Projetado na Itália em 1919, o Transaereo era o maior avião de sua época e desejava ser rival dos transatlânticos
Poucos sabem, mas em 1919, na Itália, surgiu um enorme avião para até 100 assentos, que prometia rivalizar com os transatlânticos na preferência dos passageiros. A aviação mal havia completado duas décadas e uma infinidade de projetos aeronáuticos despontavam quase semanalmente. O transporte aéreo mostrava ser promissor, com cada vez mais interessados em ser aventurar pelos ares.
O genial engenheiro aeronáutico Giovanni Capronie e o engenheiro e piloto Alessandro Guidoni se debruçaram para atender a um mercado que parecia promissor, o de viagens intercontinentais por via aérea. Os passageiros europeus de primeira e segunda classes que abarrotavam os navios rumo aos Estados Unidos (e vice-versa) pareciam potenciais clientes para um avião que pudesse cumprir a mesma viagem em menos tempo.
O problema era um só, nenhum avião existente podia arriscar um voo intercontinental, sobrtudo carregando uma centena de passageiros. Cientes do desafio, os dois engenheiros passaram a tentar uma solução bastante audaciosa.
Caproni era famoso por seus aviões, que se destacavam pelas qualidades de voo, colocando a Itália entre as referências mundiais em construção aeronáutica. Inclusive, a nascente indústria aeronáutica japonesa buscou na Caproni uma parceria tecnológica. Enquanto isso, Guidoni era um famoso militar, que havia servido na Guerra Ítalo-Turca (1911-1912) como piloto. Após o final do conflito passou a estudar armas para aplicação aeronáutica, tendo desenvolvido uma bomba guiada, por giroscópio, para ser usada contra alvos distantes e de precisão. Em 1912, como capitão, realizou alguns lançamentos experimentais de torpedos voando um biplano Farman.
A dupla projetou então o maior avião da época, o Caproni Ca.60, batizado com o sugestivo nome de Transaereo. O avião era completamente fora dos padrões daquele início de década de 1920, sua única semelhança com projetos de grande porte era o fato de ser um aerobote. Com uma aviação que ainda estava na primeira infância, a infraestrutura era bastante limitada, com poucas pistas, sendo a maioria de terra ou grama. Porém, um avião com capacidade para transportar 100 passageiros não teria condições de decolar das curtas e despreparadas pistas da época. Construir novas não era viável. A solução foi seguir o conceito de hidroavião, criando um enorme aerobote. A fuselagem era retangular, aproveitando o máximo do espaço interno. O formato hoje inusitado era plausível nos projetos desse fase da aviação. Permitia uma construção simplificada, exigia menor reforço estrutural, e proporcionava condições ideais para instalação do casco. Além disso, o estudo em aerodinâmica inda era rudimentar, com essa ciência ainda engatinhando. Tanto que a solução para as asas foi a mais estranha possível. Sem conhecimentos para criar um perfil aerodinâmico de grande eficiência, os projetistas tendiam a usar o conceito de biplano ou triplano nos aviões. A ideia era bastante simples e eficiente. Possibilitava uma grande área, importante para sustentação desejada, em um espaço reduzido. Os motores da época além de pouco confiáveis dispunham de pouca potência, se comparado aos motores atuais. Isso obrigada que o Transaereo tivesse, segundo os cálculos dos dois engenheiros, no mínimo uma área de asa com 700 m². Como efeito de comparação, a área de asa do Airbus A380, o maior avião de passageiros da atualidade, possui uma asa com 845 m² de área. A envergadura é de impressionantes 79,75 m. Seria inconcebível na década de 1920 sugerir uma asa tão grande. Provavelmente o engenheiro seria chamado de louco. Nada tão grande poderia voar. Porém, o Transaereo continuava exigindo mais de 700 m² de área de asa.
A solução foi criativa, usar o conceito de triplano. Assim podiam ter uma ampla área em pouco espaço. Com um porém, seriam necessárias três seções de asas, triplanas. Ou seja, três vezes três e o Transaereo era um noviplano.
Com isso conseguiram criar uma envergadura de 30 m, que possibilitou uma asa de 750m² de área. Era uma solução perfeita. Bastou incluir a fuselagem com comprimento de quase 25 metros e oito motores V12 Liberty L-12 de 400 hp cada e seria moleza cruzar o Atlântico com seu peso máximo de decolagem de 26 toneladas.
Além do casco principal, os projetistas instalaram com dois flutuadores laterais localizados sob o conjunto central da asa, que atuariam como estabilizadores nas manobras na água. Como o avião deveria ter um bom desempenho na água, para ganhar velocidade suficiente para decolar, superfícies hidrodinâmicas de elevado desempenho conectavam dois hidrofólios localizados perto do nariz da aeronave.
Entre fevereiro e março de 1921, uma série de testes de taxiamento foram conduzidos. O objetivo era verificar o comportamento da aeronave na água, estabelecer a velocidade de rotação (manobra que permite o avião decolar) e assegurar a performance dos motores. Em 2 de março, o avião foi carregado com 300 kg de lastro, e após atingir apenas 43 nós (80 km/h), decolou pela primeira vez. O curto voo permitiu aos pilotos certificarem das qualidades e características de voo da aeronave. Uma das tendências notadas foi de elevar o nariz mesmo em voo reto e nivelado. Provavelmente pela má distribuição de peso a bordo, que alterava o centro de gravidade.
No dia 4 de março, o piloto de testes Federico Semprini –resolveu realizar alguns testes de taxiamento antes de realizar o segundo voo. Sem o conhecimento de Caproni iniciou algumas manobras no Lago Maggiore. O avião havia sido abastecido e recebeu sacos de areia, montados sobre os bancos, como lastro. O objetivo era proporcionar uma característica de voo próxima de uma operação regular. Ao decolar o avião que estava próximo do seu peso máximo de decolagem mal iniciou sua subida e subitamente caiu nas águas do lago. Com severos danos na estrutura o Transaereo afundou rapidamente.
Como não existia um centro de investigação de acidentes aéreos naqueles tempos, nunca se soube a real causa do acidente. Os tripulantes foram resgatados e o piloto Semprini afirmou que realizava algumas manobras quando notou uma balsa de passageiros diante do avião. Com velocidade elevada, mas sem ter certeza se era suficiente para decolar, ele optou por puxar o manche e tentar decolar imediatamente. Seu temor era colidir com a embarcação. O avião voou por alguns metros, mas perdeu sustentação e bateu na água.
Uma teoria da época afirma que o avião tinha velocidade para decolar, mas possivelmente pela manobra brusca os sacos de areia caíram dos bancos e correram para o fundo do avião, que perdeu seu centro de gravidade. Sabe-se que o avião manteve a atitude com nariz alto, até cair. Na ocasião Semprini foi acusado de manter o manche puxado, enquanto deveria ter cedido para o avião descer o nariz e ganhar velocidade. Porém, jamais foi comprovada a causa do acidente.
Sendo o único protótipo e sem dinheiro para produzir outro avião, a industria Caproni abandonou o sonho de um avião de passageiros de grande porte. Alguns de seus destroços foram resgatados e se encontram no Museo dell'Aeronautica Gianni Caproni, em Trento, no norte da Itália.
Mesmo sem jamais ter realizado um voo de longo curso, o Transaereo foi até meados da década de 1930 o maior avião construído, se antecipando em vários anos aos gigantes aerobotes da Pan Am e ao transporte aéreo de massa em voos entre a Europa e os Estados Unidos.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 11/05/2018, às 20h30 - Atualizado às 21h21
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