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Guia Completo para Aeronavegantes

Como se preparar para uma viagem inesquecível no comando de sua aeronave

Um guia completo para ajudar no planejamento de uma viagem no comando da própria aeronave, seja ela certificada ou experimental


Piper
Piper

Com o aumento do fluxo aéreo na temporada de férias, a preparação para viagens de avião exige mais do que apenas entusiasmo. Assim como em longas jornadas de carro ou moto, planejar os detalhes da viagem, como documentação, rotas e condições climáticas, é essencial para evitar imprevistos.

Pensando nisso, reunimos dicas indispensáveis para aeronavegantes que desejam transformar suas aventuras aéreas em experiências inesquecíveis.

Documentação

Seja seu avião monomotor ou bimotor, certificado ou experimental, uma coisa é comum a todos, a documentação tem de estar atualizada e disponível. Especial atenção para o Certificado de Matrícula (CM) e o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) para aeronaves certificadas e o Certificado de Autorização de Voo Experimental (CAVE) e o Certificado de Marca Experimental (CME) para os experimentais. Estes documentos, assim como o seguro, serão requeridos tanto para voos domésticos como para voos internacionais. 

  • Seguro: Se o seu propósito é cruzar a fronteira do Brasil, certifique-se de que haja em sua apólice a cobertura para o país onde vai voar. Se não houver, procure o seu corretor e contrate uma cobertura específica para os países onde voará, isso lhe dará tranquilidade e vai evitar problemas com a autoridade de aviação civil de onde estiver, pois é comum que se exija este documento.  
TBM 960
O planejamento é a fase mais importante da viagem, começando com a documentação, verificação das cartas aeronáuticas, e terminando com o pouso no destino

A relação de documentos obrigatórios pode ser encontrada nos Regulamentos Brasileiros de Aviação Civil nº 91 (RBAC 91) para voos no Brasil e nos manuais da Jeppesen para voos internacionais, podendo variar para cada país. Os documentos podem ser apresentados na versão digital e salvos no “tablet” em arquivo próprio. Quem desejar mais informações poderá obtê-las na Instrução Suplementar (IS) 00-009D, obtida no site da Anac

Tenha também as cartas aeronáuticas, seja para voo visual (VFR) ou por instrumentos (IFR). Hoje, existem vários aplicativos que facilitam bastante nossa vida, os mais utilizados são o “FPL BR -EFB”, do Decea, e o “ForeFlight”, da Jeppesen (disponíveis para Android e iOS), lembrando que este último é feito por assinatura.  

Se o seu voo for internacional, verifique no banco de dados do seu aplicativo se existem cartas disponíveis para o país para o qual voará. O mesmo deve ser feito em relação ao seu equipamento de navegação (GPS): certifique-se de que ele  “reconhece” o destino.

Se necessário, você poderá adquirir um pacote “trip kit”, contendo a coletânea de cartas e informações aeronáuticas do seu país de destino, ou para o GPS. Essa opção costuma ficar mais barata do que a aquisição de uma assinatura completa.

Planejamento

Beechcraft King Air

A meteorologia é sempre um dos primeiros itens de qualquer planejamento, sobretudo nos meses de verão, quando as chuvas costumam vir com força. Reforce o abastecimento com o combustível extra para os inevitáveis desvios de mau tempo e esperas, principalmente em terminais de alta demanda, como São Paulo e Rio de Janeiro.  

  • Muito importante: não se esqueça de atualizar as condições de tempo dos aeroportos de destino e de alternativa durante o voo, especialmente antes de iniciar a descida. Isso garantirá mais eficiência no uso do combustível e ajudará no cálculo do tempo máximo de espera, que poderá ser feito antes de seguir para a alternativa. 

Por falar em combustível, os preços da gasolina de aviação (AvGas) e do querosene de aviação (QAv) variam muito conforme o aeroporto e o fornecedor, ou seja, faça um contato antes do voo e tente negociar o preço do litro diretamente com a empresa fornecedora. Não é raro conseguir descontos, principalmente quando houver mais de um fornecedor no mesmo aeroporto. Os preços para voo internacional são mais baixos devido à redução tributária. 

Em relação aos aeroportos, certifique-se dos horários de operação e da disponibilidade de pátio para permanência e pernoite. Se planeja voar para as regiões Sul e Sudeste, a quantidade de aeroportos disponíveis é maior, mas, se pretende voar para a região Norte, por exemplo, o número de pistas regularizadas é menor e as distâncias entre elas são grandes.  

Na prática, mesmo havendo fontes oficiais de informação (Rotaer, AIP-Brasil e Notam), recomenda-se um contato prévio com os operadores aeroportuários antes do voo para se ter certeza de que estará tudo ok, isto é, se o aeroporto estará operando no horário do seu voo e as instalações (pátio, balizamento e etc.) estarão disponíveis! 

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A contratação de um FBO ou prestador de serviços de despacho pode facilitar a viagem e ainda garantir o cumprimento de todos os processos burocráticos

Se o seu planejamento for incluir passagem por aeroportos de muito tráfego (Congonhas, por exemplo), a melhor opção é contratar uma empresa prestadora de serviços de atendimento, mais conhecida como FBO (Fixed Based Operator). Além de garantir a permanência da sua aeronave no pátio ou hangar, ainda podem auxiliá-lo no cumprimento das restrições operacionais deste aeroporto específico, e orientá-lo na alocação de um slot de pouso/decolagem, se necessário. Estas empresas disponibilizam suas estruturas (GPU, salas VIP, catering) para atenderem a tripulantes e passageiros durante a viagem. 

A propósito, a contratação de um FBO ou de um prestador de serviços de despacho e acompanhamento em voo internacional é ainda mais importante, porque, além dos serviços já citados, ele vai lhe ajudar muito a resolver questões burocráticas, desde a autorização para ingresso e permanência no espaço aéreo estrangeiro, até o preenchimento de documentos indispensáveis, como as “General Declaration” (Gendec), que variam para cada país visitado. Acredite, vale a pena, porque, dependendo do país, os documentos exigidos são muitos e cheios de detalhes. 

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Independente do tipo de aeronave, o plano de voo é uma das etapas mais importantes e existem ferramentas e sites que ajudam a preencher de forma correta a documentação

Mais uma dica, cuidado com o plano de voo. Embora exista hoje uma facilidade grande com o advento dos aplicativos, o “FPL BR” do DECEA é o utilizado entre nós, no Brasil, existem regras específicas para sua apresentação nos aeroportos ditos “coordenados”, que operam somente mediante alocação prévia de slot, como o de Congonhas. O mesmo ocorre no exterior, principalmente na Europa. Existem alguns sites internacionais que podem ajudá-lo, a exemplo do Skyvector.

Dúvidas comuns

Preparamos para finalizar, algumas perguntas e respostas sobre questões corriqueiras no universo de quem voa. Com isso, esperamos ter contribuído para que sua viagem seja um prazer e lhe proporcione as melhores recordações. Fly safe! 

  • A minha aeronave é experimental. Se tratando de experimental, o maior cuidado é o de evitar o ingresso no espaço aéreo proibido para este tipo de aeronave, mesmo voando sob regras de voo visual (VFR). Fique atento às restrições impostas pela legislação, ou seja, a Instrução Suplementar (IS) Nº 91.319-001 da Anac. Já tivemos a oportunidade de falar deste assunto aqui (AERO 342), mas vale a pena relembrar.
    Existem três tipos de aeródromos: livres, restritos e proibidos.

    Aeródromos restritos: aqueles situados ao longo da trajetória de até 1,5 milhas náuticas (aproximadamente 2,8 quilômetros) sobre área densamente povoada, a aeronave deverá portar o documento de autorização (Formulário F-319).
    – Aeródromos livres: para estes não há necessidade de autorização
    – Aerdódromos proibidos: claro, a operação não está autorizada. Vale lembrar que os aeródromos restritos, assim como os livres e os proibidos, não são listados. Compete ao operador identificar em qual classificação se encontra aquele onde pretende operar, utilizando para tanto a referida Instrução Suplementar. 

  • Quando o kit de sobrevivência será necessário? Qual cuidado devo tomar? 
    O kit de sobrevivência deve ser adequado à região sobrevoada e à capacidade da aeronave, já que existem kits para voos sobre água, selva, deserto e gelo. Por exemplo, caso o seu voo seja para Fernando de Noronha, obviamente, precisará de um kit de sobrevivência na água, talvez de selva. Em regra, estes equipamentos devem ser acomodados na cabine, jamais  transporte-os no bagageiro se este não for totalmente acessível a partir da cabine, pois, em caso de necessidade, estarão inacessíveis!

    Atenção, em se tratando de kit de sobrevivência na água, lembre-se, eles contêm botes infláveis e, se o seu avião for pressurizado, não o deixe em compartimento não pressurizado – há casos em que os botes se inflaram acidentalmente em pleno voo devido à diferença de pressão, um perigo! Caso queira, alugue um kit adequado ao seu voo, mas não se esqueça de inspecioná-lo no recebimento: ele deverá estar lacrado e dentro do prazo de validade.

  • O meu voo será sobre as Cordilheiras dos Andes, quais cuidados devo tomar? Trata-se de uma das mais belas paisagens que existem, mas dois cuidados são fundamentais: os obstáculos (muito elevados) e a turbulência sobre eles. Em alguns trechos, a altitude de segurança se aproxima dos 25 mil pés (FL 250), muito alto se a sua aeronave não for pressurizada. Mesmo se ela for, fique atento à capacidade do seu cilindro de oxigênio, certifique-se de que ele vai durar o tempo necessário até atingir uma altitude segura em caso de uma descida de emergência. Quanto à turbulência, existe um recurso muito útil: chama-se Ábaco de Harisson, facilmente encontrado nos sites de meteorologia. Trata-se basicamente da medição da diferença de pressão atmosférica entre os dois lados das cordilheiras, Santiago (SCEL) e Mendoza (SAME), dependendo do valor desta diferença não será possível sobrevoar os andes com segurança. Nesse caso, reagende seu voo ou considere outra rota.

* Sérgio Luís Mourão é piloto de avião, advogado e presidente da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB/MG
Alessandro Azzi Laender é advogado, administrador de empresas, membro-fundador da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB/MG

Por Sérgio Luís Mourão e Alessandro Azzi Laender*
Publicado em 20/01/2025, às 14h00


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