Saber contratar corretamente o seguro de uma aeronave pode evitar problemas futuros
Antes de falarmos sobre seguro de aeronaves vale descatar um movimento no mercado bastante recente: a crise sanitária que começou em 2020, por tanto, há mais de três anos.
A recuperação da aviação civil no pós-crise sanitária ainda está ocorrendo em grande parte do mundo, muitas observações são feitas sobre o que poderia ter sido feito de maneira diferente em diversas área.
A aviação privada não é exceção. Porém, já assistimos várias tendências surgirem – algumas surpreendentes. Uma das mais interessantes é que o “percentual da frota à venda” é relativamente estável, em torno de 10,5% (acima de 9,8% no pré-covid).
Isso é dramaticamente diferente do que houve em 2008, quando centenas de aeronaves foram colocadas à venda ao mesmo tempo – inundando o mercado e diminuindo os valores em quase 50% em muitos casos.
Quando há turbulência no mercado, existem vários pós-choques e o valor da sua aeronave é um indicador-chave de como as coisas estão. Outros indicadores são “dias no mercado” e “taxa de absorção” – e todos esses exemplos mostram como está o mercado de transações.
Apesar de o “percentual da frota à venda” ser relativamente estável, vimos vários mercados de aeronaves começarem a manifestar um declínio nos valores de até 10%. No futuro, precisaremos de mais dados reais das transações para realmente discernir quanto e com que rapidez os valores caíram, ainda que o consenso geral seja de que alguma depreciação está ocorrendo nos valores, mas não tão ruim quanto as de 2008.
Mas o que isso tem a ver com o seguro de aeronaves? Bem, na verdade, muito.
Diferentemente das apólices de automóveis, que são baseadas no valor real do bem e o valor pago em uma indenização é ajustado conforme a depreciação do veículo, as apólices de seguro de aeronaves são pagas com base no valor acordado.
O único ajuste seria para a franquia, que é mínima. No entanto, considerando o uso do valor acordado como base para uma indenização, há o risco de a aeronave estar segurada com um preço além ou aquém do que realmente vale. Aí reside o risco de um mercado em situação de mudança como o que ocorreu recentemente.
O maior perigo de se manter um seguro sobrevalorizado de aeronave é se o bem sofrer sérios danos, mas não for completamente destruído. Suponha que seu avião tenha sido segurado há três anos por um valor acordado de 20 milhões de dólares, mas hoje a aeronave vale apenas 15 milhões de dólares, porque o mercado mudou. Imagine que está com seguro sobrevalorizado e sofre um incidente sério.
Pode ser um problema do hangar, uma excursão na pista, um incêndio na aeronave ou uma colisão no solo. Você e o segurador vão precisar decidir se reparam ou não a aeronave.
Suponhamos também que custará 10 milhões de dólares para reparar sua aeronave - portanto, o valor de recuperação será de 5 milhões de dólares. Embora as políticas variem um pouco, a fórmula padrão usada pelos seguros para declarar uma perda total é a seguinte: Custo para reparar + Valor residual igual ou superior ao valor segurado.
Nesse caso, o valor acordado ainda é 20 milhões de dólares, e não 15 milhões, que é o valor atual da sua aeronave. Portanto, o segurador provavelmente decidirá reparar sua aeronave em vez de declarar uma perda total.
Eles preferem pagar 10 milhões de dólares para consertar do que declarar uma perda total e pagar o valor acordado de 20 milhões de dólares, se esse valor for de "apenas" 15 milhões.
No entanto, se o reparo custar 12 milhões de dólares, o seguro provavelmente declarará perda total da aeronave. “Qualquer reparo acima de 75% do valor da aeronave é considerado próximo a uma perda total”, explica Alexandre Marroquim, da Good Winds Corretora.
Mesmo assim, o máximo que você receberia seria 15 milhões de dólares e não a cobertura de 20 milhões de dólares que você pensava ter (e estava pagando).
Por outro lado, se durante um período de valores em declínio você reajustou seu valor acordado para 15 milhões de dólares, trabalhando de modo proativo com seu corretor de seguros, então, nessa situação, o seguro pagaria a você 15 milhões de dólares completos para que você pudesse comprar outra aeronave.
Se, em vez disso, sua aeronave tiver de ser reparada, você enfrentará muitos meses de inatividade e ficará sem transporte durante esse período. Durante o reparo, outros danos não documentados ou corrosões não relacionadas podem ser descobertos e você será responsável por eles. No final, terá uma aeronave com histórico de danos maior – tornando mais difícil encontrar um comprador no futuro sem oferecer um ótimo preços, fazendo concessões.
A moral da história? Mantenha o valor da sua aeronave atualizado regularmente para garantir que você não esteja com seguro sobrevalorizado, o que significa risco. Recomendo uma avaliação certificada a cada 24 meses ou, ainda mais frequentemente, durante períodos de valores em declínio rápido. Conhecimento é poder.
Por outro lado, você certamente não quer ter um seguro insuficiente. Isso pode ocorrer em ocasiões muito raras de valorização do mercado (como aconteceu recentemente no mercado do G450).
Isso também pode ocorrer após grandes atualizações ou instalações, fazendo com que a aeronave valha mais do que o valor acordado. No caso de uma perda total, você quer ter a certeza de que está seguro adequadamente ou não recuperará 100% do valor acordado da sua aeronave se ela sofrer um incidente ou acidente grave.
Em alguns casos, os proprietários de aeronaves subavaliam propositalmente suas aeronaves para economizar no prêmio anual, mas isso levará o segurador a ratificar igualmente quaisquer indenizações, o que claramente não vale a pena economizar.
Como proprietário de uma aeronave, você precisa estar constantemente ciente do valor justo de mercado versus o valor acordado de sua aeronave. Isso determinará se o seu avião será reparado ou se prevalecerá a condição de perda total, no caso de danos sérios à sua aeronave. Você deve se certificar de que seu valor acordado esteja sempre muito próximo do valor justo de mercado de sua aeronave. Caso contrário, mais provavelmente do que não, você acabará sendo segurado com base em sobrevalorização. Esse é um cenário muito comum no Brasil, infelizmente.
Nos Estados Unidos e na Europa, existem centenas de avaliadores de aeronaves certificados disponíveis para realizar uma avaliação independente e verificável de sua aeronave, que pode ser usada como base para negociações com um comprador, um vendedor, um banco ou uma companhia de seguros. O avaliador visitará a aeronave, inspecionará todos os registros, analisará o mercado e emitirá um relatório detalhando as conclusões da avaliação e justificando tudo com os dados.
No Brasil, uma maneira mais simples é calcular o valor da aeronave com base no Bluebook da aeronave e adicionar uma porcentagem para os impostos de importação. De qualquer forma, uma base objetiva deve ser usada para estabelecer o valor de mercado de uma aeronave, que determinará o valor acordado para fins de seguro. No Brasil, é direto do Aircraft Bluebook.
O seguro sobrevalorizado de sua aeronave obviamente fará com que você pague mais pelo seguro do que deveria estar pagando. Mas essa é a menor das consequências se você acabar tendo uma sinistralidade séria.
O perigo real é esperar meses para que sua aeronave seja reparada e, em seguida, ficar preso em um avião com histórico de danos graves. Essa é uma situação de perda dupla para você, com um resultado melhor para o segurador.
Ao reservar um tempo para determinar o valor atual da sua aeronave, seja usando um avaliador ou apenas o Bluebook, você pode trabalhar com seu corretor de seguros para ter o valor correto.
Verifique se você é capaz de resolver uma reclamação rapidamente com o segurador, caso tenha um incidente ou acidente grave. O seguro é uma das poucas coisas na vida que pagamos com prazer esperando nunca precisar usá-lo. Com algum planejamento e conscientização, a política de sua aeronave pode ser posicionada para protegê-lo o máximo possível - se você precisar.
Por David Clark
Publicado em 25/09/2023, às 17h30
+lidas
