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Turbulência extrema

Avião de pesquisa voa até o olho do furacão Laura

Cientistas estudam tempestades a bordo dos versáteis WP-3 Orion


O Miss Piggy, um dos WP-3D Orion do NOAA ingressando no furacão Laura | Foto: Lt Cmdr Doremus

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Os meses de agosto e setembro marcam a temporada de furacões, que se extende do Caribe até o nordeste dos Estados Unidos. O furacão Laura atingiu a categoria 4 na escala de vento de furacões Saffir-Simpson (SSHWS). Os ventos variam entre 209–251 km/h e a tempestade avança sobre o continente, estando hoje (27) sobre o estado norte-americano da Luisiana.

Quem estava no Texas nas últimas horas possivelmente escutou um ronco característico de quatro motores Allison T56-14. Enquanto milhares buscam abrigo, um WP-3 Orion voa literalmente para o olho do furacão.

A bordo do quadrimotor está um grupo de tripulantes e cientistas pronto para ingressar na tempestade. Os pilotos do WP-3D Orion repassam os procedimentos para literalmente entrar no olho do furacão. Sim, trata-se do time conhecido por hurricane hunters ou, em tradução literal, caçadores de furacão. 

Kermit e Piggy

WP-3 Orion é um dos aviões utilizados para pesquisas climáticas pelo NOAA

O avião é um dos dois WP-3 Orion operados pelo NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), a agência de pesquisas climáticas e oceânicas dos Estados Unidos e que entre outros atua na pesquisa dos ciclones tropicais e, para isso, devem voar dentro deles. Uma curiosidade é que os aviões receberam nomes inspirados nos dois mais famosos personagens do Muppet Show: o N42RF é o “Kermit” (Caco, no Brasil) e o N43RF, a “Miss Piggy”.

Uma das forças mais destrutivas da natureza, os ciclones tropicais recebem uma série de nomes, como furacão, tufão, tempestade tropical, tempestade ciclônica, entre outros. Na prática, são os mesmos fenômenos, que, no fim, resultam em um terrível espetáculo capaz de provocar grandes destruições por onde passam. Os prejuízos causados nunca estão abaixo de centenas de milhões de dólares, podendo ultrapassar, em casos extremos, o bilhão de dólares.

Compreender e prever tais fenômenos se tornou imperativo para autoridades públicas diante dos impactos sociais e econômicos. Caso contrário, cidades e até países podem ser devastados, precisando de anos para se reerguer. A belíssima New Orleans levou quase uma década para reconstruir tudo que foi destruído pelo furacão Katrina.

Varreduras

Os quatro motores Allison T56-14 rocam forte ao encontrar uma enorme massa de ar em sentido contrário. As asas do WP-3D reagem à intensidade da turbulência.Os cientistas inserem os dados no chamado GPS dropwindsondes enquanto o WP-3D voa pelo furacão. Um membro da equipe prepara as sondas que serão disparadas, como as sonoboias, do P-3 em sua versão militar. Os dropsondes são pequenos cilindros metálicos acoplados a miniparaquedas que são lançados através de tubos montados no assoalho do avião.

Um dos consoles utilizados pelos pesquisadores para analisar dados obtidos pelo conjunto de sensores do WP-3D | Foto: David Hall

Ao saírem da aeronave, imediatamente passam a transmitir continuamente dados de pressão, umidade, temperatura e direção e velocidade do vento à medida que caem em direção ao mar, fornecendo uma visão detalhada da estrutura da tempestade e de sua intensidade. Os dados dos dropsondes são verificados e transmitidos da aeronave para os Centros Nacionais de Previsão Ambiental e o Centro Nacional de Furacões para inclusão nos modelos globais de furacões.

Dropsondes instalado no piso do avião permite disparar sondas que fornecem dezenas de dados do furacão | Foto: Edmundo Ubiratan

Conforme as sondas caem, um dos tripulantes acompanha no monitor os dados do radar Doppler, montado na cauda do avião, que faz a varredura vertical da tempestade. Outro pesquisador analisa os dados do sistema de radar que está sob a fuselagem e varre horizontalmente o furacão. Com as informações, os cientistas podem examinar em detalhes o desenvolvimento da tempestade, incluindo deslocamentos vertical e horizontal. 

Juntos, esses sistemas fornecem uma visão de ressonância magnética (MRI), permitindo que se observe as diferentes camadas e estruturas internas da tempestade. Os WP-3D também podem implantar sondas batitermográficas, que medem a temperatura do oceano.

Olho do furacão 

"Parede" de nuvens ao redor do WP-3D durante uma missão de pesquisa literalmente dentro de um furacão

Mais um sistema desenvolvido para os WP-3D do NOAA é o radiômetro, conhecido como Stepped Frequency Microwave Radiometers (SFMR). O aparelho mede a velocidade dos ventos sobre o oceano e a taxa de chuva em furacões e tempestades tropicais, indicadores-chave de eventos potencialmente mortais. O avião, então, atravessa a tempestade e está literalmente no olho do furacão, coletando uma infinidade de dados que permitem saber exatamente sua intensidade.

Passada a fase crítica do voo, o avião deixa a área de turbulência e agora cruza sereno os ares da costa, permitindo até que os cientistas façam um almoço rápido enquanto contemplam um sem-fim de dados exibidos em tempo real. Na cabine, os pilotos testemunham o que chamam de stadium effect, algo como “efeito de estádio”. As paredes de nuvens se elevam ao redor do avião, como se este estivesse no centro de um campo e o público das arquibancadas nos arredores observasse cada uma de suas ações.

Para muitos, a visão é menos poética, é como voar direto para uma parede de cúmulo-nimbos querendo atravessá-la com segurança. Evidentemente, a dinâmica nas paredes do furacão é bem diferente daquela produzida em um CB, mas impressiona da mesma forma. Os pilotos preparam a cabine para voltar a atravessar a tormenta. É hora do segundo ato. Mesmo sendo um voo de rotina, a tensão se faz presente, já que é uma típica missão que não tolera erros.

Os aviões  

Cockpit do Orion do NOAA, note aviônica atualizada e probe externo (lado direito) | Foto: Kevin Doreumus

A agência NOAA voa os dois WP-3D, adquiridos novos de fábrica, desde 1976, quando o Kermit monitorou seu primeiro ciclone tropical, o Bonny. Naquele ano, ele ainda voaria através de outros dois furacões, Francis e Gloria. Usualmente, enquanto o WP-3D atravessa um ciclone, um Gulfstream IV (batizado Gonzo, também em alusão ao Muppets) voa em elevadas altitudes acompanhando o ambiente ao redor da tempestade.  

Eventualmente, o 53rd Weather Reconnaissance Squadron, da U.S. Air Force Reserve, utiliza seus dois WC-130J em conjunto com o NOAA. A missão básica dos C-130J dedicados a pesquisas do clima é bastante similar às do WP-3D, com pequenas diferenças nos instrumentos disponíveis.  

Diferentes programas 

Gulfstream do NOAA foi batizado de Gonzo, o personagem azul e alienígena do Muppet Show

Ao final do dia, o Kermit retorna à base para transmitir os dados coletados. Os tripulantes, mesmo tensos com o voo, divertem-se com a forte turbulência, afinal, são um dos poucos que podem deliberadamente encarar o mau tempo. Resta curtir os efeitos das correntes de ar ao redor do avião. 

De acordo com o NOAA, seus aviões participam constantemente de uma ampla variedade de programas nacionais e internacionais de pesquisa meteorológica e oceanográfica – como este do furacão Michael, realizado em 2018. Entre os estudos já conduzidos ou em fase de coleta de dados estão a formação de tempestades próximas a Europa e América do Norte, detalhes dos efeitos do El Ninõ, gases e aerossóis atmosféricos sobre o Atlântico Norte, coleta de dados atmosféricos e oceânicos no Caribe, estudo sobre as tempestades convectivas no Centro-Oeste dos Estados Unidos, tempestades de inverno na costa pacífica, entre outros.

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Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 27/08/2020, às 12h00 - Atualizado às 12h39


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