Governo do Irã justifica em relatório como abateu um Boeing 737 civil

Documento do acidente que vitimou 176 pessoas faz mea-culpa e acusa a empresa aérea por assumir riscos

Por Marcel Cardoso e Edmundo Ubiratan Publicado em 18/03/2021, às 12h00 - Atualizado às 13h35

Bateria antiaérea estaria descalibrada no momento do ataque contra o 737 da Ukraine International Airlines

As autoridades iranianas divulgaram o relatório final da queda do Boeing 737 da Ukraine International Airlines, ocorrido em janeiro de 2020, momentos após decolar de Teerã. O documento confirma que o avião que realizava o voo PS752 foi abatido por dois mísseis, porém, monta um confuso relatório justificando a ação.

De acordo com a CAOI houveram duas falhas para o disparo acidental dos misseis. A primeira foi a realocação tática da bateria antiaérea, baseado no sofisticado e complexo sistema Tor-M1. Uma plataforma autopropulsada montada sobre um veículo especial de grande mobilidade. Ao ser realocada poucos metros do local original, a unidade de defesa não realizou uma suposta recalibragem do sistema de navegação e direção.

Com o erro de calibragem o sistema teria identificado o voo PS752 como uma aeronave hostil, que se aproximava de Teerã e não se afastava. A falha teria levado o operador observar o avião aproximando do aeroporto pelo Sudoeste a uma altitude relativamente baixa, enquanto na verdade o Boeing 737 voava para oeste do aeroporto de Teerã e subindo.

“A justificativa é completamente absurda, o sistema Tor-M1 utiliza um avançado radar e seria capaz de saber a direção exata do alvo, assim como se ele está subindo ou voando baixo”, disse Leonardo Almeida, ex-oficial do Exército Brasileiro. “Por mais descalibrada que estivesse a bateria [antiaérea] esse erro não teria ocorrido”.

 

Relatório oficial do acidente destaca o total de militares dos EUA nos países vizinhos ao Irã

Com a suposta falha o operador do sistema antiaéreo teria solicitado instruções ao centro de comando e controle, que não respondeu as mensagens. Sem uma autorização formal, o controlador teria unilateralmente optado por disparar o primeiro míssil.

 

Logo após ser atingido o Boeing 737 sofreu falha estruturais graves e perda da capacidade de controle, iniciando uma curva para a direita e uma descida rápida. Um segundo míssil foi disparado, que de acordo com o relatório, não teria sido capaz de impor novos danos a aeronave. Dos 167 passageiros e nove tripulantes a bordo, não houveram sobreviventes.

O relatório justifica em dezenas de páginas que falhas do sistema foram causadas por tensões regionais após a morte do general iraniano Qasem Soleimani, que foi atingido por um míssil em Bagdá, no Iraque, por forças militares dos Estados Unidos.

Ainda que seja um relatório de acidente aeronáutico, que segue uma série de normas e procedimentos da Convenção da Chicago, o documento iraniano agrega detalhes geopolíticos, políticos e ainda analisa de forma parcial casos similares que ocorreram no mundo.

As autoridades da Ucrânia rejeitaram o relatório iraniano, afirmando que o documento é uma “tentativa cínica” de esconder a verdade. O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, publicou um vídeo no Facebook rebatendo a totalidade da investigação, que considerou enganosa.

“Este não é um relatório, é um conjunto de manipulações cujo objetivo não é estabelecer a verdade, mas para encobrir a República Islâmica do Irã”, afirmou Kuleba.

Material ainda destaca acidentes similares que foram analisados de forma parcial no relatório iraniano

O ministro ainda lembrou que nos primeiros três dias após a queda o Irã sugeriu que houve uma falha técnica no avião.  Além disso, logo nas primeiras horas iniciou um rápido processo para limpar a área do acidente, permitindo que o local fosse saqueado, enquanto demolia parte dos edifícios e recuperava uma praça.

O documento ainda justifica o erro dizendo que a responsabilidade pelo voo é da empresa aérea, que assume riscos inerentes a sua atividade. “As companhias aéreas são inerentemente responsáveis ​​pela segurança de suas operações e devem garantir a segurança das rotas em que realizam voos”, diz o relatório final da CAOI.

O relatório destaca que “[...] os Estados gestores do espaço aéreo, os que fiscalizam as atividades das companhias aéreas, bem como as próprias companhias aéreas, devem reunir informações relacionadas aos perigos da atividade militar, realizar avaliações de risco pertinentes e adotar medidas mitigadoras para manter o risco associado em níveis aceitáveis”.

Autoridades do Canadá também questionaram o relatório final e devem pedir uma revisão dos procedimentos e conteúdo.

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