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Sun'n fun 2013

História viva na Flórida

Participar deste que é um dos maiores eventos aeronáuticos dos Estados Unidos significa testemunhar grandes momentos da aviação na forma de clássicas raridades


Os T-6 do Aeroshell Acrobatic Team são um show à parte

A vantagem de Sun'n Fun frente aos outros shows aéreos é a de ser realizado em Lakeland, a cerca de uma hora de Orlando, o que o torna a viagem ideal para ser feita com a família. Há aviões para os maridos, outlets e shopping centers para as esposas e as atrações de Disney, Universal, Epcot Center e outros parques para os filhos. A viagem começa num 777-200 da American Airlines para Miami. Lá realizamos uma escala para embarcar num 757-200 equipado com winglets para o curto voo até Orlando, onde pego meu carro e sigo para o hotel.

Chego cedo a Lakeland. Devidamente credenciado, antes de me dirigir ao portão de entrada, não resisto à tentação de entrar no Florida Air Museum, mais conhecido como Sun'n Fun Air Museum, que apresenta uma mostra dos melhores exemplares que a aviação oferece, incluindo projetos exclusivos, aviões clássicos, ultraleves, antigos e clássicos, e warbirds. O museu também homenageia pioneiros da aviação, como Howard Hughes. A entrada já impressiona. Um belíssimo Lockheed T-33 pintado nas cores dos Thundebirds é mostrado num pedestal, flanqueado por dois raríssimos protótipos: um caça Lockheed XFV-1 Salmon (o único que voou, dos dois construídos) de decolagem vertical que pousava sobre a cauda cruciforme com o nariz para cima, projetado para a Marinha dos EUA no início dos anos 1950, com a intenção de proteger comboios; e um hidroavião de caça Convair F2Y Sea Dart, que se apoiava sobre dois hidroesquis para decolar. O avião exposto é um dos quatro sobreviventes dos cinco construídos. Nunca entrou em produção, mas ainda é o único hidroavião supersônico e pertence ao Museu Nacional de Aviação Naval localizado na Base Aeronaval de Pensacola.

O tempo passa rápido e quando percebo mal dá para almoçar antes que comece o show aéreo. Fico surpreso com o reduzido público presente. O comentário geral é que, além da crise, o interesse diminuiu porque o ponto alto do show aéreo dos anos anteriores, as esquadrilhas acrobáticas da Força Aérea (os Thunderbirds) e da Marinha dos Estados Unidos (os Blue Angels), que se apresentavam em anos alternados, tiveram a sua presença cancelada após o governo norte-americano ter suspenso os subsídios a esses grupos de aviação.

O que se vê é um espetáculo simples, com voo em formatura de uma esquadrilha de pequenos monomotores e acrobacias com aviões Extra 300 e CAP, além de dois ótimos shows: um de wingwalking e outro de acrobacia com um Stearman. Mais uma demonstração interessante fica por conta de uma esquadrilha acrobática local composta por quatro Aero L-39 Albatros, dois MiG-17 (que não decolam) e um T-33, isso sem falar do show aéreo noturno, que iluminaria a noite de sexta-feira.

O excelente piloto John Mohr e o seu Stearman

A exposição estática parece também ter sentido os efeitos da crise. Grandes espaços vazios podem ser vistos nos estacionamentos dos diferentes tipos de aeronaves. No pátio pavimentado se destaca uma interessante exposição de aviões pertencentes à Commemorative Air Force (ex-Confederate Air Force), um grupo que se dedica à restauração e manutenção para voo de aeronaves militares, algumas delas únicas no mundo, como o Curtiss SB2C Helldiver entre um B-25 e um P-51. Também ali vejo aviões interessantes e difíceis de serem encontrados: um Hawker Tempest e um Bell P-63 King Cobra, pertencentes ao Florida Air Museum.

Mas Sun´n Fun ainda é um dos grandes encontros mundiais da aviação geral. Nos estandes, temos fabricantes de todo tipo de aeronaves, assim como vendedores de todo tipo de peça. Entre os grandes, destaque para a presença de marcas como Piper, Cessna, Beechcraft e Pilatus. Além disso, as atrações de Sun'n Fun não se limitam ao evento em si. É fundamental passar um dia em Cabo Canaveral e outro no Fantasy of Flight. No primeiro, o Kennedy Space Center mostra didaticamente a conquista do espaço, e dezenas de foguetes e cápsulas espaciais podem ser vistos no "Jardim dos foguetes". É possível visitar uma réplica de uma sala de controle e até sentir a terra tremer na hora de um lançamento. Um prédio enorme destinado às missões Apolo mostra uma réplica em tamanho real de um foguete Saturno, dividido nas suas diferentes seções e, em vários locais, filmes mostram quase tudo o que o visitante pode querer saber sobre as missões espaciais americanas, das vitórias às tragédias, como a do Apolo I, passando pelo inesquecível drama da Apolo XIII. Antes de voltar, é importante fazer o tour num ônibus que a cada 15 minutos vai até o local do centro operacional junto ao qual estão as arquibancadas que todos já tivemos oportunidade de ver na TV, onde os convidados especiais presenciam os lançamentos a uma distância considerável.

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Foto: Santiago Oliver
Fantasy of Flight

Foto: Santiago Oliver
Lockheed XFV-1 Salmon

O ponto alto da viagem é a visita ao Fantasy of Flight, o fantástico museu particular criado por Kermit Weeks, que surpreende não apenas pela quantidade, mas pela qualidade das aeronaves expostas, muitas delas em condições de voo, como o enorme hidroavião quadrimotor Short Sunderland. Porém, o que mais chama a atenção é o avião que está estacionado perto da estrada. Trata-se do mais bonito e último integrante da família de elegantes Constellation, o Lockheed L-1649 Starliner. Apenas 44 exemplares foram construídos desta aeronave, que combinava a fuselagem do L-1049 Super Constellation com novas asas de pontas retas, com envergadura de 46 m e quatro motores radiais turboalimentados Wright R-3350 988 TC18-EA-2, de 28 cilindros, que lhe permitia voar sem escalas da Califórnia até a Europa. Há quatro Starliner no mundo. Em 2007, a Lufthansa comprou três aviões que iam ser sucateados no estado do Maine (EUA), reformou o c/n 1040, deixando-o em condições de voo e hoje está exposto no Fantasy of Flight. O segundo também está sendo restaurado para o voo pela Lufthansa. O que resta do terceiro serviu para os anteriores, e o quarto está na África do Sul e deverá ser sucateado se ninguém se interessar por ele.

Em frente aos dois hangares de exposição há um Consolidated PBY-5A Catalina, um belíssimo Douglas C-47 e um raro bombardeiro da Segunda Guerra Mundial, Martin B-26 Marauder. Nos hangares, impecáveis Ford Trimotor de 1929, Curtiss Robin de 1928 e trimotor Stinson 1931, além do já mencionado Sunderland, contrastam pelo tamanho com uma série de aviões de corrida da década se 1930, dentre os quais vários modelos da família Gee Bee, originais e réplicas de aviões da Primeira Guerra Mundial e dos anos 1920 e um hidroavião Sikorsky S-39C, de 1931, assim como uma bomba voadora Fieseler F.103 (V1) e um Bachem Ba.349 Natter.

Foto: Santiago Oliver
Douglas Skyraider

O destaque do passeio, porém, está nas duas salas que dão acesso aos hangares. A primeira representa de forma muito real uma cena das trincheiras alemãs durante a Primeira Guerra Mundial, com um caça francês SPAD pendurado sobre elas, como se estivesse atacando. A sala é escura ficando iluminada apenas pelo brilho das "explosões". O cenário é fantástico e o espetáculo de luz e som, dos melhores. Já a segunda sala representa uma cena de manutenção de um Boeing B-17 Flying Fortress. O solo barrento e com poças d'água perfeitamente representado por onde o visitante deve andar permite o acesso ao interior restaurado da aeronave. A asa esquerda aparece aberta e com um dos motores no solo. O curioso fica por conta de um mecânico que parece estar deitado de costas dentro da asa. A única coisa que se vê são as pernas, uma apoiada numa longarina e a outra, pendurada, fica se mexendo para frente e para trás.

Visitas guiadas saem de hora em hora para o hangar de restauração, o depósito de motores (centenas deles perfeitamente identificados e dizendo em que aviões eram usados) e os três enormes hangares que abrigam as aeronaves que esperam - montadas ou desmontadas (mas com as peças etiquetadas) - a hora de voltar a mostrar seu antigo esplendor. Junto a um deles há vários contêineres, inacessíveis ao público, mas que contêm (acabo descobrindo) um Supermarine Spitfire com motor Griffon, um Republic P-47 Thunderbolt e um Avro Lancaster.

No hangar de restauração vejo dois modelos raríssimos e que estão sendo colocados em condições de voo: um Seversky P-35 e um dos 10 Curtiss CW- 19R utilizados pela Bolívia até 1949 (esta aeronave, um monoplano monomotor biposto de treinamento e com trem de pouso fixo carenado, é única no mundo e da qual foram construídas cerca de 30). Já o P-35 é um dos quatro que ainda existem dos 196 construídos.

Dentre as avis raras inteiras (ou quase) que esperam para serem restauradas, podem ser vistas as seguintes: Consolidated PBY-5A Catalina com torreta no nariz, Mitsubishi A6M Zero, Grumman F9F Cougar, F6F Hellcat e F7F Tigercat, Fairey Swordfish, Junkers Ju-52, Lockheed P-38J Lightning, Commonwealth Wirraway, C.A.C. Boomerang, Douglas B-23 Dragon e SBD Dauntless, Curtiss Oriole de 1920 e SNC-1 Falcon, Martin Dart de 1922 e muitos outros. Poucos museus no mundo têm tantos aviões para restaurar. Para fechar o passeio, antes de seguir para as compras do sábado, voo num New Standard D25 de 1931.

| Santiago Oliver, De Lakeland | Fotos | Ricardo Beccari
Publicado em 14/05/2013, às 04h58 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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