consagrou como o terceiro maior fabricante de aviões comerciais do mundo, com cerca de 60% das entregas de jatos de 70 a 130 assentos, além de crescente participação na aviação executiva e militar.
O Brasil poderá absorver novas tecnologias no programa F-X2
Embora a família ERJ tenha ajudado a Embraer a conquistar o mundo e brigar pela terceira posição no mercado global de jatos regionais, foram os E-Jet que consolidaram essa posição ao quebrarem paradigmas. No final da década de 1990, os principais projetos de aviões regionais na faixa de 70 a 130 assentos, concebidos nas décadas de 1960 e 1970, acusavam a idade. A Boeing oferecia o 737-600 e finalizava o 717, com DNA dos DC-9. Havia, ainda, alguns Fokker 70 e 100, órfãos após a falência do fabricante holandês, enquanto a Airbus entregava os primeiros A319 e trabalhava no projeto do A318. Este último pesado demais e com capacidade excessiva para a maioria das rotas regionais. Já a Bombardier apostava em versões alongadas da família CRJ, com capacidade que variava entre 66 e 104 assentos.
O trunfo da Embraer foi apostar em algumas inovações, como a fuselagem double-bubble, uma forma derivada da sobreposição vertical de dois ovais, o que permitiu a instalação de assentos mais largos e de um corredor mais amplo se comparados aos da maioria dos aviões maiores, além de elevar a capacidade de bagagem e carga. A Embraer também optou por janelas quase 30% maiores do que as de outras aeronaves e apostou no CMC (Computador de Manutenção Central), uma interface capaz de coletar relatórios de falhas, armazenar mensagens de manutenção e intermediar demais informações, todas acessadas da cabine de comando ou através de portas de rede local na aeronave utilizando um notebook (para baixar e analisar os dados de forma rápida) - outra solução, o AHeAd-PRO, uma plataforma computacional baseada na web, permite às companhias aéreas monitorar continuamente o desempenho de um E-Jet durante o voo.
A adoção de comando de voo fly-by-wire representou mais uma evolução para a categoria. A tecnologia inclui ferramentas como proteção automática da carga estrutural, compensação de assimetria de tração do motor e alterações de configuração. O próximo passo da unidade de negócios voltada à aviação regular da Embraer é desenvolver a família E-Jet E2, que terá asas redesenhadas com aprimoramentos aerodinâmicos e novas pontas em substituição aos winglets.
As principais novidades dos novos modelos, porém, serão a motorização e a aviônica, cujas tecnologias estão longe de ser amplamente dominada por empresas brasileiras. Falta ao Brasil expertise em relação a itens considerados “críticos”, os chamados safety-critical systems, sobretudo pela carência de ambientes de engenharia aeronáutica que atendam às necessidades de pesquisa e desenvolvimento de tais soluções, dizem especialistas em inovação. “Americanos e europeus, em geral, projetam uma aeronave especificando cada detalhe, do rebite ao motor, fazendo tudo do zero. No caso brasileiro, a Embraer cria um avião baseado no que existe no mercado, como aviônica, motores e sistemas de voo”, diz Olavo Gomes. “Somos clientes de produtos de ‘prateleira’. Ainda que tal condição reduza significativamente os custos tanto do projeto quanto do produto final, o Brasil continua a depender de fornecedores externos, diante de sua incapacidade para produzir componentes estratégicos”.
Uma das iniciativas brasileiras mais promissoras em termos de propulsão está em curso. Recentemente, a Polaris inseriu o país no seleto grupo de fabricantes de motores a reação. Com um projeto inteiramente nacional, a empresa criou o TJ-1000, um motor a jato puro, construído para impulsionar mísseis ou veículos aéreos não tripulados. O objetivo inicial é trabalhar com um projeto que não exija certificação, o que reduz os custos e os riscos para se ingressar no mercado. Futuramente, a empresa planeja criar um motor destinado à aviação tripulada, desde que possa custear uma certificação internacional com cifras acima de US$ 80 milhões diante de uma complexa e cara campanha de testes. O motor é bastante simples, com compressor axial de quatro estágios, construído em uma peça única de alumínio (blisk) e turbina de um estágio. Com 1.000 lbf (4.45 kN) e apenas 70 kg, a TJ-1000 é uma das únicas no mundo nessa classe. O processo de desenvolvimento do motor levou dois anos e consumiu R$ 4,5 milhões, parte desse total oriundo da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O projeto foi criado visando atender à Avibras, em especial para concepção do míssil tático de cruzeiro AVMT-300.
Mesmo que a família Embraer Legacy 450/500 tenha introduzido na categoria de jatos executivos médios o full fly-by-wire, que aumenta a economia de peso, eleva o controle do piloto, melhora a performance da aeronave e oferece maior proteção ao envelope de voo, a evolução tecnológica do Brasil na área de sistemas ainda requer investimentos e inteligência estratégica, o que talvez aconteça com a transferência de tecnologias-chave do Programa F-X2, incluindo a capacidade de projetar e produzir sistemas complexos, como computador e software de missão – além de aerofólios supersônicos.
14 empresas receberam algum tipo de transferência tecnológica do EC725
Mais de 37 empresas brasileiras participam do projeto do EC725
Em julho de 2014, a Embraer assinou um memorando de entendimentos com a Saab para uma parceria na administração conjunta do Projeto F-X2 e deverá realizar grande parte do trabalho de produção e entrega de ambas as versões (Gripen E e Gripen F). O acordo prevê que a Embraer coordene diversas atividades de desenvolvimento e produção, como é o caso de sistemas críticos, integração, testes em voo, montagem final e entregas. A absorção de know-how, viabilizada por contratos de acordos offset (transferência de tecnologia), é uma tradição na indústria aeronáutica global, vinda desde os primórdios da aviação, ainda na era do “mais leve que o ar”. O Brasil se valeu desse recurso em diversas ocasiões, criando, assim, uma complexa rede de fornecedores locais que se capacitaram por meio de tecnologias e experiências absorvidas de contratos diversos.
O KC-390 surgiu como um derivado do Embraer 190, utilizando configuração com estabilizadores e asa alta, mas sofreu modificações. “Com as especificações colocadas pela FAB e de olho no mercado global, projetamos um avião multimissão, que cumprirá diversas outras operações além do transporte tático”, explica Jackson Schneider, presidente e CEO da Embraer Defesa & Segurança. Não por acaso a integração do software de missão representou uma das inovações mais importantes do projeto. A Embraer já trabalhou com sucesso nos softwares de missão tanto do AMX quanto do Super Tucano, além de modernizar os F-5 e os AMX. Porém, no programa KC-390 buscou ampliar sua participação no processo de integração da aviônica, concentrando esforços na criação de um sistema Off the Shelf. Os computadores de missão são fornecidos pela AEL Sistemas, de Porto Alegre (RS), enquanto a aviônica advém da Rockwell Collins.
A Embraer realiza a integração entre os computadores de missão e a aviônica por meio de um software de missão desenvolvido pela própria empresa. “Toda a integração dos comandos de voo e o software de fly-by-wire são da Embraer. A integração é nossa e o software de missão é nosso. Poucos fabricantes no mundo detêm essa capacidade”, assegura Paulo Gastão, diretor do programa KC-390 da Embraer Defesa e Segurança.
Para o consultor Olavo Gomes, o KC-390 representa um passo tecnológico adiante do que o Brasil já faz, considerando que a Embraer respondeu pela integração do software, algo fundamental para consolidar uma indústria aeronáutica. “Mas ainda é um caso pontual, temos de tornar isso uma realidade. Podemos aproveitar o Gripen para fomentar esse setor, permitindo que empresas brasileiras desenvolvam com tecnologia própria sistemas de controle de voo, air data computer, aviônicos etc. E devemos pensar tanto em hardware como em software, já que este último continua restringindo nossas capacidades”.
O processo de certificação do KC-390 enquadra os requisitos também de aeronave civil, o que pode significar uma versão comercial do modelo, mesmo que destinada a nichos específicos de mercado. “A rampa traseira permitirá ao KC-390 operar em locais inóspitos. Apesar de sua estrutura pesada, ele poderá operar em locais onde a maioria dos cargueiros civis não opera. Isso o torna atraente em certos nichos. Temos as nossas avaliações preliminares, até para entender alguns requisitos, mas não trabalhamos com a versão civil neste momento”, esclarece Gastão.
Em seu voo inaugural, o KC-390 realizou manobras para avaliação das características de voo e executou uma variedade de testes de sistemas. O voo transcorreu como havia sido previamente calculado pela engenharia. O uso massivo de simulação, com a criação de um avião virtual em escala 1:1, tornou-se um processo natural dentro da Embraer. Modelos de simulação recriam cada sistema, trabalhando de forma integrada, o que permite detectar problemas de integração antes mesmo da campanha inicial de voos. “O KC-390 se comportou de forma dócil e previsível”, avalia o comandante Mozart Louzada. “Os comandos de voo fly-by-wire e a nova aviônica facilitam a pilotagem e proporcionam um voo suave e preciso”.
A Akaer trabalhou no desenvolvimento do wing box do 747-8
Indústria brasileira trabalha no desenvolvimento de sua primeira turbina
No segmento de helicópteros, a Embraer até ensaiou uma parceria com a AgustaWestland em 2013, mas não confirmou o projeto, pelo menos por enquanto. Já o programa EC725 envolveu pela primeira vez o Ministério da Indústria e Comércio de forma central no processo de transferência de tecnologia e de transferência industrial. Até então, os offsets e transferências eram geridos pelas próprias Forças Armadas. O programa do EC725 contratou 37 empresas brasileiras responsáveis pela fabricação de componentes, sistemas e materiais empregados nas aeronaves. Além da Helibras, que encabeça o programa, 14 destas empresas receberam algum tipo de transferência tecnológica. Um dos destaques é a Inbra Aerospace, de Mauá (SP), contratada inicialmente para o fornecimento de capôs e carenagens do cone de cauda e estrutura intermediária em material composto para o EC725, recebendo uma tecnologia até então inexistente no país. No fim, a empresa acabou selecionada para o fornecimento da blindagem a ser utilizada na aeronave, algo que já fazia para o Super Tucano. “A transferência de tecnologia para a Inbra-Aerospace representa a mudança de patamar na capacidade tecnológica, proporcionando conhecimento para avançarmos da produção de peças simples para peças complexas que fazem parte da estrutura da aeronave, de nível 1”, diz Jairo Candido, presidente da Inbra Aerospace. A empresa também se tornou parceria da Saab e deverá produzir na unidade de São Bernardo do Campo parte da estrutura do Gripen NG. Com isso, a Inbra será uma das poucas do mundo com capacidade de produzir componentes em compósito para aeronaves supersônicas.
Especializada no desenvolvimento de aeroestruturas e gestão de projetos turn key para os setores de aviação civil e militar, a Akaer, de São José dos Campos, desde sua fundação, em 1992, tem participado de diversos programas aeroespaciais importantes mundo afora. Destaque para a verificação de projeto de cablagem e suportes do Airbus A380 e do desenvolvimento das estruturas que compõem a porta do trem de pouso principal e o inboard leading edge do A400M. Além disso, em parceria com a Aernnova, trabalhou no desenvolvimento do wing box para o Boeing 747-8. No Brasil, a Akaer participou de praticamente todos os programas da Embraer, e ainda do satélite sino-brasileiro de pesquisa da Terra.
A AEL realiza a integração de sistemas do hermes 450 utilizado pela fab
Mais um elo da cadeia da indústria aeronáutica brasileira, a AEL Sistemas se dedica ao projeto, desenvolvimento, fabricação, manutenção e suporte logístico de sistemas eletrônicos militares e espaciais. Atualmente, a empresa trabalha num display de tela única voltado a aeronaves civis e militares. O projeto prevê uma tela com área efetiva de 18.7 polegadas por 10.5 polegadas, no formato 16:9, com resolução de 1.920 por 1.080 pixels. O foco é aprimorar a consciência situacional e reduzir a carga de trabalho do piloto. O sistema integra diversos tipos de telas, incluindo HUD, com algoritmos avançados e fusão de dados, produzindo um cockpit multimissão personalizável.
A empresa ainda trabalha no projeto ORIA, uma avançada suíte de aviônica constituída por displays inteligentes interconectados, que poderá ser aplicada em aeronaves civis e militares. Além disso, participa do projeto de desenvolvimento de diversas aeronaves, como o KC-390, e já realizou a modernização de aviões como Bandeirante, F-5M, AF-1, A-1M, entre outros.
A AEL também é uma das poucas empresas especializadas na fabricação de aeronaves não tripuladas no Hemisfério Sul. Como subsidiária da Elbit Systems, a companhia forneceu para a FAB o Hermes 450, o primeiro modelo do tipo operado no Brasil. A aeronave possui alto desempenho multimissão, podendo operar em qualquer condição climática por até 15 horas, realizando diversos tipos de missão, como aquisição e designação de alvo, missões de inteligência e assim por diante.
Um setor em que a indústria brasileira também desponta é o da aviação leve, com boas perspectivas diante do advento da regulamentação das aeronaves leves e esportivas, ou LSA, e do projeto IBR 2020. Se no passado o país contava com pequenos revendedores de kits produzidos no exterior, atualmente existem diversos fabricantes capazes de prover inovações tecnológicas e conceituais.
Uma das empresas com grande potencial é a Inpaer (Indústria Paulista Aeronáutica), fundada em 2002, em Campinas, interior de São Paulo. Sua primeira aeronave desportiva, o Conquest 160 destacava-se em sua categoria por itens como design, conforto e desempenho. Em seguida, a empresa lançou o Conquest 180, que ganhou uma nova asa semitrapezoidal, afilando do meio para a ponta, o que lhe permitiu atingir 108 nós de cruzeiro. Em cinco anos, a empresa atingiu a marca de 85 aeronaves comercializadas, num mercado extremamente competitivo, o que levou aos lançamentos do Excel e do Explorer, este um avião com capacidade para quatro ocupantes, equipado com motor Lycoming Yio 390, de 210 hp, capaz de atingir 128 nós de cruzeiro, com alcance máximo de 1.370 km.
Tecnologicamente, a Inpaer se notabilizou pela concepção de uma célula de sobrevivência em aço inoxidável, presente em todas as suas aeronaves. Em 2012, a empresa passou por uma completa reformulação, incluindo a mudança para São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, e a entrada de novos sócios. “Desde 2013, investimos R$ 25 milhões para a formação de equipe, aprimoramento de processos, governança corporativa e finalização de aeronaves”, revela Milton Roberto Pereira, um dos sócios da Inpaer. “Nesse mesmo período, o quadro de colaboradores foi de 60 para 135 profissionais. Nossa meta é transformar a Inpaer numa empresa global pronta para conquistar o mercado externo”.
A construção de uma nova fábrica com mais de 5.000 m² e a aplicação de novas tecnologias de simulação computacional e organizacional, como o Solid Works e o 3DVIA Composer, representam os principais investimentos da empresa, que iniciou também um projeto envolvendo um grande número de ações normativas e investimentos para atender às normas ASTM e às exigências da Anac. A Inpaer acaba de lançar um novo avião de quatro lugares e pretende homologá-lo até 2020, além de já ter certificado o Conquest 180 como LSA.
Com a maior concentração de água doce do planeta, o Brasil também desponta como projetista de bem-sucedidos aviões anfíbios de pequeno porte. A Edra Aeronáutica, com sede em Ipeúna, no interior paulista, possui uma área de 100.000 m² e se destaca principalmente pelo biplano Super Petrel LS. Em 2013, a empresa entregou a unidade de número 300 do modelo ao mesmo tempo em que obteve sua certificação nos Estados Unidos. Atualmente, cerca de 60% da frota voa no Brasil e o restante opera em mais de 23 outros países, que vão dos EUA à Noruega, passando por República do Congo, Austrália e Finlândia. A certificação pela FAA (Federal Aviation Administration) incluiu uma complexa análise nos processos de engenharia, produção, rastreabilidade de componentes e sistema pós-venda. Uma das virtudes do projeto do Super Petrel LS é sua configuração biplano, tipo sesquiplano staggerwing, que proporciona características de voo ideais para a categoria LSA, como estol suave, boa estabilidade mesmo em atmosferas turbulentas, decolagem sem necessidade de flaps e boas características de pouso. Outro destaque do projeto é a pequena área lateral da seção traseira da fuselagem, que reduz o efeito de ventos laterais, especialmente no pouso. Durante a certificação, a Edra submeteu o projeto a ensaios estruturais e de voo, dentro das regras ASTM, realizando parafusos, estóis, flutters e demais manobras.
A Seamax também aposta no sucesso de seu anfíbio no mercado norte-americano. O modelo, que leva o nome da empresa, conta com o emprego maciço de materiais compostos, como fibra de carbono e Kevlar (fibra aramida), que proporcionam maior resistência e leveza e melhor aerodinâmica. O perfil da asa foi concebido para a operação anfíbia de alto desempenho, utilizando novas ferramentas de design e projeto. A concepção do design exterior do Seamax foi um dos maiores desafios do projeto, pois visava aliar harmonia estética e eficiências hidro e aerodinâmicas.
O modelo ficou famoso no Brasil após substituir o Talha-mar no projeto “Brasil das Águas”, realizado pelo casal de aviadores Gérard e Margi Moss, em 2003. Em 2012, a Seamax recebeu em Sun ‘n Fun o prêmio “Outstanding Best Commercial S-LSA”, competindo com outras 30 aeronaves produzidas ao redor do mundo. A robustez do trem de pouso retrátil para operações terrestres chamou bastante a atenção para o avião brasileiro. Entre as inovações recentes há a versão FW, que possui asas dobráveis que facilitam o transporte e a hangaragem.
O Brasil é pioneiro no emprego de etanol como combustível aeronáutico
Precursora de motores aeronáuticos movidos a álcool, a Aeroálcool Tecnologia se tornou a primeira empresa no mundo a viabilizar o emprego do etanol como combustível para aeronaves como o Piper Pawnee PA-25 e o Ipanema EMB-202-A. A empresa também desenvolveu diversos projetos aeronáuticos, como aeronaves não tripuladas, instalação de sistemas FLIR, reparos em compósitos, além de fornecer componentes para satélites.
Atualmente, seu principal projeto é o Quasar, um pequeno monomotor voltado para aviação leve que se beneficia de uma série de novas tecnologias. Moldada em fibra de carbono, a fuselagem é constituída por uma estrutura tipo sanduíche produzida com fibra de carbono, espuma de PVC rígida e resina epóxi. Embora o processo de laminação seja manual, existe um controle de excesso de resina mediante a aplicação de vácuo controlado e tratamento térmico em estufa, o que permite maior leveza à estrutura. Além de contar com maior rigidez, garante mais proteção aos ocupantes numa célula de sobrevivência avançada. Na seção dianteira da fuselagem existe a provisão para a instalação de paraquedas balístico, resistente a desacelerações de até 7 g, com peso máximo de decolagem. A expectativa da empresa é a de que seu modelo LSA possa ser usado como treinador no Brasil, assim como já acontece nos Estados Unidos.
O país também avança no uso de materiais compostos. Uma das primeiras empresas brasileiras a adotar a técnica “prepreg” (do inglês, pre-impregnated), a Volato Aviões e Compósitos concebeu a aeronave Volato 400 e deve lançar em breve o modelo Volato 200, ambos produzidos em fibra pré-impregnada, que usa apenas a resina necessária para unir o material com outros componentes em seu processo de fabricação, reduzindo o peso da estrutura sem perda de resistência. Para isso, a empresa, que acaba de se mudar para o aeroporto de Lençóis Paulista, no interior de São Paulo, dispõe de áreas refrigeradas para armazenamento do material, e forno ou autoclave no processo de catalisação, além de técnicas de utilização de vácuo durante o processo de laminação.
A categoria LSA promete fomentar a indústria brasileira de aviões leves
O Brasil teve na aviação geral e de treinamento a base de sua indústria aeronáutica, mas deixou de atender a grande parte desse mercado na década de 1980. A Novaer, criada pelo engenheiro aeronáutico Luiz Paulo Junqueira, em 1998, concentrou esforços para atender à aviação geral homologada. O primeiro projeto do fabricante nacional foi designado genericamente T-Xc, em referência aos projetos oficiais da FAB, nesse caso, aeronaves de treinamento. O programa, porém, prevê não apenas o desenvolvimento de um treinador militar, mas também de uma versão utilitária, chamada de U-Xc.
A versão militar é uma aeronave acrobática de dois lugares, voltada para atender aos requisitos do treinamento básico da Força Aérea, podendo ser o futuro substituto do T-25 Universal. Já o utilitário civil é um avião não acrobático, de quatro lugares, que tem como foco o mercado da aviação geral leve, atendendo desde pilotos-proprietários até pequenas empresas de transporte e escolas de aviação. A Novaer se destaca por contar com um time de engenheiros com vasta experiência e pelo uso de tecnologias avançadas, em especial de compósitos. O Brasil hoje é um dos líderes globais em projetos próprios utilizando materiais avançados de construção.
As asas do T-Xc, no entanto, são metálicas, utilizando monolongarina de construção tipo fail safe. O revestimento é em alumínio estabilizado por nervuras cortadas a laser e posteriormente estampadas e rebitadas ao conjunto. A fixação da asa na fuselagem é feita por meio de um suporte em liga de titânio.
O país avança na aplicação de materiais compostos para fabricar aviões
Especializada na comercialização e fabricação de aeronaves leves, na forma de kit ou prontas para voo, a Aerobravo Indústria Aeronáutica, de Belo Horizonte, capital mineira, ampliou recentemente seu hangar, que conta com mais de 1.000 m², localizado no Aeroporto Carlos Prates. O fabricante tem investido na gestão de qualidade e de processos. Investiu no uso de equipamentos CNC Router, para cortes das chapas de alumínio aeronáutico, o que permite padronizar o desenho e o corte de todas as peças. A empresa ainda utiliza uma prensa dobradeira WC67Y, que garante a resistência ideal de longarinas e outras peças estruturais. Em 2014, a empresa investiu na modernização de seus produtos, especialmente no Amazon. Após dois anos de pesquisa, a Aerobravo colocou na linha de produção o novo sistema de manche do modelo. O antigo sistema composto por dois manches tipo bastão foi substituído por um sistema de manche Yoke. “A mudança do sistema de comando facilitou a entrada do piloto na aeronave, além de evitar interferências das pernas do piloto e copiloto”, conta Hugo Silveira, diretor de Marketing da Aerobravo. O Amazon também ganhou mais espaço no bagageiro e para as pernas. Além disso, com o aumento da área de aileron, a aeronave ganhou na eficiência de seus comandos.
Os exemplos não param por aí. Mais empresas de Norte a Sul do país projetam e fabricam aviões, como é o caso da baiana Paradise com seu novo LSA P1NG – a empresa já vendeu mais de 300 aeronaves desde 2001 – e a Starfox com seu lançamento Fox V8, para citar duas.
Parece não haver dúvida de que o Brasil precisa fomentar sua indústria para se firmar como um player definitivo no mercado aeroespacial. O país já demonstra capacidade para investir em uma indústria própria de motores aeronáuticos, que inclui modelos tanto a pistão quanto a reação. Também dispõe de material humano para ingressar na indústria de sistemas, especialmente aviônicos.
Por Edmundo Ubiratan e Giuliano Agmont
Publicado em 22/02/2015, às 00h00
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