MS-21: O melhor avião projetado na Rússia pode ser vítima da guerra

Projeto do MS-21 foi um dos mais afetados pelos embargos gerados da guerra na Ucrânia

Por Edmundo Ubiratan Publicado em 10/03/2022, às 13h15

Projeto desenvolvido pela Irkut ofereceu aos russos a primeira chance real de competir com Airbus e Boeing - Divulgação

Após vários anos de desenvolvimento a Rússia certificou em dezembro de 2021 o seu mais novo avião comercial, o MS-21. Criado para rivalizar no mercado global com os Airbus A320neo e Boeing 737 MAX, o avião da Irkut emprega centenas de sistemas e soluções fornecidos por empresas ocidentais.

O sonho de ser um real rival aos modelos ocidentais pode ter um final pouco feliz. Os embargos e sanções impostas a Moscou deverá devastar o futuro do mais sofisticado projeto russo.

Com o desmantelamento da antiga União Soviética, o caos tomou conta das áreas de influência da Rússia e, ao longo da década de 1990, o país viu sua capacidade fabril, especialmente aquela ligada ao setor civil, sucumbir à crise. Uma das soluções para capitalizar recursos financeiros e expertise foi oferecer as excelentes instalações de pesquisas dos birôs para indústrias ocidentais. Boeing, Airbus, Embraer e tantas outras usaram túneis de vento e modelos matemáticos soviéticos para validar seus novos projetos. 

Se havia grande interesse no conhecimento e na infraestrutura de pesquisa, faltava qualquer intenção, até mesmo por parte das empresas aéreas russas, em adquirir qualquer avião produzido localmente. Ano a ano, jatos Airbus e Boeing passavam a formar a maior parte das frotas e as empresas russas acabaram estruturadas a partir de aeronaves ocidentais.

Era Putin

No início dos anos 2000, a Rússia dava os primeiros sinais de ter deixado para trás o tenso e conturbado período pós-dissolução da União Soviética. Para Putin, o fim da União Soviética tinha sido uma das maiores tragédias do século 20, ao lado da própria constituição do bloco após sucessivos golpes de Estado.

Mesmo com parceiros internacionais de peso o Superjet não superou o estigma dos aviões da Era Soviética

 

A primeira tentativa de criar uma nova visão e estrutura na indústria local foi o Sukhoi SSJ-100 Superjet, que contou com consultoria da Boeing e de diversas parcerias internacionais, incluindo a francesa Safran e a italiana Leonardo. Porém, o primeiro projeto pós-URSS fracassou em diversos aspectos, começando por não ser capaz de afastar o estigma de baixa qualidade de aeronaves russas. 

Novo projeto 

Em meados de 2013, o vice-primeiro-ministro Dmitry Rogozin anunciou que a Irkut trabalhava em um novo avião comercial, que estava sendo desenvolvido do zero, reunindo todo o aprendizado do Superjet. O avião foi redesignado MS-21, acrônimo para “principal aeronave comercial do século 21” ou Магистральный Самолёт 21 века, em russo. O interessante é que a letra S, no alfabeto cirílico, tem o formato do C no alfabeto latino. Ciente da diferença idiomática, a UAC optou por um jogo de letras. Oferecia o avião com o nome MC-21 em todo o mundo, mas destacando que MS-21 é a pronúncia correta. sso mostrou a capacidade dos russos de absorver o melhor do marketing ocidental. Ao mesmo tempo que criava um nome fácil de ser interpretado e pronunciado em todo o mundo, afastava o estigma das nomenclaturas soviéticas, ainda que mantendo a cultura idiomática no material de divulgação.

O MS-21 fez uso inclusive de um criativo marketing para promover o nome do avião no exterior

 

Era uma nova visão russa em relação ao projeto, que foi além ao confirmar que a maioria dos sistemas e componentes, incluindo os motores, seriam adquiridos no exterior. Além de reduzir custos e riscos, permitia criar um programa exatamente nos padrões ocidentais. 

Motores ocidentais 

A principal novidade era a adoção dos motores da série Pure Power, da Pratt & Whitney, similares aos utilizados nos Airbus A320neo e A220 (C-Series), Embraer E-Jet E2 e do então Mitsubishi SpaceJet.

Com objetivo de criar uma família de aviões com capacidade entre 130 e 170 passageiros, alcance variando entre cinco mil e 6.300 quilômetros, o MS-21 estava exatamente a faixa de mercado de maior sucesso nos primeiros anos do novo milênio. Foi estabelecido que do avião poderiam derivar diversas versões, desde as menores para competir com os A319 ou 737-700 até a opção de variantes com capacidade acima dos 200 assentos.

Projeto do MS-21 reuniu o melhor do Ocidente com o melhor das soluções de engenharia russa

 

Outro ponto importante dessa fase de pré-projeto foi ter como objetivo oferecer um avião ao menos 20% mais econômico do que a primeira geração do A320 e os 737 Next Generation. Curiosamente, foi a mesma premissa adotada por todos os modelos remotorizados anos depois. A tendência mostrou que a UAC estava correta e os russos ganharam novo ânimo para avançar no programa MS-21.

Os percalços 

Como nem tudo pode ser controlado pela engenharia ou por gestores de projeto, o MS-21 se viu indiretamente envolvido nas disputas políticas entre a Casa Branca e o Kremlin. Depois de a Rússia anexar unilateralmente parte do território da Criméia, pertencente à Ucrânia, as tensões com os Estados Unidos cresceram rapidamente. A primeira medida foi a adoção de alguns embargos, que, mesmo sem capacidade ou mesmo intenção de afetar a indústria aeronáutica russa, acenderam o “master caution” em Moscou.

Uso de motores ocidentais logo se tornou uma preocupação com os abalos na relação diplomática russa

 

As empresas ocidentais continuavam fornecendo equipamentos de ponta para projetos russos, assim como continuavam adquirindo centenas de toneladas de titânio russos, sem considerar diversos outros produtos. Mas o governo Putin passou a temer que, dependendo do sucesso comercial do MS-21, pudesse haver embargo em relação aos motores, o coração do avião.

Diante das circunstâncias, os engenheiros russos passaram a trabalhar em uma versão modernizada do veterano Aviadvigatel OS-90, usado nos Tu-204, Tu-214, Il-76 e Il-96. Designado PD-14.

A melhoria do projeto tornou o motor tecnicamente avançado, especialmente por usar um novo desenho das blades do motor, construída em titânio. Porém, o propulsor oferece uma taxa de diluição de 8.5:1, ante 10:1 de média do CFM Leap e impressionantes 12:1 do PW1000G. Ainda assim, o PD-14 conta com um projeto aerodinâmico bastante avançado, usando uma série de recursos de projeto e construção em 3D. Porém, o plano era manter os modelos de exportação com os propulsores da Pratt & Whitney.

Pela primeira vez, desde a invenção do avião, a Rússia conta com um projeto realmente próximo dos rivais do Ocidente e com capacidade para obter acordos internacionais importantes.

Contudo, a invasão da Ucrânia gerou o maior embargo financeiro e comercial da história recente. Um dos setores afetados foi o aeroespacial que está proibido de importar componentes e tecnologias do Ocidente. Para piorar, foi retirado de Moscou sua capacidade de operar financeiramente na maior parte dos países, o que imediatamente impede a comercialização do MS-21.

Um dos mais notáveis aviões da atualidade pode ser vítima de disputas políticas, justamente quando os russos tinham um dos melhores projetos de todos os tempos.

Texto adaptado da matéria REVOLUÇÃO RUSSA - Com o MC-21, pela primeira vez, Moscou conta com um projeto realmente capaz de competir com os rivais ocidentais da Airbus e da Boeing. Publicado originalmente na edição 327, de AERO Magazine.

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