Segurança vai além das normas

Além das normas regulamentares de segurança conheça a importância de se estar sempre preparado para tudo antes de decolar

Por Miguel Angelo Rodeguero Publicado em 23/01/2024, às 17h00

- Fuerza Aeroespacial Colombiana

Em aviação, estar preparado é questão de sobrevivência. Em junho de 2023 o acidente com uma aeronave de pequeno porte na Amazônia colombiana, em que quatro crianças sobreviveram primeiro à queda e, depois, a vários dias no meio da mata, a questão do preparo ganhou destaque e não apenas em relação ao piloto.

Talvez jamais venhamos a saber quanto a competência do piloto contribuiu para que a sobrevivência de alguns passageiros fosse possível. O mesmo se aplica à manutenção da aeronave, talvez também não seja possível determinar quanto poderia ter sido diferente.

Mas, com certeza, o preparo, o conhecimento e a vivência daquelas crianças naquele ambiente foram determinantes à sobrevivência.  Sob todos os aspectos, quem está envolvido com aviões deve se manter sempre atualizado. Não apenas com a documentação, para não levar alguma multa.

Documentos em dia demonstram que aquela aeronave passou por revisões, vistorias e atualizações de softwares, cumpriu boletins de manutenção e está segura para voar. Documentos pessoais e profissionais em dia permitem que o piloto esteja apto a voar.

Porém, estar atualizado é muito mais do que isso. Não é porque um piloto cumpre requisitos legais, no sentido da legalidade, que está seguro, de fato. A legalidade não traz consigo os itens de segurança operacional necessários ao voo seguro.

Da mesma forma que uma carteira de motorista não garante que seu portador seja um bom motorista, demonstrando apenas que legalmente ele está apto a dirigir um veículo especificado, a documentação em dia de um piloto diz que ele está apto a pilotar determinado avião. A qualidade mínima está garantida, mas um bom piloto precisa estar muito acima da qualidade mínima. 

Essas reflexões são importantes quando conhecemos vários incidentes e acidentes em que o resultado da ocorrência foi, muitas vezes, amenizado pela competência e pelo preparo do pessoal envolvido.

Sim, nem sempre é possível evitar o desfecho de um acidente, mas entendemos que, para cada acidente, centenas de situações semelhantes às que o antecederam já ocorreram e foram gerenciadas pelo preparo do piloto. A grande maioria delas nem sequer se torna conhecida, simplesmente ocorreram e foram gerenciadas de forma satisfatória.

Embora a maioria dos monomotores da aviação geral tenha uma pilotagem fácil e simples, o piloto deve ter certeza da sua proficiência

Proficiência

No ambiente da aviação, estar preparado para situações diversas é o que se espera de um profissional. Na grande aviação, aquela que vende passagens, as empresas têm seus departamentos de instrução, treinamento e segurança e a vigilância é contínua.

Na aviação geral, conhecida como de pequeno porte, na maioria das vezes, o piloto é o responsável por sua proficiência. Certo que há verificações das autoridades, mas de tempos em tempos. Não há como se manter a mesma vigilância em relação à aviação comercial. Esta tem a sociedade e o próprio mercado a castigar em casos de incidentes ou acidentes.  

Na aviação geral, muitas vezes, o proprietário da aeronave é o piloto. A legalidade, a proficiência e o preparo dependem dele. Nesse segmento, boa parte das aeronaves tem um piloto que se reporta a uma ou mais pessoas, que nem sempre conhecem sobre aviação, são administradores de empresas proprietárias da aeronave. O piloto, então, sendo proprietário ou trabalhando como tal, torna-se quase que autônomo em relação à sua proficiência e a seu preparo. Nesse cenário, ganha importância o comprometimento, a consciência e o profissionalismo.

No acidente no qual as crianças sobreviveram, o voo era sobre mata fechada, sem locais onde pudesse haver um pouso de emergência, sem qualquer apoio. Mesmo depois da queda, a dificuldade em se localizar a aeronave talvez tenha impedido o resgate de mais vidas, pelo tempo decorrido.

Houvesse maneiras de acompanhar os voos, saber onde cada aeronave se localiza durante o percurso, conhecer toda sua trajetória, seria bastante provável que o socorro chegasse com mais rapidez.

São questões importantes quando olhamos para a extensão de nosso país e as condições de nossa infraestrutura. Não há como apenas um setor estar preparado. Um piloto extremamente bem preparado que sofra um acidente no meio da Amazônia brasileira, com certeza, terá os mesmos problemas que o colega colombiano e seus passageiros.

As responsabilidades 

A saga das crianças sobreviventes na selva colombiana demonstrou que o conhecimento e preparo são essenciais

 

Sem dúvida, todos os setores envolvidos com a operação de aeronaves precisam estar preparados. Cabe à manutenção entregar um serviço de alta qualidade; cabe às autoridades a fiscalização na medida das exigências legais; cabe aos administradores, proprietários e pilotos a aderência aos preceitos de controle e segurança operacional.

Para completar o quadro, cabe à administração do setor no país estabelecer e manter uma estrutura que garanta, no que lhe compete, a segurança de todos os voos no espaço aéreo brasileiro.

Ampla cobertura radar, pronto atendimento a qualquer situação que venha precisar de auxílio e resgate, serviços ágeis e disponíveis em todo o território nacional são requisitos que a aviação precisa dispor.  

Avião raramente é um luxo. Avião é utilitário, é ferramenta de trabalho, é transporte às vezes único para determinada região. Muitas vezes é a única salvação, o único meio de resgate, a única forma de levar o auxílio emergencial. Principalmente em áreas como a Amazônia, como levar alguém até um hospital? Como levar rapidamente atendimento médico a uma cidade que só é alcançada por barco, trilhas ou avião? 

Pilotos

Falando aos pilotos, há a necessidade de estarem sempre em dia com a experiência recente para que em uma situação que exija proficiência máxima, ela esteja disponível. Para quem voa esporadicamente, não basta estar com o cartão de saúde e a carteira em dia. É preciso estar com a experiência recente em dia.

Cabe a cada um entender que não é possível permanecer sem voar por meses e, então, sair voando sem maiores preocupações. Cada um é responsável pela sua própria experiência e vida, além da vida de outras pessoas.

Da mesma forma, é necessário estar atualizado com as regra de voo, com a meteorologia, com o planejamento de rotas. Não dá para, como em viagem rodoviária, dar a partida no motor e iniciar a viagem.

Como eu estou? Como está meu avião? Como está a meteorologia? E como ela estará em rota e no destino? E no alternado? São perguntas que devem ser respondidas de forma satisfatória antes de tirar o avião do hangar. Se considerarmos que o voo possa ser sobre mata fechada, cuidados redobrados. Quais meus pontos de apoio? Quanto de minha rota dispõe de cobertura radar? Como estão meus equipamentos de navegação e localização? 

A saga das crianças sobreviventes na selva colombiana demonstrou que o conhecimento e preparo são essenciais. No caso delas, as circunstâncias da vida ensinaram como sobreviver.

Na aviação geral, a estrutura, o conhecimento, a proficiência, o preparo e, para que tudo isso seja possível, a consciência das pessoas e entidades envolvidas com a atividade devem estar presentes. Uma boa infraestrutura aliada a uma boa proficiência técnica são requisitos essenciais para que tenhamos bons índices de segurança operacional. 

Para terminar, uma boa frase de efeito: saber fazer não significa fazer certo. Sabemos as regras e as desrespeitamos. Temos, em relação a regras, fatores comportamentais que muitas vezes colocam em risco toda uma operação.

Sabemos o que deve ser feito, conhecemos os caminhos adequados e muitas vezes optamos por atalhos que, à primeira vista, parecem levar ao mesmo destino. Isso em aviação não leva ao mesmo destino. 

Voar seguro significa respeitar as regras, respeitar a máquina, respeitar a meteorologia e, mais importante do que tudo isso, respeitar as próprias limitações. Assim, tenha sempre um bom voo!

* Miguel Angelo Rodeguero é diretor de Segurança Operacional da Associação
de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (AOPA) do Brasil

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