Major-aviador detalha os recursos do novo caça multimissão da Saab
Por Ramon Lincoln Santos Fórneas, major aviador da FAB Publicado em 18/01/2021, às 15h00 - Atualizado às 16h10
Primeiro protótipo do Gripen E da FAB está realizando uma série de testes e ensaios no Brasil
Estou na Suécia. Atualmente, desempenho a função de chefe da Seção Operacional do Grupo de Acompanhamento e Controle (GAC-Saab), organização do Comando da Aeronáutica (Comaer) responsável por acompanhar o andamento do contrato de desenvolvimento e produção dos novos caças F-39 Gripen da Força Aérea Brasileira. Tudo verificado in loco, na sede da Saab, fabricante do Gripen.
Após cinco anos voando os A-29 Super Tucano, fui transferido para o Rio de Janeiro, onde permaneci por seis anos voando os caças F-5M do Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAVCA) - Esquadrão Senta a Púa. Durante esse período, fui selecionado para realizar o curso no Gripen C/D, na Suécia, onde permaneci por aproximadamente seis meses.
Ao regressar ao Brasil, fui designado para Anápolis, em Goiás, onde trabalhei na implantação dos F-5M no Primeiro Grupo de Defesa Aérea (1°GDA), esquadrão que será responsável por receber aos primeiros Gripen da FAB. Em 2017, com a ativação do Grupo-FOX (nome da equipe de seis pilotos de caça dedicada à gerência operacional do projeto de implantação do novo avião), fui movimentado para Brasília, atuando por dois anos nesse grupo de trabalho como responsável pela implantação operacional do Sistema Gripen no Comando da Aeronáutica. Após dois anos no Grupo-FOX, fui designado para vir trabalhar aqui na cidade de Linköping, na Suécia, no GAC-Saab.
O meu trabalho tem sido muito interessante, uma vez que atuo diretamente com a equipe que desenvolve toda a interface homem-máquina do avião. Ter a oportunidade de influenciar no design de um caça desta magnitude é uma experiência ímpar e uma grande responsabilidade. A equipe aqui é multidisciplinar e bastante heterogênea, temos engenheiros de softwares, psicólogos, pilotos operacionais, pilotos de prova brasileiros e suecos, ou seja, um time bem completo que está se empenhando ao máximo para desenvolver o melhor produto para que o cliente seja atendido em todas as suas demandas.
O meu primeiro contato com o Sistema Gripen ocorreu antes mesmo de o Brasil ter assinado efetivamente o contrato de compra dos caças suecos. Foi no ano de 2008, em Santiago, no Chile, durante a Feira Internacional do Ar e Espaço, a Fidae, quando estava representando o Comaer no evento com os A-29 Super Tucano.
Na ocasião, tive a oportunidade de utilizar o simulador do Gripen C/D. Ainda não tinha voado o nosso Gripen NG, ou o F-39 (denominação que terá o novo avião na FAB), mas a primeira impressão que tive do sistema Gripen foi de uma aeronave realmente inteligente, como a própria Saab o designa: “The smart fighter”. O principal motivo que me fez ter essa percepção foi a interface homem-máquina, também conhecida como HMI (human machine interface). A maneira com que o piloto interage com o avião e a forma como a máquina apresenta os dados para o piloto são extremamente eficientes, facilitando a tomada de decisão mesmo voando nos complexos cenários de combate atuais.
O meu primeiro voo efetivamente em um Gripen ocorreu em 2014, quando cheguei à Suécia para aprender a pilotar os Gripen C/D, versões monoposto e biposto da versão anterior dos caças suecos, que antecedem os modelos E/F que virão para o Brasil. O futuro caça brasileiro possui inúmeras particularidades que a tornam especial, mas eu elencaria cinco aspectos mais relevantes.
Começaria comentando uma característica já citada anteriormente, a interface homem-máquina. Tudo no Gripen foi pensado e desenvolvido para auxiliar o piloto.
Segundo ponto, o Gripen foi concebido e desenvolvido para receber atualizações periódicas. Isso significa que, diferentemente de muitos caças, ele não precisa de uma modernização generalizada após alguns anos de operação – o upgrade conhecido como middle life update. Da mesma maneira que sistemas e aplicativos de computadores e celulares, o Gripen pode receber atualizações em suas versões de software sem a necessidade de se modernizar ou modificar estruturalmente a célula em si.
Terceiro aspecto, o custo. O sistema Gripen foi concebido para se ter um custo relativamente baixo quando comparado com os demais caças disponíveis no mercado. O motivo desse custo baixo é a solução de manutenção integrada baseada em performance. Os diversos sistemas do Gripen são simples e eficientes com um elevado grau tanto de confiabilidade como de disponibilidade. Além disso, a aeronave exige poucos profissionais de manutenção para as atividades de rotina e isso tudo minimiza os custos de operação quando se imagina o sistema como um todo.
O quarto ponto eu associo aos seus sistemas de guerra eletrônica. O jato possui equipamentos no estado da arte quando nos referimos aos seus diversos sensores. Isso vale para radar, sistemas de alarmes, data-link, pod’s de interferência, interferidores, entre outros.
Por último e não menos importante, eu coloco o programa de offset, uma vez que empresas brasileiras estão participando, efetivamente, do programa de transferência de tecnologia do projeto Gripen em diversas áreas do conhecimento. Tecnologia essa que será importante para a capacitação do nosso pessoal no Brasil, além do desenvolvimento da indústria aeroespacial brasileira.
O modelo F, biposto, tem uma importância bastante singular, uma vez que está diretamente ligado à questão da transferência de tecnologia. A versão biplace será desenvolvida para a Força Aérea Brasileira e, desta forma, a quantidade de profissionais brasileiros que estão trabalhando no desenvolvimento desta aeronave é substancialmente maior do que os que trabalham no modelo E, monoplace. Além disso, existe ainda a questão das novas possibilidades operacionais advindas da presença de um tripulante adicional na nacele traseira.
A guerra centrada em rede nada mais é do que a internet aplicada à aviação de caça. Significa dizer que, com o Gripen, o que uma aeronave visualizar, todas as demais também estarão enxergando. Isso aumenta consideravelmente o que chamamos de SA (situational awarness), ou consciência situacional. A manutenção de uma SA elevada é fator fundamental e crítico dentro dos complexos cenários de combate modernos. Consciência situacional alta significa poder de letalidade e, ao mesmo tempo, garantia de sobrevivência.
Sem dúvida, a questão dos armamentos é outro fator bastante distinto das nossos Gripen. O avião tem uma capacidade de carga (payload) bastante significativa. Além da quantidade de armamentos que a aeronave tem capacidade de carregar, as combinações destes armamentos fazem do Gripen um caça multimissão. Significa dizer que o Gripen pode realizar missões de combate ar-ar dentro ou fora do campo de visão do piloto (within visual range e beyond vision range), emprego de armamentos ar-solo e reconhecimento, tudo isso em uma mesma missão, ou seja, com apenas uma decolagem. Tantas possibilidades operacionais fazem do Gripen um caça versátil, dando oportunidades diferenciadas de emprego e, ao mesmo tempo, dificultando o trabalho do oponente em se contrapor a uma ameaça tão multifuncional.
Quando mencionei anteriormente que o avião possui sistemas de guerra eletrônica no estado da arte, eu estava levando em consideração justamente estes dois equipamentos: radar AESA o IRST. O novo radar de busca AESA (Active Electronically Scanned Array, ou radar de varredura eletrônica ativa) possui capacidades adicionais quando comparamos com a maioria dos radares de busca convencionais. Em virtude da capacidade de varredura eletrônica, ou seja, uma busca controlada por computadores, a quantidade de alvos trackeados pelo radar AESA é bastante superior. Além disso, em virtude do número superior de antenas, torna esse radar menos suscetível à interferência por parte do inimigo. Já o IRST possibilitará o monitoramento de ameaças de maneira passiva, ou seja, sem que o inimigo perceba a presença do Gripen. Esse sensor se baseia na emissão de calor das ameaças e possui um grau de confiabilidade de azimute (direção) muito elevado.
Por fim, existe a capacidade supercruzeiro (supercruise). Ou seja, o Gripen pode manter o voo nivelado em velocidades supersônicas sem o uso da pós-combustão no motor (after burner) – o que é, sem dúvida, outro ponto bastante distinto do avião. Essa característica propicia, além de economia de combustível, maior alcance ao realizar traslados, maiores distâncias de lançamentos dos armamentos ar-ar. Consequentemente, torna o caça mais eficiente.
As expectativas são as melhores possíveis e não apenas por parte dos pilotos do 1º GDA, que estão diretamente envolvidos no projeto, mas de todos os integrantes da Força Aérea Brasileira. Nós reconhecemos e valorizamos o papel desempenhado pelos caças que hoje voam e defendem o espaço aéreo brasileiro, entretanto, enxergamos e reconhecemos a necessidade de atualizarmos nossa doutrina, as nossas técnicas com um novo sistema que esteja à altura da importância do nosso país no cenário mundial. Sem dúvidas, esse caça atenderá a todas as nossas demandas.
Em longo termo, a chegada do Gripen representará um novo capítulo na história da aviação de caça brasileira, aviação esta que já passou por diversos processos de transformação, adaptação e mudanças. A aeronave será utilizada em toda gama de missões hoje desempenhadas pela FAB. Assim como ocorreu com os demais vetores quando chagaram ao país como os P-47, F-8, F-80, T-37, AT-26, Mirage III e Mirage 2000, não tenho dúvidas de que este novo capítulo também será vitorioso.
* Versão adaptada do conteúdo publicado originalmente na edição 319 da AERO Magazine