Com mais de 98% das ações envolvendo companhias aéreas internacionais, Brasil precisa aprimorar sua regulamentação e monitorar a hiperjudicialização
A hiperjudicialização da aviação no Brasil atinge níveis superlativos e ganha destaque no mundo, como se viu no “Encontro Luso-Brasileiro de Direito e Economia”, realizado em Lisboa, em Portugal, em outubro de 2023.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (Ibaer), o país contempla cerca de 98,5% das ações judiciais globais envolvendo as companhias aéreas internacionais que operam de forma direta em seu território.
As elevadas taxas de litigiosidade do setor representam elevados custos à indústria. Além dos montantes despendidos com indenizações e acordos, as companhias reservam valores consideráveis com vastos corpos jurídicos, tecnologia de gerenciamento de processos, assim como o pagamento de custas judiciais. Somado, esse dispêndio é bastante relevante, considerando-se as curtas margens de lucro auferidas por companhias áreas, principais atores da aviação.
Somam-se a isso as instabilidades que o setor ainda observa, como a consolidação da recuperação pós-pandemia de covid-19, a variação nos preços de combustíveis e insumos oriunda do complexo cenário econômico e geopolítico internacional e a pressão por uma neutralidade de carbono.
Tem-se um cenário que torna difícil a expansão de operações e o ingresso de novos players, tornando o setor mais concentrado e menos acessível, haja vista o não incremento na oferta de serviços aos consumidores.
Há alguns fatores que podem ser apontados para a composição do cenário de hiperjudicialização do transporte aéreo no Brasil. Pode-se falar no acesso facilitado ao Poder Judiciário; atuação de uma advocacia predatória travestida de plataformas tecnológicas de acesso a direitos dos consumidores; elevadas médias indenizatórias para ações judiciais; bem como a insegurança quanto ao regime jurídico aplicável às relações civis e consumeristas decorrentes da aviação internacional.
Além da óbvia necessidade de conscientização de como o segmento funciona e da cooperação entre os entes envolvidos, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) possui importante papel na busca de reverter o fenômeno da hiperjudicialização do setor.
Enquanto principal órgão normativo da aviação, cumpre à Anac aprimorar a regulamentação no sentido de conferir maior segurança jurídica por meio da atualização das normas a questões atuais (como nos casos de proteção de dados, transporte de passageiros com necessidades especiais, questões de segurança de voo, transição energética ou medidas sanitárias, por exemplo), adequação a padrões já adotados no âmbito internacional, inclusive com a concretização de regras dispostas em tratados assinados e ratificados pelo Brasil, assim como pelo esclarecimento de questões que podem trazer incertezas a operadores aéreos e consumidores (como no caso da regra da livre oferta de serviços quanto ao transporte de animais em cabine, recentemente alvo da Portaria n. 12.307/2023).
Em relação à garantia dos direitos dos consumidores, a Anac pode aprofundar seu acompanhamento de mercado quanto às ocorrências das operações por meio de sua Gerência de Regulação das Relações de Consumo.
A ideia seria o monitoramento dos índices de reclamações e incidentes, a origem das principais ocorrências e a atuação por parte das companhias aéreas por meio das plataformas oficiais – como o consumidor.gov – e, também, por meio de contato direto com as empresas reguladas.
A lógica seria a de focar na análise de conformidade e no aperfeiçoamento dos serviços e não nas punições.
Conforme exposto na “VIII Semana da Qualidade da Informação” promovida pela Anac, também em outubro último, a atuação da agência por meio de uma “regulação responsiva”, de forma colaborativa e não punitivista, tende a apresentar melhores resultados à prestação dos serviços e atuação dos regulados.
No mais, o acompanhamento de dados por parte da Anac poderia servir à orientação dos consumidores e aperfeiçoamento normativo. Inobstante, a Anac pode servir como fórum para integração entre as diversas partes envolvidas na aviação, como operadores aeroportuários, empresas de ground handling, operadores aéreos e consumidores.
Cabe, pois, aprofundar o papel já desempenhado pela Anac na relação entre consumidores e companhias aéreas como um catalisador para desatar o nó da hiperjudicialização do setor.
* Os advogados Beatriz Nakamura e Renan Melo atuam nas áreas de Aviação e Consumidor
Por Renan Melo e Beatriz Nakamura*
Publicado em 16/02/2024, às 10h30
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