AERO Magazine
Busca

Cockpit Talk

Nova Infraero

A privatização dos principais aeroportos do país pode levar ao fim do terminais regionais e deficitários


A Infraero foi criada em maio de 1973. Hoje poucos são os aviadores em atividade que voaram antes de sua criação e lembram profundamente da infraestrutura aeroportuária naquela época. Eu sou um deles e posso afirmar que, em sua quase totalidade, os nossos aeroportos estavam ultrapassados. Começando pelo aeroporto de Congonhas, já na época o principal e mais importante aeroporto brasileiro que, sob a administração do DAESP – Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo, continuava operando como no ano de sua criação, em 1936. Claro, é uma “força de expressão”, porém, o cenário encontrado em todos os nossos aeroportos era o do filme Casablanca.

Operados pelas prefeituras municipais ou governos estaduais, através dos seus departamentos aeroviários, os aeroportos eram recantos românticos e atrações turísticas das cidades onde as famílias iam aos domingos ver os aviões pousarem e decolarem. 

O aeroporto de Congonhas tinha um terraço para o público ver a movimentação dos aviões, um conhecido café onde os boêmios encerravam suas noitadas e até um enorme salão de baile, onde aconteciam os principais bailes de formatura da cidade.

Debaixo desse tapete de glamour, escondia um “cabide de empregos” sórdido e uma corrupção deslavada. Este mesmo desenho se repetia em todas as capitais brasileiras e nos aeroportos municipais. Por parte dos governos estaduais e municipais, não havia e não há hoje o menor interesse em se fazer investimentos na modernização ou na infraestrutura, em razão do pequeno ganho político.

Essa situação era tão verdadeira que, no final da década de 1960, o então governo militar viu a necessidade de fazer um amplo programa de modernização em todos os nossos principais aeroportos. Na ocasião em razão das necessidades impostas pelos modernos jatos comerciais, com capacidade para 120 ou até 200 passageiros, que demandavam pistas mais longas, grandes pátios de manobras e salas de embarque com maior capacidade.

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, o aeroporto de Congonhas passou a operar já na década de 1960, sem qualquer modernização, voos internacionais realizados por grandes jatos como o Caravelle, Boeing 727, entre outros. Dá para se ter uma idéia do que era operar essas grandes aeronaves em uma pista como a de Congonhas e o “conforto” dos passageiros nas operações de embarque e desembarque.

Esse era o cenário que o então Ministério da Aeronáutica encontrava em todos os grandes aeroportos brasileiros. De um lado a necessidade de grandes investimentos na modernização e até construção de novos aeroportos, como foram os casos de Viracopos, em Campinas, Cumbica, em Guarulhos, Galeão, no Rio de Janeiro, entre outros.

Seguindo uma tendência na criação de grandes empresas especializadas na operação de grandes aeroportos, que já vinha ocorrendo na Europa, a solução foi a criação da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária ou Infraero, que assumiu a operação de todos os principais aeroportos brasileiros.

Para aqueles que hoje atacam a Infraero, rotulando-a de “elefante branco”, cabide de empregos, ineficiente e corrupta, entre outros adjetivos impublicáveis, gostaria de lembrar que, nestes 46 anos de existência a empresa construiu e modernizou todos os principais aeroportos brasileiros, além de formar uma mão de obra especializada de mais de 10.000 funcionários, única na gestão de operação de aeroportos.

Gostaria de reproduzir um texto publicado na Wikipédia que poderá dar uma dimensão da importância e eficiência da empresa, quando bem administrada: “Em 2011, então com 66 aeroportos e 9.978 funcionários, a Infraero movimentou mais de 180 milhões de passageiros, além de contar com 81 unidades de apoio á navegação aérea. Nesse exercício obteve um lucro líquido de R$370,8 milhões de reais”.

Festejada como uma das principais empresas de gestão e operação aeroportuária do mundo, a Infraero é hoje uma “Geni”, em que todos atiram pedras, depois de loteada para partidos políticos e dirigida por ladrões e incompetentes da pior estirpe, espoliada e saqueada de todas as formas. É hoje algo a ser defenestrado por “qualquer vintém”.

Lanço um alerta á todos aqueles que acham que o modelo de concessão em “lotes” será a formula mágica para nos livrarmos da Infraero e dos aeroportos que não são superavitários. Afirmo, nenhum empresário irá investir o lucro de um aeroporto superavitário em outros que dão prejuízo. A saída será encontrar uma forma de fechar esses aeroportos. Não haverá qualquer tipo de modelagem ou contrato que obrigará as empresas continuarem a colocar “dinheiro bom em negócio ruim”.

Lembro que, nos bons tempos, dos 66 aeroportos da Infraero, apenas dez ou doze davam lucro. Os demais eram sustentados pelos lucrativos. Ainda assim, a Infraero era uma empresa lucrativa graças ao conceito operacional, onde todas as áreas eram exploradas comercialmente, seja em publicidade ou comercio fixo.

Neste momento vivemos um grande desafio de fazer crescer a nossa malha aeroviária através da aviação regional. Teremos de levar transporte aéreo para 200 novas cidades brasileiras. Isto significa que deveremos preparar e operacionalizar estes novos aeroportos.

Pergunto quem fará isso? As prefeituras municipais ou os governos estaduais?

Caso pretendamos que esses municípios ou estados assumam essas operações, o que acontecerá será a criação “200 novas Infraeros”. Claro que todos os novos governos querem “limpar a casa”, desfazendo-se daquelas empresas deficitárias e que não apresentem boas perspectivas de resultado.

Como homem de aviação, sei que, para colocarmos mais 100 milhões de passageiros em nossas empresas regulares teremos de ir buscar passageiros nestes novos destinos regionais. Isto implica administrar 200 novos aeroportos. Assim como estamos fazendo com a Petrobras, Correios, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, entre outros, deveremos pensar diferente com a Infraero, assim como fizemos em 1973, quando de sua criação. Para isso a empresa deverá se reinventar e modernizar.

Decio Corrêa é piloto e empresário da aviação.

Por Décio Corrêa
Publicado em 31/05/2019, às 14h00 - Atualizado às 16h07


Mais Notícias