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A bordo

Veraneio com asas

Amigos compartilham avião para levar as famílias aos mais desejados destinos brasileiros, com custos menores dos que os da aviação comercial, enquanto satisfazem a paixão de pilotar


O engenheiro José Ribeiro de Andrade, o Juca, de 43 anos de idade, e o economista Laercio Sousa Longo, de 39, compartilham duas paixões. A mais evidente delas os motiva a levantar de segunda a sexta-feira para cumprir suas rotinas profissionais. Ambos trabalham na mesa de operações de bancos na Bolsa de Mercadorias e Futuros e se locupletam com o inebriante jogo financeiro do mercado de derivativos. Já a segunda, ainda mais latente, eles preferem desfrutar de fim de semana, com a família, se possível. Os dois são pilotos privados e não abrem mão de voar pelo menos duas vezes por mês a pérola que compraram juntos, um Beechcraft Bonanza.

A matrícula diz muito sobre o tipo de uso que os proprietários fazem do avião: Juliet, Lima, Fox. Conversando com os aviadores, fica evidente a intenção deles. "São as inicias de Juca, Laercio e Família", explica Juca, orgulhoso de seu monomotor abrigado no Campo de Marte, em São Paulo (SP). Longe do estereótipo do dono que adquire sua máquina apenas para ostentá-la, os dois traders demonstram um pragmatismo saudável ao falar da opção de ter uma aeronave. "Em vez de investir em uma casa de praia ou de campo, preferimos comprar um avião", resume Laercio. "Além de nos levar para qualquer localidade do país a custos bem menores do que os da aviação comercial, acumular horas de voo é um prazer indescritível. Estamos sempre atrás de pretextos para voar".

Quando compara os custos de seu avião particular com os do transporte regular, Laercio leva em consideração o orçamento de toda a família. Ele tem esposa e dois filhos enquanto Juca é pai de três crianças, e também marido. "Temos um custo variável de 300 reais por hora de voo com o Bonanza. Arredondando, levamos 10 horas para ir e voltar de São Paulo para o Sul da Bahia, o que significa 3.000 reais sem considerar despesas fixas, como hangaragem e seguro. Se fosse levar minha família toda de linha aérea, gastaria bem mais do que isso," compara Juca, que teve um Cirrus antes do Bonanza, também com Laercio como sócio. "Na época, minha caçula ainda viajava no colo. Mas, hoje, ela precisa de um assento exclusivo". O Cirrus comporta quatro ocupantes e o Bonanza, seis.

A economia de tempo também pesou na decisão de compra dos aviões. Juca gosta de viajar com a família para Búzios, no Rio de Janeiro. De carro, ele levaria sete ou oito horas para chegar. Com seu Bonanza, que pousa sem problemas na pista restrita da cidade imortalizada por Brigitte Bardot, o executivo cumpre o mesmo percurso em pouco mais de 45 minutos. Laércio faz conta parecida quando se refere a outros destinos para os quais costuma voar. "Já fui mais de seis vezes para Canela, no Rio Grande do Sul. Gosto também de Caçador, em Santa Catarina, onde visito as diversas vinícolas locais", diz Laercio.

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Bonanza em passagem baixa e sócios-pilotos no cockpit do avião (laercio, de boné, e juca)

A lista de destinos dos dois sócios-pilotos é interminável, ambos com mais de 400 horas de voo. Em 2008, eles compraram o Cirrus, juntos. No ano passado, trocaram-no pelo Bonanza, também em sociedade. "Dividimos os custos fixos e compartilhamos o avião. Para quem voa pouco, como acontece conosco, é mais vantajoso ter um avião em sociedade. Intercalamos os feriados e, nos fins de semana, negociamos o uso do avião. Às vezes, saímos apenas os dois para voar. E não são raros os dias em que decolamos à noite para treinar instrumento com toques e arremetidas", relata Juca. Embora trabalhassem na mesma área, Juca e Laercio só se conheceram em função das negociações de compra do primeiro avião. "Em 2005, comecei a procurar um sócio para comprar um avião. Na época, um amigo comum me falou do Laercio. Mas, num primeiro momento, ele declinou da ideia", lembra Juca. "Tinha o brevê desde os 19 anos (demorei três anos para tirá-lo porque o dinheiro do meu estágio era curto para pagar horas de voo). Cheguei a pensar em ser piloto profissional, só que a vida no mercado financeiro acabou me afastando da aviação... E havia muito tempo que eu não assumia um voo quando o Juca me procurou. Mas a proposta dele me estimulou a voltar a voar", completa Laercio, que reassumiu o manche em 2006 e, dois anos depois, assinava o contrato de compra de seu primeiro avião com Juca.

Adquirir um monomotor próprio também representou para a dupla de amigos um cuidado adicional com a segurança da família. "Quando o equipamento é nosso, a gente sabe quem estava sentado no cockpit antes de assumir um voo. Além disso, temos o compromisso de reportar ao outro cada barulhinho diferente que ouvimos, o que nos dá mais segurança de embarcar mulheres e filhos no avião. O mesmo vale para um pouso mais duro ou qualquer situação que possa determinar alterações de performance do avião", explica Juca, depois de decolar de Marte, no meio de uma tarde quente, com quatro a bordo e urubus voando nos arredores. Na opinião de ambos, a aviação é um hobby democrático. Atende entusiastas de todas as idades, com poder aquisitivo diverso. "Existem desde aeronaves experimentais que custam menos do que um carro até os bimotores de milhões de dólares. O importante é que, independente do perfil do aviador, a paixão é a mesma", acredita Laercio. "No alto, a gente se sente diferente, especial, tem uma visão panorâmica do mundo, essa é uma sensação que faz muito bem à alma", acrescenta Juca. Paralelamente, os dois também sabem que um piloto proficiente tem virtudes úteis em outras áreas. No caso deles, o foco é uma qualidade desejável na hora de tomar decisões ali na mesa de operações. "E foco é o que não falta para um piloto", diz Juca.

Giuliano Agmont | Fotos Rodrigo Cozzato
Publicado em 07/11/2011, às 14h21 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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