Como este motor turbo-hélice se tornou a lenda que é hoje, com mais de 50 mil unidades produzidas para pelo menos 130 aplicações, incluindo lanchas e carros de corrida e trens, além de helicópteros e aviões
O motor turbo-hélice mais famoso do mundo completa 50 anos em 2013. Usado atualmente por dezenas de aeronaves, o PT6 tornou-se um fenômeno de vendas e ainda suscita muitas curiosidades entre os amantes da aviação. Como surgiu? Sempre foi um motor de aviões? Por que faz tanto sucesso? A história desse modelo que ostenta o recorde de mais de 50 mil unidades produzidas poderia ser contada por épicas narrativas, a bordo das mais diversas aeronaves, mas são suas incontáveis aplicações o que mais surpreende em sua trajetória.
Baseada em Longueuil, na Província de Quebec, perto de Montreal, a Pratt & Whitney Canada, também conhecida como PWC e P&WC, é uma divisão da Pratt & Whytney (P&W), empresa com sede nos Estados Unidos, que, por sua vez é uma unidade de negócios da United Technologies. Enquanto os motores para aeronaves grandes são desenvolvidos nos Estados Unidos, a PWC se dedica exclusivamente à produção de motores para aeronaves menores.
Fundada em 1928 como centro de serviços para os motores aeronáuticos P&W, a canadense Pratt & Whitney Aircraft Co. montou os motores americanos P&W Wasp durante a Segunda Guerra Mundial e passou a fabricá-los em 1952. Assim, a P&W se concentrou exclusivamente no desenvolvimento de motores a jato. No final da década de 1950, um grupo de 12 engenheiros da PWC começou o desenvolvimento do primeiro pequeno motor a turbina canadense, o PT6. Em 1962, a companhia passou a ser chamada United Aircarft of Canada, assumindo seu atual nome em 1975.
Quando os engenheiros da P&WC foram convocados em dezembro de 1963 para testemunhar a entrega do primeiro motor turbo-hélice, o PT6, eles devem ter se sentido orgulhosos por estarem diante de um motor que funcionava tão bem quanto haviam planejado. O que eles provavelmente não sabiam na época é que o PT6 iria traçar uma linha profunda e duradoura na areia da indústria da aviação mundial: “Fazer tudo certo” seria a característica para a produção do PT6 durante o meio século seguinte. Hoje, com mais de 51.000 unidades fabricadas, ele é incomparável. Mas o que é mais notável é que o PT6, além de ser o mais popular do mercado dos turbo-hélices, ainda tem óleo para queimar.
Motor PT6 teve diversas aplicações além de equipar aeronaves. Impulsionou (no sentido anti-horário) o turbo trem, a lancha de corrida oceânica Thunderbird, removedores de neve, o Lotus Fórmula Indy e o esportivo “Jet Vett”
Embora atualmente o PT6A seja o motor mais popular na sua classe, equipando milhares de aviões e helicópteros de alto desempenho, no início, o motor (ou mais precisamente uma versão industrial chamada ST6) foi utilizada em várias e surpreendentes aplicações.
Em 1966, a lancha de corridas oceânicas Thunderbird, de 10 m, foi equipada com dois motores ST6 e duas transmissões de caminhão Chevrolet. Na “Sam Griffith Memorial Race”, a Thunderbird foi uma das duas lanchas (entre 31) a completar a corrida. Embora ela tenha vencido a corrida, não teve reconhecimento oficial, por ter sido considerada “experimental”.
Na época, o Turbo Trem, com motor a turbina, foi utilizado nos estados Unidos para fornecer transporte de alta velocidade entre Boston e Nova York. Em 1973, foi usado no Canadá na linha entre Montreal e Toronto viajando a uma velocidade de quase 200 km/h, mas, em 1982, foi substituído por um novo tipo de motor diesel.
Ainda em terra, em 1967, um ST6 foi instalado num carro da Fórmula Indy, a pedido de Andy Granatelli, presidente da STP. Na sua primeira corrida, o carro se manteve na frente até 12 km (8 milhas) antes do final das 500 milhas, quando um rolamento de pouco mais de dez reais quebrou e, mesmo com o motor funcionado perfeitamente, o carro ficou fora da corrida.
Após novas restrições impostas pelo Automóvel Clube dos EUA, no ano seguinte o motor foi modificado e instalado em três Lotus 56. Todos os três se qualificaram para a corrida de 1968, mas nenhum deles completou a prova. Pouco depois, o Automóvel Clube impôs novas restrições e os carros a turbina foram retirados da competição.
Na Fórmula 1, o Lotus 56B, de 1971, foi o primeiro desses carros a participar de um Grande Prêmio. Pequenas mudanças foram feitas num Indy Lotus 56, para que pudesse carregar os 100 litros a mais de combustível exigidos pela F1 e ter instalados novos freios. O carro participou de várias corridas, mas nunca ganhou.
Granatelli perdeu a sua batalha na Fórmula Indy, mas instalou um ST6 adaptado no seu Corvette. Conhecido como “Jet Vet”, o carro chegava a 320 km/h, mas tinha de ir a um aeroporto para reabastecer. O ST6 também foi usado para equipar, entre outros, hovercrafts, aerobarcos antissubmarinos, removedores de neve, caminhões e até usinas elétricas.
Passando para os aviões, um Piper PA- 31 Navajo realizou seu primeiro voo equipado com um PT6A-20. A Piper vinha desfrutando de enorme sucesso com aviões leves desde os anos 1930, mas a P&WC demorou vários anos para fazer com que a Piper adotasse os motores turbo-hélice afastando-se da sua tradicional dependência dos motores a pistão. A partir daí, vários marcos ajudaram a criar a hoje excelente reputação do PT6.
Um motor ST6L73 da P&WC (um derivado do PT6A sem a segunda fase da caixa de transmissão) entrou em serviço como APU num jato comercial Lockheed L-1011 Tristar e a Bell Helicopter fez a sua primeira encomenda de um motor turbo-hélice PT6T Twin-Pac que, na realidade, é composto por dois motores acoplados em uma mesma unidade, para helicópteros de médio porte e nos anos seguintes os pedidos para esse motor se multiplicaram significativamente.
O novo PT6A-41 introduziu a segunda fase da potência, o que representou uma mudança radical na potência e na eficiência do motor.
Um avião agrícola Air Tractor é o primeiro desse tipo a ser equipado com motor turbo-hélice PT6A.
Nesse ano já havia 1.000 helicópteros principalmente Bell equipados com motores PT6T.
A Cessna escolhe o PT6A-114A para seu novo utilitário, o 208 Caravan.
O Piaggio Avanti torna-se o primeiro avião a ser equipado com motores PT6A-67 (mais tarde trocados por PT6A-66) e é, até hoje, o bimotor turbo-hélice mais veloz do mundo.
A família de turbo-hélices PT-6B e o PT6B-36 passa a equipar o helicóptero bimotor Sikorsky S-76B, aumentando em 46% a potência da aeronave, comparada ao modelo anterior.
Socata encomenda 50 motores PT6A-64 para seu monomotor TBM 700.
Embraer entrega o último dos mais de 500 EMB-110 Bandeirante equipados com motores PT6-127 e PT6A-34 cuja fabricação fora iniciada no final dos anos 1960. Desde então, e durante 45 anos, o fabricante brasileiro utilizou mais de meia dúzia de motores PT6A, além de modelos das famílias PW100, PW500 e PW600.
Pilatus realiza o primeiro voo do seu monomotor PC-12 utilizando um PT6A-67B, e o PTA-68/1 é selecionado pela Embraer para equipar seu EMB-312H Super Tucano.
A Marinha e a Força Aérea dos Estados Unidos selecionam o PT6A-68 para seu monomotor turbo-hélice de treinamento Beech/Pilatus PC-9A Mk II e, em 2012, mais de 600 desses motores já haviam sido entregues.
É certificado o Piper Malibu Meridian, monomotor que utiliza o PT6A-42.
O PT6C-67C entra em cena a equipar o helicóptero bimotor AgustaWestland A139.
Voa pela primeira vez o Bell/Agusta AB609 (mais tarde AW609) utilizando dois motores PT6C-67. A inovadora aeronave de rotores basculantes decola e pousa como um helicóptero, mas cruza com a velocidade de um avião turbo-hélice. Também no mesmo ano é anunciado o turbo-hélice experimental de seis assentos, vendido em forma de kit equipado com um PT6A-67A.
É certificado o AT-802, o maior avião da Air Tractor usando um motor PT6A-67F e a Eurocopter seleciona o PT6C-67CE para equipar seu helicóptero EC175.
A Quest Aircraft Co. entrega seu primeiro monomotor turbo-hélice Kodiak, que voa com um PT6A-34.
O Sistema Computadorizado de Inspeção Visual (CVIS, na sua sigla em inglês) é introduzido no processo de fabricação dos motores PT6. Essa ferramenta de inspeção automatizada verifica a integridade externa dos novos motores. O CVIS inclui um robô com uma câmara que se move em volta de um motor, tira até 300 fotografias e as compara com as fotos “máster” que mostram como ele deve ser, identificando qualquer diferença.
A Pacific Aerospace entrega dois monomotores P-750 XSTOL configurados para o lançamento de paraquedistas. Equipados com motores PT6A-34, esses aviões são muito populares entre os operadores europeus, porque podem subir até 3.700 m (12.000 pés), lançar 17 paraquedistas e voltar a sua base em 10 minutos.
Cessna anuncia a escolha do PT6A-140 para equipar o Grand Caravan EX. O motor é o mais possante da sua categoria e possui a melhor relação peso-potência. Também no mesmo ano a Hawker Beechcraft entregou seu 7.0000 avião, um King Air equipado com motores PT6A. A aeronave, em produção desde 1964, já conta com mais de 45 milhões de horas de voo.
O motor PT6 excede os 380 milhões de horas de voo, o que representa 10 vezes mais que os seus competidores mais próximos.
Tem sido 50 anos de impressionantes conquistas entre todos os grandes Fabricantes de Equipamentos Originais (OEM, na sua sigla em inglês) da indústria. O excelente recorde de horas de voo fez com que fosse certificado para IFR em monomotores para voos comerciais. Isso permitiu que os motores PT6 equipassem quase que com exclusividade uma nova indústria.
Desenvolvidos há 50 anos, o motor PT6 introduziu a P&WC na era dos motores turbo-hélice. Esse novo e radical projeto mudou o mercado da aviação geral e fez da companhia o fabricante de pequenos motores turbo-hélices mais conhecido do mundo. Ele também abriu o caminho para o desenvolvimento de turbo-hélices de nova geração e líderes de mercado, assim como motores turbofan que, rapidamente, colocaram a P&WC como um importante player na indústria aeroespacial mundial. Tudo isso é apenas um resumo de marcos que construíram uma lenda.
Por Santiago Oliver
Publicado em 10/11/2013, às 00h00
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