As relíquias de um ataque que mudou os rumos da humanidade ao colocar os EUA na Segunda Guerra Mundial
Por Edmundo Ubiratan, de Honolulu Publicado em 07/10/2020, às 16h00 - Atualizado em 10/10/2020, às 00h25
Vista aérea da Ford Island e a baía de Pearl Harbor, note a área de concreto que era uma pista sem cabeceiras
Os acontecimentos da manhã de 7 de dezembro de 1941 colocaram a pequena ilha de Oahu, no Havaí, no mapa de História. Naquele fatídico dia, o principal centro de operações da Marinha dos Estados Unidos mantinha atracada na base naval Pearl Harbor praticamente a totalidade da frota do Pacífico.
Exatamente às 07h48 de uma manhã ensolarada de inverno no Havaí (18:18 GMT), o Império do Japão iniciou um ataque impiedoso a instalações e meios militares norte-americanos, a maior parte dele concentrado na baía e na Ford Island.
Passados quase 80 anos, o atual Naval Station Pearl Harbor ainda é uma importante instalação militar dos Estados Unidos, sendo o quartel-general da Frota do Pacífico. Além disso, o local preserva um dos mais importantes memoriais da Segunda Guerra, contando com o USS Arizona Memorial, o USS Utah memorial, o USS Oklahoma memorial, o USS Missouri Memorial, o museu USS Bowfin e o Pearl Harbor Aviation Museum, além do centro de visitantes em Halawa Landing. A visita completa ao complexo exige ao menos um dia inteiro dedicado.
O Pearl Harbor Aviation Museum está localizado na Ford Island e pode ser visitado separadamente ou em conjunto com os demais memoriais. Fundado em 1999, o museu reúne diversas aeronaves da Segunda Guerra e modelos modernos. Sua inauguração ocorreu apenas em 7 de dezembro de 2006, por ocasião dos 65 anos do ataque. Embora modesto em comparação a seus pares nos Estados Unidos continental, o museu apresenta um incrível resgate de um dos momentos mais importantes da História contemporânea. As instalações estão divididas em dois hangares, com parte do acervo, especialmente de helicópteros, provisoriamente, preservados ao relento entre os dois hangares principais.
Por ser um museu bastante novo, o acervo é pequeno, mas conta com aeronaves difíceis de serem vistas, como um Mitsubishi A6M2 Model 21 Type 0 e um raríssimo exemplar do Nakajima B5N2 Kate. Aliás, a organização do acervo segue o óbvio, priorizando o ataque a Pearl Harbor.
O visitante ingressa no museu pelo Hangar 37, em frente à histórica torre de controle da Ford Island. Recém-restaurada, a torre foi um importante marco no ataque, sendo eternizada nos filmes Tora! Tora! Tora! (1970) e Pearl Harbor (2001). A visita começa em um pequeno corredor, que mostra o Havaí como um destino paradisíaco da década de 1930. Viajar até o meio do Pacífico naqueles tempos exigia uma boa dose de aventura, mas dava acesso a uma cultura completamente exótica para os padrões da época.
Quando o visitante finalmente ingressa no Hangar 37 e se depara com um Zero. Sim, o carrasco do Pacífico está em posição de destaque no acervo. Não é para menos. Mesmo tendo sido um dos responsáveis pelo que o presidente Roosevelt definiu como “uma data que viverá na infâmia”, o Zero inegavelmente mudou o rumo da História. Um amplo painel mostra os primeiros momentos do ataque a Ford Island, apresentando a disposição exata dos navios naquele trágico dia.
Ao lado do Zero há outra raridade japonesa, um Nakajima B5N2 Kate. Ou pelo menos o que restou dele. Bastante deteriorado, este é o único exemplar praticamente completo do icônico torpedeiro. O avião exposto foi recuperado no Pacífico Sul, mas sofreu com a ação de caçadores de suvenires, que tiveram algumas décadas para danificar consideravelmente sua estrutura. Ainda assim, mesmo com avarias severas e faltando até seu motor, o avião do museu é o único praticamente intacto existente. Há outro exemplar no Wings Museum, na Inglaterra, mas que está incrivelmente avariado e contando com apenas parte da estrutura.
Mais uma curiosidade do acervo é um Aeronca TC-65 Defender. O modelo exposto sobrevoava Honolulu no momento do ataque a Pearl Harbor! Na verdade, oito aeronaves particulares estavam voando nos arredores das instalações militares na manhã de 7 de dezembro. Três foram abatidas pelos japoneses. O advogado e legislador territorial, Roy Vitousek, pilotava o Aeronca ao lado do seu filho adolescente Martin. A dupla se dirigia justamente para Pearl Harbor quando viu o ataque. O piloto passou a realizar sobrevoos em círculos a pouco mais de 2.000 pés, evitando ser visto pelos japoneses. Assim que o inimigo bateu em retirada, a dupla pousou em segurança no John Rodgers Field (atual aeroporto internacional de Honolulu), tornando-se testemunhas oculares do ataque.
O Curtiss P-40E Warhawk, que se tornou símbolo do museu, foi a resposta emergencial ao ataque, conseguindo neutralizar imediatamente alguns aviões japoneses. Percorrendo o museu, percebe-se que os curadores tiveram um cuidado especial com a organização do acervo. A visita começa com dois aviões do Império do Japão, um enorme display e uma maquete demonstrando como foi aquela manhã de dezembro, além do avião civil de onde duas testemunhas viram o ataque.
O próximo elemento do circuito enaltece a máquina responsável pela resposta dos Estados Unidos: um imponente North American B-25B Mitchell – ao lado de um gráfico que mostra como foram feitas as duas ondas de ataque japoneses. O Doolittle Raid foi a mais heroica missão realizada pelos norte-americanos durante todo o conflito. Em 18 de abril 1942, 16 aviões B-25B descolaram do porta-aviões USS Hornet com destino a Tóquio. A missão era quase suicida. O Mitchell é um bombardeiro criado para operar a partir de pistas em terra, não embarcado. Se não fosse o suficiente tentar realizar o ataque a partir de um porta-aviões, os bombardeiros ainda decolariam em fila. Ou seja, o primeiro teria muito menos pista do que o último. Enfim, os Estados Unidos conseguiram cumprir a missão e atacaram Tóquio, dando início à mudança do curso da guerra.
Os militares japoneses acreditavam que um ataque surpresa ao Havaí seria tão devastador à moral norte-americana que não haveria uma resposta à altura. Além disso, supunham não haver nenhum meio de contra-ataque sem a entrada de navios nas bem protegidas águas japonesas. Isso só seria possível lançando aviões a uma distância impraticável considerando os meios convencionais. Mas, como se sabe, eles menosprezaram o poderio industrial e o território continental dos Estados Unidos. O ataque ao Japão com os B-25B logo acendeu o Master Warning entre os militares do Imperador.
A maior parte do acervo do Hangar 37 está exibida em dioramas temáticos muito bem produzidos – dioramas são quadros cênicos de grandes proporções. A começar por um impecável Grumman F4F-3 Wildcat, que emula a operação nas pistas improvisadas nas ilhas do Pacífico. Se hoje diversos arquipélagos são destinos desejados por milhares de turistas, durante a Segunda Guerra, eram locais desprovidos de infraestrutura, com comunidades isoladas, muitas vezes poucos favoráveis a ceder seu território para uma guerra que não lhes pertencia. Tudo isso somado a um calor infernal. Ainda assim, os Wildcat foram um dos primeiros a despontar no teatro do Pacífico, começando a desafiar os Zero.
Outro diorama impecável expõem um Douglas SBD Dauntless, que desempenhou um papel de protagonista no Pacífico, tendo se tornando um dos heróis da batalha de Midway. Para se ter uma ideia de sua importância no Pacífico, do ataque a Pearl Harbor até abril de 1944, o Dauntless foi responsável por afundar seis porta-aviões japoneses, 14 cruzadores, seis destroieres e 15 navios de transporte. Ao todo, voaram incríveis 1.189.473 horas operacionais.
Seguindo a visita, um Boeing N2S-3 Stearman Kaydet se revela “tímido”. Em um primeiro momento, não salta aos olhos – afinal, existem dezenas voando pelo mundo. Mas o exemplar exposto é o avião que George H. W. Bush solou em 15 de dezembro de 1942. Um exemplar do Grumman TBF Avenger, similar ao que o ex-presidente Bush realizou suas missões na Segunda Guerra, está exposto no Hangar 79.
O Hangar 79 está afastado do prédio principal, exigindo uma pequena caminhada. Uma tampa amarela no chão dá a distância até o hangar, exatamente a mesma que os B-25B tinham no convoo do Hornet. A caminhada remete a uma série de imagens. Foi ali naquela pista da Ford Island que Amelia Earhart sofreu um pequeno acidente. Na época, a pista era um imenso pátio de concreto, sem marcações, onde os pilotos decolavam e pousavam no rumo que fosse mais apropriado.
Chegar ao Hangar 79 é emocionante. Ele conserva as marcas de tiros disparadas em 7 de dezembro de 1941, faltam inclusive os vidros. O acervo ali exposto vai de um F-5A Freedom Fighter sul-coreano até um McDonnell Douglas F-15A Eagle, um General Dynamics F-16A Fighting Falcon, um Grumman F-14D Tomcat, um F-111C Aardvark, Douglas C-47, entre outros.
É impossível não passar longos minutos apreciando cada avião, mas a joia da coroa do hangar está ao fundo: um Boeing B-17E Flying Fortress (abaixo), que passou quase 70 anos afundado em um pântano.
O Pearl Harbor Aviation Museum faz parte do Pearl Harbor Historic Sites, que inclui o USS Missouri Memorial, USS Arizona Memorial e o USS Bowfin, mas é possível comprar o ingresso básico de forma avulsa, que não contempla os demais memoriais. É recomendado adquirir um passaporte que dá direito a todas as visitas, já que são complementares. O complexo funciona das 9h às 17h. Importante: não são autorizadas bolsas, mochilas, malas, entre outros itens pessoais em todo o Pearl Harbor Historic Sites.