Ação ocorreu após serviço de inteligência do país confirmar a presença de opositor a bordo
Por Marcel Cardoso e Edmundo Ubiratan Publicado em 24/05/2021, às 08h00 - Atualizado às 09h37
Voo da Ryanair foi interceptado sobre a Bielorrússia e passageiro a bordo foi preso por autoridades locais
Um voo da Ryanair foi obrigado a pousar em Minsk, capital da Bielorrússia, após um caça MiG-29 interceptar o avião sobre o espaço aéreo do país. O motivo foi a presença de um dissidente político a bordo da aeronave, que havia partido de Atenas, na Grécia, para Vilnius, na Lituânia.
Inicialmente as autoridades alegaram que havia a suspeita de uma bomba a bordo do Boeing 737-800 (SP-RSM) da Ryanair, o que exigia um pouso de emergência para confirmação do fato. Os caças MiG-29 acompanharam a aeronave até o pouso.
Oficialmente o governo da Bielorrússia afirmou que após uma inspeção em solo nada foi encontrado, permitindo assim a liberação do voo. Porém, testemunhas a bordo afirmaram que não houve qualquer inspeção, tendo ocorrido apenas a prisão do jornalista bielorrusso Raman Protasevich, que faz oposição ao governo local.
Líderes de oposição e a comunidade internacional afirmam que o real motivo do desvio do voo foi apenas para prender o jornalista, considerado hostil pelo governo local.
Em nota, a Ryanair informou que a tripulação foi notificada pelo controle de tráfego aéreo de Minks sobre uma potencial ameaça de segurança a bordo e foi instruída para pousar naquele aeroporto. Após a prisão de Protasevich a aeronave foi liberada para seguir viagem para a Lituânia por volta das 14h45 (Brasília), pousando cerca de 40 minutos depois.
A União Europeia e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foram os primeiros a se manifestar condenando o ocorrido. “Este é um incidente sério e perigoso que requer investigação internacional. A Bielorrússia deve garantir o retorno seguro da tripulação e de todos os passageiros”, disse o Secretário-Geral da Otan, Jens Stoltenberg.
Ainda que os demais ocupantes do avião não tenham sofrido qualquer ameaça formal, as autoridades da Otan temem que o incidente possa se repetir e que pudesse ter tido consequências trágicas. O envio de caças armados contra uma aeronave civil é considerado um ato hostil.
A Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO, na sigla em inglês), órgão subordinado a ONU e que estabelece as principais regras internacionais da aviação civil no mundo, mostrou desconforto com a interceptação. “Estamos profundamente preocupados com o pouso de um voo da Ryanair e dos seus passageiros, o que pode constituir uma violação da Convenção de Chicago (1944). Esperamos que mais informações sejam oficialmente confirmadas pelos países e operadores em questão”, afirmou a ICAO em nota.
O primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, classificou o caso como “um ato repreensível de terrorismo de Estado”. Além disso, Morawiecki pediu ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que incluísse a questão de uma possível sanção com efeito imediato contra a Bielorrússia na agenda da cúpula prevista para hoje (24).
Algumas autoridades chegaram a definir o caso como um sequestro promovido pelo Estado, visto que a União Europeia afirma não haver embasamento legal para a interceptação e procedimento de pouso em Minsk.
Por sua vez, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês) condenou veementemente qualquer interferência ou exigência de pouso de operações de aviação civil que seja inconsistente com as regras do direito internacional: “Os detalhes do ocorrido com o voo FR4978 não são claros. É necessária uma investigação completa por parte das autoridades internacionais competentes”, declarou a Iata.
O presidente da Lituânia, Gitanas Nauseda, país membro União Europeia e destino final do voo, cobrou explicações oficiais e cobrou medidas da comunidade internacional. “Peço aos aliados da Otan e da União Europeia que reajam imediatamente à ameaça representada à aviação civil internacional pelo regime de Bielorrússia. A comunidade internacional deve tomar medidas imediatas para que isso não se repita", disse Nauseda.
O presidente Alexander Lukashenko, da Bielorrússia, é conhecido por seus opositores e por parte da comunidade internacional, como “o último tirano da Europa”.
Eleito pela primeira vez em 1994, para um mandato até 2001, Lukashenko após uma série de manobras vem mantendo o cargo até a data atual. Uma nova constituição foi aprovada, apesar do protesto de grande parte do país, concedendo poderes ilimitados ao presidente. Para muitos a nova Carta Magna na prática criou uma ditadura legalmente amparada.
O jornalista Raman Protasevich é considerado um dos maiores críticos ao regime de Lukashenko e era procurado pelas autoridades. Após a inteligência da Bielorrússia confirmar a presença do dissidente a bordo do voo da Ryanair, as autoridades optaram por interceptar o Boeing 737 e realizar a prisão de Protasevich.