Supertormenta sobre os Estados Unidos cancela 16.000 voos no mundo todo
De acordo com as cartas climatológicas, o furacão Sandy formou-se precisamente onde é mais frequente a origem das tempestades tropicais do Atlântico Norte em outubro, a região do Caribe ao norte da costa da Venezuela. Ali a temperatura da água de superfície do mar é de 29 graus C ou mais. Dia 22, o distúrbio inicial tornou-se a Depressão Tropical número 13 do mês, na posição 13,5 graus de latitude norte e 78 graus de longitude oeste. Apenas seis horas mais tarde, intensificou-se para Tempestade Tropical, recebendo o nome Sandy, conforme a lista alfabética da temporada. Algumas dessas tempestades tropicais caribenhas de fim de estação tiveram, no passado, trajetória voltada para o norte, afetando sucessivamente Jamaica, Cuba, Bahamas e leste dos EUA, e os modelos matemáticos previam exatamente este comportamento para Sandy, como acabou acontecendo.
Além de preverem acertadamente a trajetória futura de Sandy, os modelos também previam uma condição agravante, e mesmo assustadora para os norte-americanos, pois sua entrada em terra na costa leste americana, coincidiria com a chegada de um cavado (zona de baixa pressão) formado na corrente de ventos de oeste em altitude. Normalmente, os ventos frios e secos do cavado de altitude contribuem, junto com o atrito sobre terra, para destruir rapidamente o furacão, mas, nesse caso, a interação de ambos os sistemas, o tropical e o de latitude média, poderia resultar numa supertempestade ciclônica, em razão de circunstâncias excepcionais, ou seja, um híbrido entre ciclone tropical e ciclone extratropical. A transformação de ciclone tropical (furacão) a ciclone extratropical é mais comum do que parece. Muitos furacões que passam tangentes ou ao largo da costa norte-americana atravessam o Oceano Atlântico e vão afetar as ilhas britânicas, por exemplo, como ciclones extratropicais.
Sandy nunca chegou a ser um furacão extremamente forte. Atingiu a máxima intensidade na Categoria 2 (ventos de 83 a 95 nós), ao passar por Santiago de Cuba no dia 25 de outubro com ventos de 110 mph, causando a morte de 11 pessoas naquele país e 54 no vizinho Haiti. Depois de varrer as Bahamas com intensidades variáveis, a área de atuação dos ventos mais fortes expandiu-se para 1.500 km de diâmetro. O rumo que apontava para o largo da costa leste dos EUA, na segunda-feira, dia 29, voltou-se para o continente e à noite o olho da tormenta atingiu a costa de Nova Jersey com rajadas de 80 mph no aeroporto JFK, 78 mph em Newark, e 77 mph em Atlantic City. Os METAR (observações horárias dos aeroportos) da área chamam a atenção pelos valores elevados das rajadas, comparadas ao vento firme, e outras características paradoxais. Por exemplo, às 2351Z do dia 29 em JFK, vento de leste com 46 kt (nós) e rajadas de 69 kt, temperatura 16ºC enquanto pontos do lado oposto do ciclone informavam 8º, refletindo a entrada de ar frio polar pela retaguarda do vórtice - parte do processo de transformação rápida de estrutura tropical para extratropical do ciclone. (Nota: 1 nó = 1,85 kmh = 1,15 mph).
Entre outros efeitos, alguns paradoxais, como nevascas na Virginia do Oeste e enchentes em Nova York, além de mais de 100 mortos nos EUA e Canadá, o furacão Sandy tornou-se um dos fenômenos meteorológicos que mais prejuízos trouxe à aviação internacional nos últimos tempos. Entre a noite de segunda-feira dia 29 e a manhã de terça dia 30, segundo a Flight Ware, a tempestade já havia causado o cancelamento de quase 16.000 voos em todo o mundo, numa reação em cadeia que lembrou o caos causado pelas cinzas do vulcão islandês em abril de 2010. Certamente, os prejuízos não se deveram à falta de aviso, pois as previsões oficiais já indicavam com até duas semanas de antecedência a probabilidade da supertempestade sobre o leste dos EUA. Entretanto, especialistas consultados pelo jornal The New York Times chamaram a atenção para aspectos inusitados do comportamento de Sandy e de outros ciclones tropicais recentes. A onda de maré que alagou Nova York "certamente foi intensificada pela elevação do nível médio do mar que se verifica há décadas", segundo o meteorologista Kerry Emanuel, do MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts). Além da tendência de aumento dos furacões, eles estão ficando "estranhos", as tempestades estão maiores e "com pressões centrais muito baixas sem a contrapartida de ventos mais fortes em superfície", comenta o especialista.
Rubens J. Villela
Publicado em 21/11/2012, às 15h02 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
+lidas