A comparação entre os rankings de 2000 e 2024/25 revela a ascensão de novos hubs globais, o impacto da pandemia e os fatores que mantêm o Brasil fora do protagonismo internacional
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 25/11/2025, às 13h00
Em 25 anos, o mapa da aviação global passou por uma transformação profunda. Os dados mais recentes da Airports Council International (ACI) mostram que o ranking dos aeroportos mais movimentados do mundo já não se parece em nada com o cenário do ano 2000. Se no início do século a lista era dominada por Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão, em 2024/25 há a consolidação de grandes hubs no Oriente Médio, na Índia, na Turquia e na China, refletindo a redistribuição econômica e demográfica do tráfego aéreo global.
A mudança revela não apenas novos centros de conexão, mas também o crescimento de mercados antes periféricos e a consolidação de sistemas aeroportuários modernos e de grande capacidade.
Em 2000, Atlanta, O’Hare, Los Angeles e Dallas lideravam um ranking que concentrava seis das dez primeiras posições nos Estados Unidos. Já o aeroporto de Londres Heathrow destacava a força europeia, enquanto Tóquio Haneda era o único caso asiático no top 10.
Tinha-se, portanto, um retrato do mundo pré-emergência da China, antes da explosão turística internacional e muito distante da posterior ascensão dos hubs intercontinentais do Golfo. Era um sistema ainda robusto, mas apoiado em aeroportos já próximos de sua capacidade operacional e em duas economias que até então eram as maiores do mundo, os EUA e a União Europeia, respectivamente.
O cenário de 2024/25 mostra outro mundo. O aeroporto de Atlanta segue como o aeroporto mais movimentado, mas ao redor dele surgem protagonistas capazes de disputar a liderança. O atual aeroporto de Dubai, ainda que próximo da capacidade máxima, consolida-se como o principal hub intercontinental fora do eixo tradicional, impulsionado por conexões de longa distância e um modelo de negócios baseado em tráfego internacional.
Despontam com grande potencial Istambul e Nova Delhi, que se tornaram em poucos anos nós estratégicos em redes globais e regionais, enquanto aeroportos na China seguem escalando posições à medida que o mercado doméstico e o turismo se expandem.
Entre os elementos que explicam essa mudança estão o aumento acelerado da demanda na Ásia, o fortalecimento econômico de vastas regiões emergentes e a incapacidade de muitos aeroportos europeus de crescer fisicamente. No caso específico dos Estados Unidos, o cenário une anos de baixos investimentos em aeroportos, hoje bastante defasados e quase saturados, com crises políticas que afetaram a capacidade de investimento em infraestrutura no longo prazo.
A Turquia reposicionou-se como centro de conexões Euro-Ásia com o novo aeroporto de Istambul. O movimento ocorre quase cinco séculos após o amplo domínio turco entre Oriente e Ocidente, mostrando a vocação estratégica do país em relação ao mundo. Da mesma forma, os Emirados Árabes Unidos desenvolveram um modelo de aviação de longo alcance baseado na sua posição geográfica e condições meteorológicas favoráveis, aliado a um projeto de nação baseado em uma economia globalizada e dinâmica.
Já Índia e China ampliaram seu mercado interno a um ritmo sem paralelo, especialmente pelo crescimento econômico das últimas duas décadas. O resultado é uma geografia distinta: mais distribuída, mais asiática e menos concentrada no Atlântico Norte.
A evolução dos números também mostra que o tráfego aéreo cresceu de forma consistente ao longo de duas décadas, mas com uma interrupção abrupta em 2020. A pandemia de covid-19 provocou o maior choque operacional da história da aviação, derrubando momentaneamente o volume global de passageiros para níveis comparáveis a década de 1990. Aeroportos antes entre os mais movimentados ficaram praticamente paralisados. A recuperação, porém, ocorreu em velocidades diferentes conforme o modelo de cada país. No entanto, o setor reorganizou-se rapidamente a partir de 2021 e reconfigurou o mapa de demanda.
Agora, em 2025, a aviação vive uma fase de crescimento global contínuo. O tráfego total já supera com folga os números pré-pandemia, impulsionado pelo turismo internacional, por economias em aceleração e pela ampliação de frotas mais eficientes.
Aeroportos modernos, projetados para 100 milhões de passageiros ou mais, tornaram-se o novo padrão, especialmente na Ásia e no Oriente Médio. O ritmo de expansão indica que, até o final da década, novos terminais chineses e indianos deverão entrar no top 10, enquanto hubs europeus enfrentam limites estruturais de capacidade.
Comparar 2000 e 2024/25 é observar uma mudança de era. A aviação deixou de ser um sistema centrado no Atlântico Norte para tornar-se um fenômeno verdadeiramente global. E o ranking dos aeroportos mais movimentados é, hoje, um retrato fiel desse deslocamento econômico, demográfico e estratégico que redefine como — e por onde — o mundo voa.
O Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos permanece como o maior hub do Brasil, mas está distante do top 20 global em movimentação de passageiros. Com 38,2 milhões de viajantes até outubro de 2025, GRU opera muito aquém dos grandes terminais internacionais, que superam 60 milhões anuais e chegam a ultrapassar a marca de 100 milhões.
Essa diferença não se explica apenas por capacidade física — o aeroporto é tecnicamente capaz de crescer —, mas sobretudo pelo ambiente econômico e político que tem limitado a expansão do transporte aéreo brasileiro. Desde 2015, o país enfrenta um ciclo prolongado de instabilidade, marcado por recessão, baixo investimento público e privado, deterioração do poder de compra, além de crescimento inferior ao de mercados emergentes comparáveis.
A aviação brasileira também sofre com entraves estruturais, como o desequilíbrio fiscal crônico, a insegurança jurídica e a crescente judicialização, fatores que encarecem operações e afastam investimentos de longo prazo. A forte desvalorização do real ao longo da última década reduziu a competitividade das companhias aéreas e elevou custos operacionalmente dolarizados.
Além disso, a localização geográfica do Brasil é menos favorável para conexões intercontinentais: o país está fora das principais rotas globais entre Europa, América do Norte, Oriente Médio e Ásia, o que limita o potencial de transformar GRU em um megahub internacional semelhante ao de1. Dubai, Istambul ou Doha. O resultado é um aeroporto relevante em seu contexto regional, mas permanece estruturalmente impedido de competir.