Excesso de judicialização do setor aéreo se torna uma preocupação durante retomada dos voos
Marcel Cardoso Publicado em 24/06/2021, às 11h30 - Atualizado às 14h48
Atrasos e cancelamentos na retomada preocupa empresas aéreas e passageiros
Com a retomada das viagens aéreas após um longo período de cancelamentos de rotas, diversos voos estão ainda sofrendo atrasos ou cancelamentos. Um estudo conduzido pela AirHelp mostra que um a cada trezes passageiros teve problemas envolvendo atrasos ou cancelamentos nos aeroportos brasileiros, entre janeiro e maio deste ano.
O aeroporto internacional de São Paulo (GRU) foi o que mais registrou problemas, com quase 26.500 pessoas afetadas. Se considerar apenas os atrasos acima de quatro horas, os terminais internacionais do Rio de Janeiro (GIG) e de Manaus (MAO) aparecem na sequência no ranking, depois de Guarulhos.
Atualmente a rota mais movimentada do país, entre Guarulhos e Recife, foi naturalmente a mais problemáticas no período, seguida da ligação entre Campinas (VCP) e Manaus (MAO), está última operada exclusivamente pela Azul, em três frequências diárias, onde 25% dos passageiros tiveram dificuldades.
Os atrasos gerados por diversos fatores, desde meteorologia até falta de tripulantes, passando por problemas de tráfego aéreo, manutenção, entre outros, gerou no Brasil uma indústria de indenizações. A própria AirHelp aponta que dos mais de 1 milhão de passageiros que tiveram atrasos ou cancelamentos em seus voos, apenas nos primeiros cinco meses do ano, aproximadamente 150.000 tem direito a algum tipo de indenização.
Há um ano, a Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata) revelou que os processos contra companhias aéreas brasileiras somavam de R$ 1 bilhão. Na época, o órgão já mostrava extrema preocupação com o agravamento da situação nos meses seguintes, devido à instabilidade do mercado em meio à pandemia e a insegurança jurídica. O Brasil está entre os países com maior número de ações judiciais contra empresas aéreas, gerando instabilidade no setor.
“Há uma série de fatos que só acontecem no Brasil que não tem paralelo internacional, como a responsabilização do setor aéreo por fatos gerados pelo clima. Essas distorções acabam no fim do dia penalizando o passageiro”, afirmou Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas, durante evento promovido em fevereiro para tratar do tema.
O assunto tem sido tratado na esfera federal, buscando um alinhamento entre as necessidades do setor aéreo e os direitos reais dos passageiros.
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), destacou que durante a pandemia mais de 94% da malha aérea nacional foi reduzida, frente as restrições de viagens e quase completa redução da demanda, criando um ambiente único e que deveria ser equalizado.
“Defender o consumidor não significa apenas a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mas uma política pública de defesa do consumidor eficiente e que ao mesmo tempo garanta seus direitos e também tem que garantir a oferta de produtos”, comentou Juliana Domingues, da Senacon.
Outro entrave tem sido a extrema judicialização brasileira, que com gratuidade da Justiça gerou uma distorção na necessidade de ações legais. Atualmente existem mais de 80 milhões de ações no Judiciário brasileiro, considerado um recorde mundial.
“A lei dos juizados especiais, a lei da ação civil pública, que trouxe a tutela coletiva, e a nossa estrutura de gratuidade da Justiça nos traz a percepção de que é muito fácil litigar no Brasil”, destacou Henrique Ávila, advogado e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.
Um dos reflexos da política de indenizações em massa é a elevação do preço das passagens, visto a necessidade das empresas aéreas se resguardarem de eventuais processos. “Entre 2019 e 2018 houve um crescimento de 142% na quantidade de processos no mercado doméstico”, comentou Bruno Bartijotto, diretor jurídico da Latam Brasil.
A Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata), destacou que o Brasil deveria aplicar a Convenção de Montreal, visando reduzir o contencioso existente e criar regras mais claras para passageiros e empresas aéreas.
“Temos um problema grave [de judicialização], que não onera somente o setor, o governo, mas sim os passageiros. Precisamos de uma universalização, com uma regulação alinhada aos mercados internacionais”, destacou Ricardo Catanant, diretor da Anac.