Programas regulatórios experimentais da Anac podem criam ambiente para desenvolver a aviação civil brasileira
Por Fabio Falkenburger e Vitor Barbosa* Publicado em 05/05/2023, às 11h00
Inovação. Embora ainda não conste em nenhuma lista oficial, talvez seja uma das palavras mais relevantes do século. Com potencial para definir com precisão a dinâmica do mundo moderno, o conceito de inovação é usualmente compreendido como sinônimo de melhoria, aperfeiçoamento e progresso. A profecia do “Bug do Milênio” não se cumpriu no final do século XX e, nos quase 23 anos que se passaram desde a descrença generalizada na capacidade dos computadores, a tecnologia tem avançado em ritmo estarrecedor.
Metaverso e inteligência artificial são conceitos cada vez mais presentes no vocabulário diário da sociedade moderna e embora as implicações morais e sociológicas dos avanços tecnológicos ainda careçam de estudos aprofundados, é cada vez mais notável o impacto das novas tecnologias nas questões jurídicas. O surgimento das empresas de tecnologia e das startups foi o gatilho do desenvolvimento de alternativas ao sistema jurídico tradicional e impositivo criado exclusivamente pelo Estado para regular uma atividade. A tecnologia avança a passos significativamente mais rápidos que os dos órgãos reguladores e instituições democráticas, fazendo surgir a necessidade de adaptação constante por parte do mercado.
É nesse cenário carente de regulamentação adequada para soluções inovadoras que surge o conceito de sandbox regulatório, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro de maneira oficial por meio da Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021, que instituiu o marco legal das startups e o do empreendedorismo inovador, permitindo a criação de programas regulatórios experimentais (sandbox regulatório) com o objetivo de flexibilizar a aplicação de normas em contextos controlados e específicos de modo a fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação.
O sandbox regulatório permite que os regulados usufruam de regras diferenciadas, menos burocráticas e mais adequadas aos diferentes modelos de negócio, sem abandonar a supervisão necessária dos órgãos reguladores. A possibilidade de adequação normativa conforme peculiaridades da atividade desenvolvida diminui a interferência da regulamentação na criação de novas tecnologias, conferindo maior liberdade ao mercado e estimulando o desenvolvimento de projetos inovadores. A flexibilização dos normativos em casos específicos e em contexto controlado é a principal vantagem do sandbox regulatório, que também contribui para a redução dos custos e tempo de maturação dos produtos, além de permitir uma curva de aprendizado por parte dos próprios órgãos reguladores.
Na vanguarda do processo de modernização regulatória, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), por meio da Superintendência de Infraestrutura Aeroportuária, elaborou a Portaria nº 10.128/SAI, de 9 de janeiro de 2023, que dispõe sobre o ambiente regulatório experimental relacionado aos temas de interesse da Superintendência. A portaria tem como objetivo fomentar a inovação no âmbito dos temas relativos à segurança operacional e segurança e facilitação da aviação civil (AVSEC), além de promover maior competitividade entre empresas, estimular a internacionalização, atrair investimentos e aprimorar o arcabouço regulatório para atender às novas tecnologias muitas vezes incompatíveis com a regulamentação setorial vigente.
A portaria estabelece regras para que os participantes possam compor o portfólio de sandbox regulatório e cria procedimentos que serão adotados pela Superintendência de Infraestrutura Aeroportuária para fins de monitoramento dos projetos. Em resumo, o sandbox regulatório permite que mercado e órgãos reguladores atuem conjuntamente em prol do desenvolvimento de novas tecnologias.
O uso inédito do sandbox regulatório na aviação civil se deu no dia 18 de abril de 2023, quando a ANAC celebrou um termo de admissão ao sandbox com a Vinci Airports para viabilizar a implementação de um sistema inovador de iluminação de pistas de táxi, pouso e decolagem, com fontes individuais de energia fotovoltaica, nos aeroportos de Tabatinga e Tefé, localizados no estado do Amazonas.
O primeiro passo dado pela ANAC é promissor e pode contribuir de maneira significativa para o avanço do setor aéreo brasileiro, sobretudo no que diz respeito às aeronaves remotamente pilotadas (RPAS ou drones) e aos eVTOLS (veículos elétricos de pouso e decolagem vertical). Equipados com tecnologia de ponta e em frequente processo de atualização e transformação, os RPAs e os eVTOLs estão sempre um passo à frente da regulamentação. O advento do sandbox regulatório poderá viabilizar novos modelos de operações de drones e poderá ser fundamental no desenvolvimento de um arcabouço normativo para regular a operação nos eVTOLs no futuro próximo.
*Fabio Falkenburger e Vitor Barbosa são, respectivamente,
sócio e advogado do escritório Machado Meyer Advogados