Empresas de serviços auxiliares ao transporte aéreo garantem eficiência no solo, reduzem atrasos e impulsionam receita e sustentabilidade do setor

Para a maioria dos passageiros, a aviação é uma experiência quase mágica que começa no momento da compra da passagem aérea e se encerra com a chegada ao destino. O que acontece entre o pouso e a decolagem, na intrincada operação no pátio aeroportuário, permanece invisível.
No entanto, por trás de cada decolagem e de cada bagagem entregue, está a atuação das Empresas de Serviços Auxiliares ao Transporte Aéreo (ESATA). No Brasil e no mundo, é importante que o setor aéreo reconheça o papel estratégico dessas empresas, mudando a percepção de um simples centro de custo para um parceiro essencial na segurança, pontualidade e rentabilidade de todo o sistema.
As ESATA são a coluna vertebral operacional em qualquer aeroporto. Com uma gama imensa e multifacetada de responsabilidades, elas cuidam do manuseio de passageiros, bagagens, cargas e correios, além de serviços de rampa e limpeza das aeronaves. São igualmente cruciais para a Segurança da Aviação Civil contra Atos de Interferência Ilícita, conforme regulamentação da ANAC.
Nesse contexto, elas são protagonistas na execução do canal de inspeção (para passageiros e bagagens de mão contra itens proibidos), na operação do Baggage Handling System – BHS (com triagem de segurança e rastreamento de bagagens despachadas) e na realização da varredura (inspeção de aeronaves e áreas operacionais para detecção de objetos suspeitos).
A coordenação exemplar desses processos é fundamental para mitigar riscos, proteger o sistema de aviação civil e assegurar a integridade e a confiança inabalável em cada voo, sem a qual nenhum voo decolaria ou pousaria com a segurança esperada. Essas empresas são responsáveis por todo o processo de turnaround, o período em que a aeronave está no solo entre os voos, que pode envolver até 150 atividades individuais, com dezenas de atores.
Aqui, a eficiência das ESATAs é primordial. Estudos mostram que a eficiência no solo se traduz diretamente em receita para as empresas aéreas. Reduzir o tempo de turnaround de 40 para 30 minutos pode aumentar o número de viagens anuais em 8% para um trecho como São Paulo-Brasília. Isso se traduz em mais voos com a mesma frota, diluindo custos fixos e otimizando a utilização de ativos. Um turnaround eficiente é crucial para o sucesso das empresas aéreas, especialmente em operações regionais e de curta distância.
A qualidade do serviço de solo impacta diretamente a pontualidade e a utilização dos ativos das empresas aéreas, afetando a satisfação dos passageiros e da tripulação. Um possível atraso de apenas 15 minutos em um turnaround de uma hora pode gerar um "efeito dominó" que se espalha por toda a malha aérea, afetando voos subsequentes, passageiros e tripulações. O custo dessa ineficiência é grande: estudos europeus estimam que cada minuto de atraso pode custar às empresas aéreas cerca de US$110.
A agilidade e precisão nesse processo são cruciais para as empresas aéreas, especialmente as de baixo custo (LCCs), pois um turnaround rápido permite maior utilização da frota e a natural diluição dos custos. É uma questão de otimização de ativos, um fator crítico de rentabilidade, especialmente em um cenário de escassez global de aeronaves.
Apesar de sua relevância estratégica, as ESATAs têm sido pressionadas por uma lógica de corte de custos. A pandemia expôs a fragilidade desse modelo. A recuperação do tráfego aéreo foi severamente prejudicada pela falta de pessoal qualificado nas ESATAs, resultando em voos cancelados, mais atrasos e bagagens extraviadas. Isso demonstrou, sem sombra de dúvida, que tratar esses serviços como um custo descartável ameaça a resiliência do setor.
As consequências desse desequilíbrio são sistêmicas e custosas. Além dos atrasos, os danos causados por incidentes em solo representam outro custo oculto e sistêmico. A IATA estima que esses danos custam à indústria US$ 5 bilhões anualmente, com projeções de atingir US$ 10 bilhões até 2035. Isso é um sintoma de um sistema que prioriza baixo custo em detrimento do investimento em tecnologia e treinamento adequado, o que nos leva aos desafios enfrentados atualmente.
No Brasil, apesar de os serviços fornecidos pelas ESATAs representarem apenas 2,8% dos custos totais das empresas aéreas brasileiras no primeiro trimestre de 2025, equivalendo a US$ 3,25 por passageiro transportado, conforme dados da ANAC, o impacto indireto desses serviços na receita e na satisfação dos clientes é significativo. Nesse momento vale lembrar que “cada minuto de atraso pode custar às empresas aéreas cerca de US$110.”
A força de trabalho é o maior custo para as ESATAs, representando de 60% a 80% dos custos totais. A pressão por menores preços resulta em salários mais baixos, alta rotatividade e escassez de pessoal qualificado. Essa desvalorização fragiliza a operação, tornando-a suscetível a erros e atrasos, além de greves que podem paralisar o sistema.
Valorizar as ESATAs não é um luxo, mas uma necessidade estratégica para a sustentabilidade da aviação. A solução passa não por mais cortes de custos, mas por uma mudança fundamental de paradigma para compreender essas empresas como parceiras estratégicas indispensáveis, fundamentada em quatro pilares:
As ESATA não são um mero centro de custos, mas alavancas estratégicas que habilitam receitas. A previsibilidade e a confiabilidade proporcionadas por serviços de solo de qualidade permitem que as equipes comerciais das empresas aéreas vendam conexões mais curtas com confiança, expandindo o alcance da malha aérea sem a necessidade de adicionar mais aeronaves.
Um serviço de solo confiável e previsível se torna uma ferramenta comercial valiosa, permitindo às empresas aéreas aumentarem a utilização de suas aeronaves e até oferecer serviços premium, como manuseio prioritário de bagagem, monetizando a eficiência das operações de solo. Além da eficiência e retorno comercial, a otimização das operações em solo contribui diretamente para as metas de sustentabilidade da aviação.
Menos tempo de táxi, espera com motores ligados e o uso otimizado de Unidades de Energia Auxiliar (APU), reduzem significativamente o consumo de combustível e as emissões de CO2. Estima-se que um minuto de atraso com o motor ligado no solo pode gerar 3 a 13 kg de CO2.
A aviação comercial está em uma encruzilhada. A capacidade de crescer e prosperar em um ambiente de recursos limitados dependerá da eficiência de cada elo da sua cadeia de valor. Chegou a hora de reconhecer que o caminho para um futuro mais resiliente, eficiente e lucrativo começa no solo.
Valorizar as ESATAs é uma decisão de negócios inteligente que a aviação pode tomar hoje. Quebrar barreiras e explorar o inexplorado nos serviços em solo, priorizando resultados mensuráveis e implementando soluções eficazes, agilizando processos e unindo forças para um ecossistema mais robusto e preparado para os desafios do século XXI, garantirá que a aviação comercial continue a decolar segura, pontual e próspera, rumo a um futuro cada vez mais sustentável.
*Dany Oliveira tem mais de 20 anos de experiência em liderança e gestão
estratégica, com destaque na indústria de aviação. Atuou como Country Manager da
IATA no Brasil, onde liderou as ações da associação e as iniciativas da transição
energética e sustentabilidade do setor. Anteriormente foi Head de Desenvolvimento de
Negócios no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte e ocupou cargos executivos na
Delta Air Lines e Embraer, onde gerenciou desenvolvimento de negócios e alianças
estratégicas. Formado em engenharia industrial, possui MBA executivo pela FGV e
diversos cursos de especialização no MIT, Cranfield University, IMD Business School e
USP.
Por Dany Oliveira*
Publicado em 30/09/2025, às 08h02
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