Apresentado como paradigma entre os midsize avião foi recém-certificado
Por Daniel Torelli, de São José dos Campos Publicado em 06/10/2019, às 00h00 - Atualizado em 26/06/2020, às 15h32
Nova família Legacy 450/500 foram projetadas do zero visando atingir um novo segmento de mercado para a Embraer
Assim como aconteceu com os membros da família Phenom, o Legacy 500 é uma aeronave pensada desde zero para uso executivo. Temos a oportunidade de voar a nova máquina da Embraer poucos dias antes, e a apenas 100 horas de voo, da certificação final do avião – que aconteceria no dia 12 de agosto em uma cerimônia realizada durante a Labace 2014. A Embraer aposta alto no mercado dos jatos executivos ao entrar no segmento dos midsize. O fabricante brasileiro apresentou o projeto do Legacy 500 na NBAA de 2007 com a designação MSJ (midsize jet). O nome Legacy 500 seria anunciado na Ebace do ano seguinte, assim como seu derivado em versão reduzida, o Legacy 450.
Apesar de ser enquadrado pela Embraer como midsize jet, o Legacy 500 destoa dos demais integrantes dessa categoria. É uma aeronave maior, mais rápida, com alcance superior e preço mais alto do que o de seus “concorrentes”. Na prática, o novo jato executivo da Embraer apresenta diversas características de uma categoria acima, a super-midsize, o que posiciona o avião entre dois filões de mercado. O Legacy 450, sim, está posicionado na categoria dos midsize.
O Legacy 500 conta com parâmetros desiguais quando confrontados aos dos midsize G150, Citation Sovereign e Learjet 85. A análise fica mais parelha quando se compara a aeronave brasileira a alguns dos super- midsize, como o Challenger 300/350 e o Gulfstream 280. O novo jato traz algumas bandeiras para simbolizar uma mudança de paradigma. A principal delas é o sistema de fly-by-wire (FBW), desenvolvido pela Embraer. Trata-se do primeiro avião produzido pela Embraer que é full FBW, ou seja, com todos os comandos de voo operados eletronicamente (a família 190 tem FBW somente nos profundores e no leme). Esse é um passo tecnológico importante e beneficiará os próximos programas da Embraer, como o KC-390 e os E-Jet E2. Na aviação executiva, apenas jatos maiores e mais caros do que o Legacy 500, como os ACJ, Falcon 7X e Gulfstream 650, contam com comandos FBW. O uso do side stick em substituição ao tradicional manche gaivota da Embraer também deve ser um indicador do caminho que o fabricante deve trilhar ao lançar novos modelos.
O desenvolvimento do FBW não é simples nem barato, mas traz benefícios de projeto, operação e manutenção. Sem cabos e roldanas de comando, há sobra de espaço e ganho de peso de decolagem. Além disso, os comandos de voo ficam muito mais precisos e a manutenção não requer inspeções das linhas por toda sua extensão, mesmo que alguns pilotos ainda desconfiem desse sistema por temerem que o computador do avião tenha maior autoridade do que os tripulantes, o que na filosofia da Embraer não é verdade.
A fuselagem é metálica e tem partes de compósito em locais com desenho mais aerodinâmico
A Embraer desenvolveu uma filosofia própria para a lógica dos comandos. No modo normal, em que as funcionalidades de proteção estão ativas, o sistema mantém a aeronave dentro de um envelope seguro. Com o joystick comandado para os lados, o avião gira dentro de uma razão de rolagem, sem proteção de inclinação. Se o piloto mantiver o sistema comandado, o avião poderia completar um tonneau, mesmo controlando uma curva de 45 graus de inclinação. Retornando o stick para neutro, o avião retorna para a inclinação de 33 graus. O mesmo ocorre quando se comanda o nariz para cima com mais de 30 graus ou para baixo, descendo com mais de 15 graus. Retornando o stick para neutro, a atitude do avião retorna para esses valores máximos.
O envelope de proteções também age sobre as condições de alta velocidade. Em um mergulho, quando a velocidade ultrapassa a máxima (acima de 6 knots da VMO ou 0,01 Mach acima da MMO), o nariz do avião sobe para reduzir a velocidade. Virtualmente, o Legacy 500 nunca entra em condição de estol voando no modo normal, já que, quando está próximo da velocidade de estol, o avião cede o nariz para manter a velocidade e permanecer completamente controlado. A última proteção é de fator carga. O FBW alivia a carga g quando se atinge 2,5 g de carga, evitando, assim, esforços estruturais altos. Todas essas condições poderão ser experimentadas no voo que realizaremos.
O sistema de FBW da Embraer muda um pouco a forma de se voar, uma vez que o avião é autocompensado e atua sobre a trajetória no modo normal. Isso significa que o piloto, ao voar “manual”, comandando uma curva de 25 graus, por exemplo, larga o comando e o avião compensa tudo. Ou seja, não é necessário pressionar os pedais nem cabrar para compensar a curva, o sistema faz tudo sozinho e mantém tanto a inclinação como a trajetória vertical da aeronave até que o piloto dê um novo comando.
O piloto usa o compensador somente em configuração de pouso, mas, ainda assim, o processo é semiautomático. Configurado para pouso (flaps 3 ou full e trem baixado), o avião atinge a velocidade prevista para esse procedimento e o piloto aciona o botão TCS no stick. Nesse momento, o compensador trima para aquela velocidade automaticamente. Da mesma trajetória de 5 graus e reduzirmos o motor, o avião aumentará o ângulo de ataque até que entre a proteção de estol. Sim, esse assunto vai longe... Mas o resumo da ópera é que o seu uso é seguro, simples e confiável.
Após a certificação, Embraer anunciou os números finais do Legacy 500. Durante nosso briefing, o sorriso de canto de boca de toda a equipe já dava a indicação de que os dados seriam melhores do que os inicialmente previstos nas especificações. Com um alcance de especificação de 5.555 km (3.000 mn) – que após a certificação foi para 5,785 km (3.125 mn) –, o Legacy se posiciona na faixa dos jatos continentais projetados para cruzar costa a costa os EUA ou atravessar toda a Europa. Esse alcance permite voos intercontinentais de São Paulo até a Europa ou os EUA com um pouso técnico intermediário.
Outro parâmetro que apresentou melhorias acentuadas foi o de performance de pista. Inicialmente, a Embraer anunciou 1.402 m de distância requerida para decolagem com peso máximo, número que caiu para 1.245 m. As especificações de pouso também melhoraram: os inicialmente anunciados 732 m caíram para 647 m de distância de pouso.
O projeto da fuselagem é inteiramente novo, permitindo a projeção de um piso plano com uma altura interna do corredor de 1,82 m, o que evitará que boa parte dos passageiros precise caminhar fazendo contorcionismos para não bater a cabeça no teto. O interior do Legacy segue a base do conceito criado pela BMW Design, porém, foi aprimorado pela nova equipe de interiores da Embraer, dando ao ambiente um aspecto moderno, confortável e funcional. Ainda no quesito conforto, a Embraer desenvolveu um sistema que reclina os bancos de modo que os encostos se encaixem perfeitamente e formem uma cama. Sem a necessidade de kits, um avião com dois club seatings pode ficar configurado com quatro camas, muito útil em voos longos.
O sistema de entretenimento de bordo é o Honeywell Ovation, que oferece vídeos em HD e conta com entrada HDMI, permitindo a conexão com uma Apple TV, por exemplo, capaz de reproduzir filmes armazenados em aparelhos iPad durante o voo. O sistema de telefonia e dados pode ser Iridium, Imarsat ou Aircell (este, somente nos EUA). O controle do sistema pode ser feito por painéis de LCD touch screen ou por um aplicativo para iPhone, iPad ou iPod.
A galley é bem equipada, com pia, forno elétrico, micro-ondas, refrigerador e máquina de café expresso, dependendo da configuração de opcionais escolhido pelo cliente. O toalete é a vácuo, outra boa novidade que a Embraer introduz na categoria. Um aspecto discutível é a configuração do sistema para abastecimento do reservatório de água das pias, da galley e do toalete. Eles são internos e independentes, com 15 litros de capacidade cada. Para voos muito longos, essa capacidade pode ser insuficiente e a logística para reabastecer em um pouso intermediário tende a ser inconveniente aos passageiros.
O Legacy 500 conta com dois bagageiros, um externo e outro interno. O externo não é pressurizado e conta com aquecimento opcional, característica que poderia ser standard. Com acesso facilitado por uma escada, seu tamanho é muito bom quando comparado ao porte de seus concorrentes da categoria midsize. Em compensação, entre os super-midsize os bagageiros normalmente são pressurizados e permitem acesso a partir do interior da aeronave, o que não acontece entre os médios. O bagageiro interno está mais para um generoso armário, onde as malas com itens mais delicados podem ser colocadas.
Legacy 500 é o primeiro avião produzido pela Embraer full FBW
Este será um ensaio especial. Teremos mais tempo para estudar o avião, além de treinar no simulador, algo desejável por se tratar de uma aeronave inteiramente nova. A apresentação do avião é feita pelo Avaldi Serpa Jr., da área de inteligência de mercado da Embraer. Algumas das primeiras pesquisas para o desenho do Legacy 500 aconteceram durante o MMI (Man-Machine Interface) do Phenom 300. Constato que soluções que sugerimos naquela ocasião para o então MSJ foram incorporadas pelo novo jato, como o piso plano e a configuração das telas no cockpit.
Após a apresentação de produto, partimos para um resumido ground school, com um velho conhecido, o comandante Berto, com quem voei na Rio Sul. A parte de FBW fica a cargo do comandante Camelier, que é piloto de prova da Embraer e um dos que ajudou a desenvolver a filosofia do sistema. Ambos serão meus instrutores durante o voo. O novo jato se mostra funcional e prático, simples de operar, porém, com a robustez característica das aeronaves da Embraer.
O Legacy 500 tem uma vida útil de projeto para 27.500 horas. O intervalo entre manutenções é de 750 horas ou 12 meses, ou seja, em operações privadas típicas terá de parar apenas uma vez por ano, precisando nesse intervalo somente de checagem do nível de óleo dos motores e da pressão dos pneus (o avião terá na roda um indicador de pressão dos pneus), que serão tarefas feitas pelo piloto.
O avião conta com três sistemas hidráulicos que são os responsáveis pelos comandos primários de voo. Os eixos de comando contam com a redundância necessária para garantir o controle da aeronave mesmo com eventuais falhas de dois sistemas. O sistema pneumático conta com as bleeds dos motores e mais a do APU, que pode ser utilizada em voo se houver problemas nos motores. A pressurização e o controle de temperatura são mantidos por apenas uma pack com um sistema alternado para garantir o funcionamento mesmo em caso de falha da pack. O sistema elétrico é todo DC com 28 V, composto pelos geradores dos motores e mais o gerador do APU, isto é, em caso de falha elétrica total, ainda temos uma RAT (Run Air Turbine), que abre um pequeno “cata-vento” para gerar eletricidade e manter o avião vivo.
Os motores Honeywell HTF 7500E, controlados por FADEC (Full Authority Digital Engine Control), com empuxo previsto inicialmente de aproximadamente 6.500 lbf, apresentaria na certificação valor na casa das 7.000 lbf. A aviônica é a Rockwell Collins Pro Line Fusion, a mais moderna suíte disponível no mercado. No Legacy 500, o painel com quatro telas em T tem disposição igual a dos Falcon EASy. O avião incorpora visão sintética e um radar extremamente moderno, incluindo multiscan (hoje um opcional, mas que deve ser incorporado como standard) – com esse recurso, o piloto não precisa ficar brigando com o tilt para achar o ângulo ideal de leitura, o sistema faz isso automaticamente enquanto a imagem das formações é gerada em 3D nos displays. Os sistemas do Legacy 500 já cumprem todos os futuros requisitos dos espaços aéreos europeus e norte-americanos (ADS-B out e CPDLC). Para as rotas transoceânicas, falta a certificação do sistema de ADS-C, que está prevista para os próximos anos. A Embraer está desenvolvendo um sistema de HUD que dispensa o projetor de imagem, a ser incorporado pelo Legacy 500. Nesse sistema também poderá ser feito um overlay de imagens do EVS e da visão sintética, junto à simbologia do HUD.
Após um banho de informações, chegamos ao simulador de integração da Embraer para experimentar as lógicas do FBW, da operação da aviônica e dos sistemas. Desde que voei o Embraer 145 e o Legacy, sou fã incondicional da filosofia realmente dark and quiet, extremamente intuitiva e com baixa carga de trabalho, todos os checklists são muito curtos e as sequencias simples e lógicas em todas as fases do voo. Para dar uma ideia, o checklist de preparação antes da partida tem apenas 12 itens, sendo que grande parte é apenas de verificação, não requer ação. Após autorização de partida, são apenas cinco itens e, depois da partida, outros cinco.
Segunda parte concluída, experimento todos os modos de proteção do FBW e também o modo direto, que deixa o sistema de comandos de voo como em uma aeronave com comandos convencionais – só assim para testar uma recuperação de estol clássica. Depois de um dia longo, com muita informação, deito para dormir curioso para saber como aquilo tudo funcionaria na prática.
Logo cedo, estamos na Embraer para fazer a vistoria externa. Dia frio com o nevoeiro tradicional do início da manhã de inverno em São José dos Campos. Na rampa, o protótipo S/N 3 nos aguarda. Sua presença de rampa é boa, com linhas elegantes. Iniciamos nossa inspeção. A fuselagem é fundamentalmente metálica e tem superfícies e partes de compósito em locais onde esse material favorece o desenho mais aerodinâmico. O Legacy 500 conta com sensores que informam a tripulação quando há a presença de gelo e com tomadas de pitot do tipo smart probe, nas quais um sensor faz o papel de vários sensores. Todas as luzes do avião, internas e externas, são LED, incluindo luzes de emergência, luz anticolisão e faróis de táxi e pouso. Não há função pulse light do farol.
As asas têm enflechamento de 27 graus. No extradorso há geradores de vórtex, para orientar melhor o fluxo em baixa velocidade. No intradorso, temos canoas onde ficam os motores e os trilhos do sistema de flap. O trem de pouso é o primeiro em uma aeronave Embraer que não fica com as rodas expostas quando recolhidas, já que entram completamente no compartimento na barriga do avião. O sistema de amortecimento é do tipo trailing link, famoso por ajudar os pilotos a garantir pousos bem suaves. Projetados para 2.000 ciclos, os freios de carbono, com sistema de anti-skid, são acionados eletronicamente por sensores que ficam nos pedais. O Legacy 500 conta, ainda, com o sistema de auto-brake que aplica o freio imediatamente em caso de abortagem de decolagem ou imediatamente após o toque da aeronave no solo, isso de forma automática.
Do lado direito da fuselagem, temos todos os painéis de serviço: toalete, oxigênio e abastecimento (neste, por pressão, todo automático, o piloto ajusta a quantidade total e o sistema controla a quantidade de combustível que entra nos tanques). Abaixo da cauda a Embraer projetou um ponto de entrada da fonte externa e da entrada de ar da LPU para dar partida nos motores em caso de falha do APU.
Do lado direito, vemos o acesso ao bagageiro. A porta é alta, porém, de fácil abertura, e com o auxílio de uma escada, para facilitar o acesso. A porta principal é mecânica, com uma barra de torção, que independe de sistema elétrico ou hidráulico para operar. Outro ponto interessante é que a saída de emergência foi colocada no toalete e por isso não atrapalha o desenho do interior da cabine.
Após a inspeção externa, repassamos com a tripulação a programação do nosso voo. O engenheiro de ensaio Marques informa o perfil do voo e as condições da aeronave, incluindo equipamentos instalados e operacionais e a versão de software, lembrando que voaremos o protótipo. Inicialmente, cumpriremos um perfil de voo mais próximo da realidade dos voos executivos, decolando para Gavião Peixoto em um voo de aproximadamente 30 minutos. Em razão das restrições de fluxo de tráfego de chegadas e saídas da terminal São Paulo, ficaremos limitados a 25.000 pés (7.620 m).
Acabado o briefing, embarcamos no avião, já com tempo aberto. Uma linda manhã de inverno nos recebe no pátio. O acesso para o interior da aeronave é bastante amplo, sem risco de pessoas mais altas baterem a cabeça no batente da porta. De fato, a altura interna do corredor de 1,82 m favorece o trânsito através do charuto. A sensação de espaço é muito boa, em parte por conta do tamanho das janelas e do formato dos painéis.
A cabine de comando é muito espaçosa. A inexistência da coluna de comando ajuda na posição de pilotagem. Duas enormes janelas laterais, o design clean e a caprichada ergonomia da Embraer reforçam a imagem de modernidade e também ajudam na sensação de espaço. Os para-brisas dianteiros têm aquecimento, os laterais, não, apenas contam com saídas de ar nas bordas inferiores para evitar embaçar. Para proteger a tripulação da claridade e de parte da radiação cósmica das grandes altitudes, existem cortinas (espécie de filme) que ajudam muito. Como opcional, o Legacy 500 dispõe de uma mesinha retrátil, útil para preencher a papelada do voo e também para fazer uma refeição a bordo. Os ajustes do banco são mecânicos e os pedais, elétricos. Depois de acomodados, realizamos os checks de cabine. Ao fazer o teste de fogo, noto que a campainha e os shimes de warning e caution são ensurdecedores. Fico com os ouvidos sensíveis alguns minutos, algo que também ocorria com o ERJ 145, depois melhorou. Sugestão à Embraer: baixar o volume desse alerta e estudar um tom mais agradável...
Uma vez sentados nos bancos, seguimos o checklist, tudo muito intuitivo, simples e rápido. Todos instalados a bordo, portas fechadas, tenho o Berto à direita e o Camelier no jump seat, além do engenheiro Marques, que nos monitora de trás via o intercomunicador. Autorização dada pela torre São José dos Campos, na partida são cinco itens para checar com três ações: ligar a red beacon e a bomba elétrica hidráulica do sistema 3 e acionar o freio de estacionamento. Acionamos a switch de partida, que fica no pedestal para a posição start, e só nos resta, então, monitorar o trabalho do FADEC durante a partida.
A preparação ocorre com tranquilidade, o sistema de aviônicos é completo e intuitivo. Uma observação: apesar de a sequência de entrada de dados ser fácil, o piloto precisa acessar várias páginas para completar os dados. Uma sugestão seria criar uma página única, como um sumário de decolagem, no qual todos os dados seriam inseridos e vistos em uma mesma página, o que ajudaria na visualização dos inputs e na correção em caso de erro ou mudança de condições.
Depois dos checks pós-partida, com comandos de voo basicamente, configuramos o flap para a posição 1 de decolagem e engajamos o steering. Autorizados para iniciar o táxi, iniciamos a rolagem no pátio da Embraer. Todo o comando do steering é feito pelos pedais (em aeronaves dessa dimensão normalmente é feito por um comando separado e comandado pela mão). No início, brigo um pouco com a amplitude de comando nos pedais, mas rapidamente já percebo que o sistema é preciso e que o avião gira “curto”. O táxi é macio e o avião quer embalar. Aciono os freios a carbono para reduzir a velocidade, mas, com pouca força nos pedais, eles têm pouca atuação, o que me obriga a aumentar a força. Isso ajuda a não termos frenagens secas durante o táxi.
Próximos do ponto de espera, somos autorizados a alinhar e decolar da pista 15. Busco alinhar a aeronave usando os pedais. Definitivamente, o steering comandado pelos pedais tem a mesma eficiência dos comandados pela mão. Para confirmar que está tudo certo para a decolagem, acionamos o botão “takeoff configuration”, que retorna com um aural “takeoff ok”. Os alarmes aurais da Embraer são muito bons e ajudam o piloto a identificar mais rapidamente o que está errado.
Avanço os manetes do motor e, em um determinado ângulo, o autothrottle assume os comandos e acelera os motores até a potência de decolagem. Durante a corrida, a sensibilidade dos pedais diminui conforme o Legacy ganha velocidade, para evitar sobrecomando quando a aeronave está mais rápida. Nossa V1 é de 110 knots (204 km/h), com a Vr de 118 knots (218 km/h). Inicio o comando de nariz para cima no side stick. A sensação inicial é a de que há um amortecedor entre o que comandamos e a reação do avião, mas tudo muito estável. Após a rotação, algum ajuste de ângulo de subida e correções leves de asa, nossa V2 é de 125 kts (230 km/h) e a Vfs de 147 kts (272 km/h), velocidades baixas para a condição de peso que estamos. Inicialmente, há uma mudança de lógica do voo, porque o FBW mantém o avião na configuração que o deixamos. Não há a necessidade de se ajustar o trim ou usar os pedais, diferente do que acontece com um controle convencional, que requer correções constantes. Minha adaptação, porém, é rápida, imagino que o difícil vai ser desacostumar com tanta mordomia.
Sigo voando “manualmente” até o nível de cruzeiro. O pessoal da Embraer me confidenciou que durante outros voos já comandaram o flight director sem que o avião respondesse e, só depois de olhar o que estava acontecendo, perceberam que ainda não haviam acoplado o piloto automático. Isso se deve à enorme estabilidade e à precisão que o sistema de FBW proporciona. O ruído interno é baixo, mas não dá para ter parâmetro do real neste voo, pois estamos em um protótipo e voando relativamente baixo para um jato.
Previmos um procedimento RNAV para a cabeceira 02 de Gavião Peixoto. Programamos o FMS e inserimos os dados para o cálculo de performance. Nossa transição de entrada é o ponto GP362. Tudo programado, iniciamos a descida no modo de navegação vertical. Na descida, experimento o speed brake. Parece eficiente e sem muita vibração. O comando de atuação do speed brake, porém, não prima pela ergonomia, isso porque, por conta da posição das telas, o pedestal teve que ser deslocado para trás. Deixo tudo com o piloto automático até entrar na aproximação final. Desacoplo e sigo voando. Neste momento, a filosofia muda um pouco. Com trem baixado e flaps nas posições de pouso (3 e full), o trim passa a ser ajustado pelo piloto. Conforme o avião reduz a velocidade e requer mais comando de stick, acionamos a tecla TCS para compensar.
Depois de um desvio leve de um urubu na final, reenquadro a aeronave na aproximação e vamos para o pouso. O autotrottle faz todos os ajustes de potência até iniciar a redução para marcha lenta a 30 pés (9 m). O controle é muito fácil e lógico, melhorando a calibragem da sensibilidade para voar com o FBW. Pouso tranquilo, o nariz do avião desce a um grau por segundo comandando pelo FBW – basicamente, o avião pousa o nariz para você. Aciono o reverso e aplico levemente pressão nos freios. Como a pista é muito longa, deixo o avião correr para livrar na taxiway central.
A ergonomia reforça a imagem de modernidade e aumenta o espaço
Vamos para o pátio e, após um trânsito curto, sem cortar os motores, o Camelier assume a direita para uma nova decolagem. Peço para fazer mais um toque em Gavião Peixoto para melhorar a sensibilidade e a noção de altura no pouso. Realmente, o avião é dócil e fácil de voar, fazemos o circuito e vamos para um toque, mais uma vez, sem erro. Manetes para frente e subimos na proa da área de ensaios da Embraer, próxima a Guaratinguetá, onde experimentamos tudo o que havíamos feito no dia anterior, no simulador, testando as proteções de envelope do FBW.
O piloto tem total autoridade sobre o avião. Em todas as condições o sistema garante apenas que não se ultrapasse os limites estruturais da aeronave. Durante as manobras, chegamos a voar com o avião a 88 knots (163 km/h), sem estolar. Com todo o controle, o FBW fica a 2 knots da velocidade de estol, com o motor em idle, mantendo uma razão de aproximadamente 500 pés/min. Conforme realizamos a curva, essa razão aumenta, mas mantendo na velocidade e sob controle. Testamos quase tudo, proteção de velocidades alta e baixa, comando de inclinação de 60 graus, proteção por carga (2,5 g)... Não há o que falar do sistema além de elogios.
Gostei
Não Gostei
Partimos para os testes no modo direto, que deve ser usado somente em caso de falha do modo normal, com as proteções de envelope. Nesse modo, o trim fica por conta da tripulação. Também é muito fácil de comandar, é como voar uma aeronave com comandos tradicionais. Executamos uma recuperação de estol em comando direto (única hipótese para essa aeronave entrar na condição de estol), sem problemas para recuperar, nem tendência.
Mais do que satisfeito, sigo para os toques em São José dos Campos. Aproximação para a cabeceira 15, configuramos a aeronave e entramos um pouco alto no ILS. Com dia claro, buscamos o perfil do glide, aproximação e pouso normais com flap 3. Nossas Vrefs nessas aproximações foram de 108 kts (200 km/h) e mantivemos a velocidade de aproximação em 113 kts (210 km/h). Na segunda aproximação, simulamos condição de falha de um dos motores durante a arremetida no ar. O FBW deixa a manobra muito fácil, o piloto tem de aplicar apenas 10% da força para compensar a assimetria de potência, basicamente para lembrar que está com assimetria de potência.
Após interceptarmos a perna do vento para nova aproximação, vamos para um pouso usando o modo direto do FBW. Quando fizemos o briefing, pensei que essa fase seria a mais fácil, pois simularia uma operação que estou mais acostumado. Enganei-me e realizo o quão rápido nos acostumamos às coisas boas da vida e, sem perceber, já estava adaptado à nova lógica. A única diferença no modo direto é que temos de usar o switch do trim, que fica no pedestal. A aproximação é tranquila e o toque também dá sensação de que o avião fica um pouco mais sensível. Arremetemos e seguimos para o pouso final.
Para esse último circuito, alongamos mais a perna do vento para interceptar o ILS. Faço tudo no piloto automático para lembrar mais a vida real, mantendo acoplado até o mínimo do procedimento. O Camelier sugere fazermos um pouso de máxima performance. Imediatamente após o toque, stick todo à frente para colocar o nariz no chão, freio até o fundo e full reverso. Coloco o nariz no chão mais forte do que em um pouso normal. Confesso que, talvez por dó, não pisei fundo no pedal do freio. Mas nesse momento o Camelier me disse “vai, pisa sem dó” e completei a pressão nos freios. O reverso pode ficar em máxima potência até 40 knots (74 km/h), e o avião para em pouco menos de 500 m entre o toque no solo e a parada completa. Impressionante, tenho de acelerar para livrar na taxiway central e seguir para o pátio da Embraer.
Após o corte, fico com a certeza de que a adaptação ao FBW se dá de modo rápido e sem percalços. Nos papos paralelos, nos perguntamos como será um piloto que tenha contato com essa tecnologia de comandos e de aviônica cedo na carreira e depois precise voar aviões não tão avançados...
Estima-se que o custo operacional direto por hora de voo do Legacy 500 fique por volta de US$ 2.500, incluindo combustível e reservas de manutenção. As demais despesas diretas, como tarifas de navegação e pouso, ficam diluídas nas horas de voo. Um voo curto, com menos horas para diluir os custos, fica mais caro por hora voada do que um voo longo. A flexibilidade que o Legacy 500 dá ao operador é um ponto a ser considerado. Trata-se de um jato executivo capaz tanto de operar em pistas curtas como fazer voos internacionais longos. Além disso, empresas brasileiras interessadas em comprar o avião podem ter acesso a uma linha de financiamento do BNDES, com uma taxa de juros bem atrativa para os padrões nacionais, pelo menos por enquanto.
A experiência com o Legacy 500 se revela boa e mostra que a Embraer não está brincando na ampliação da gama de produtos do mercado de aviação executiva. O seu irmão menor, o Legacy 450, deve ser certificado no ano que vem e será também um concorrente muito forte na sua faixa. Pelos números do avião e pela possibilidade de aumento de potência dos motores, fiquei com a certeza de que deve aparecer em breve um “Legacy 550”, pois há sobra suficiente nesse projeto para crescer um pouco o avião sem muito esforço. Imagino uma nova aeronave entre 3.500 mn e 4.000 mn (6.480 a 7.408 km) de alcance, um pouco mais longa e com soluções mais complexas em alguns elementos do projeto, preparada para concorrer mais diretamente com o G280 e o Falcon 2000LX.
* Publicado originalmente na AERO Magazine 244 · Setembro/2014