Pilatus PC-12NG ficou ainda melhor

Tecnologia sem sacrificar o conforto e a segurança

Por André Danita Publicado em 09/08/2021, às 10h55 - Atualizado às 11h51

O PC-12NG recebeu uma série de melhorias tecnológicas, mas sem sacrificar o confortou ou segurança

Fundada em 1939, a suíça Pilatus Aircraft especializou-se emproduzir uma família de aviões monomotores turbo-hélices de alto desempenho, tanto para uso militar como civil. O modelo PC-6 Turbo Porter, por exemplo, é conhecidopor sua robustez e capacidade de operação em pistas curtas (STOL – Short Take-Off and Landing), levando cargas e passageiros a locais improváveis, enquanto seus irmãos PC-7 e PC-9 são conhecidos treinadores militares, equipando Forças Aéreas ao redor do mundo.

Em 1994, a Pilatus decidiu usar toda a sua expertisepara explorar o nicho das aeronaves executivas, em um projeto que aliaria refinamento aerodinâmico, alta performance, motorização de última geração, versatilidade de operação e sofisticação de cockpit e interior. Nascia assim o Pilatus PC-12, modelo que se tornou referência da categoria monoturboélice e contabiliza hoje a notável marca de mais de 900 aeronaves entregues.

Ainda assim, o questionamento sobre a escolha de um monomotorno lugar de um bimotor ainda é muito frequente, e a resposta da Pilatus está na ponta da língua. A fábrica suíça argumenta que o fator econômico é o de maior peso, já que os custos operacionais diretos do PC-12 são aproximadamente 1/3 menores que o de seus concorrentes com mais de um motor. Mesmo assim, o monomotor possui desempenho equivalente ou superior a alguns bimotores. O fator segurança é oponto mais discutido, e as estatísticas provam que a confiabilidade dos motores a turbina hoje em dia é altíssima. A família Pratt &Whitney PT-6, da qual o modelo -67P equipa a mais nova versão do PC-12, possui o incrível registro de uma parada a cada 333.333 horas de voo.

Curiosamente, os índices de acidentes fatais de mono e bimotores a turbina são semelhantes. Isto sedeve em parte à perda de controle da aeronave multimotora por assimetria de potência, no evento de falha de um dos motores, enquanto o piloto do monomotor parece estar mais condicionado a procurar imediatamente um local adequado para efetuar um pouso de emergência.

Tais argumentos parecem cada vez mais convencer os operadores do mundo todoem favor do PC-12. Tanto é assim que a fábrica suíça entregou em 2009 a marcarecor de de 100 aeronaves, cinco delas no Brasil. Com isso, a frota brasileira do modelo subiu para 20 unidades. Sua nova versão (PC-12-47) foi batizada comercialmente de NG, ou “Next Generation”, e incorpora algumas inovações ao já avançado Pilatus.

Apesar de ser conhecido porsua simplicidade de operação e automatização de sistemas, o PC-12 carecia de uma revitalização em seu cockpit, e a suíte Ho-neywell Primus Apex, da versão NG, veio preencher esta lacuna. Configurado comdois PFD (Primary Flight Displays, ouTelas Primárias de Voo) e dois MFD (Mul-ti-Function Displays, ou Telas Multifun-cionais), o novo cockpit é uma versão compacta do consagrado Primus Epic, que é a base das cabines mais avançadas da atua-lidade, como o EASy, da Dassault Falcon, e o Plane View, da Gulfstream.

A Pilatus decidiu aproveitar ao máximo a capacidade de integração do Apex aos sistemas da aeronave, trazendo para as telas os parâmetros de voo, sensores, rádios, mensagens de alarme e demais controles de pressurização e ar-condicionado, minimizando a quantidade de switches espalhados pelo painel e eliminando os indicadores analógicos.

A nova versão ainda vem equipada com uma nova suíte de eletrônicos, a Primus Apex, produzida pela Honeywell, que oferece múltiplas telas de LCD para controle

Como opcionais, estão disponíveis também as cartas Jeppesen eletrônicas, checklists eletrônicos personalizado para cada operador, GPS com WAAS, capacidade VNAV (Vertical Navigation) acoplada ao piloto automático, aproximações LPV, TCAS I, TAWS classe A ou Be provisões para implantação de ADS-B (Automatic Dependent Surveillance –Broadcast). Tudo isso capacita o PC-12NG para operar no ambiente das mais novas tecnologias de navegação e comunicação. O motor da nova versão possui nada menos que 1.845 shp de potência total, reduzidos para 1.200 shp. Isto significa maior disponibilidade de potência em grandes altitudes e, em última análise, um conjunto trabalhando sempre abaixo de sua capacidade, o que se traduz em menor esforço e maior longevidade dos componentes. Outro diferencial do novo modelo é o winglet redesenhado, melhor integrado à estrutura das asas.

Fomos convidados a conhecer deperto esta novidade em uma manhã típica de verão, no aeroporto de Americana, interior de São Paulo, onde está baseado o quarto exemplar NG entregue no Brasil. Sou acompanhado pelo comandante Costa, experiente piloto da aviação executiva e operador de Pilatus. Em Americana, encontramos o comandante Maurício, proprietário da aeronave. Muito entusiasmado com a nova máquina, ele me conta um pouco de sua história de aviação, parecida com a de muitos novos operadores de Pilatus.

A enorme porta de carga lateral da aeronave facilita muito o embarque e o desembarque de bagagem, carga e até macas, na versão de resgate aeromédico

Dono de dois Cirrus SR-22, nas quais acumulou mais de 1.000 horas de voo, sentiu a necessidade de uma aeronave mais espaçosa e de maior alcance para suas viagens com a família e amigos. A opção por um VLJ (Very Light Jet) não atenderia sua necessidade, além de aumentar significativamente os custos operacionais. Além disso, a transição para o jato exigiria uma adaptação mais longa. Assim, a ideia de um monomotor turboélice encaixou-se perfeitamente em seu perfil.

O PC-12 NG pousa nas mesmas pistas que ele habitualmente operava com o Cirrus, com velocidades semelhantes, mas leva até sete passageiros e suas bagagens por mais de 1.500 milhas náuticas (2.780km), ou até nove passageiros em etapas mais curtas. Com sua aeronave disponível para operação desde o início de janeiro deste ano, Maurício já acumulou quase 100 horas de voo, e a experiência deu tão certo que ele agora se de bruça sobre cartas e guias planejando criteriosamente uma longa viagem de volta ao mundo. Isto representa um grande salto, especial-mente para pilotos-proprietários como ele, que veem no Pilatus uma evolução natural a partir da operação de monomotores leves, agora com mais conforto, espaço, alcance e segurança.

Encontro o reluzente PR-GSM, número de série 1127, com suas linhas elegates, estacionado no pátio, pronto para nosso voo. Peço a Maurício que faça uma inspeção externa comigo, que se inicia no motor.

O PC-12NG é equipado com uma robusta PT-6 oferece 1.200 shp e conta com dois geradores de 300 ampères cada

 

Ao abrir o capô, deparo-me com a robusta PT-6 e os dois geradores de 300 ampères cada, outra novidade da versão NG. A inspeção do nível de óleo do motor é facilitada pelo visor na lateral do motor e pela vareta sensora. Continuamos ao longo da fuselagem e encontramos a portinhola de serviço dos reservatórios de oxigênio, e uma curiosa porta de admissão de ar de impacto para a cabine, utilizada para facilitar a remoção em emergência de fumaça a bordo. As asas são equipadas com boots para degelo, e um duplo sistema de sensores de ângulo de ataque alimenta informações no PFD do piloto e no stick shaker/pusher, dispositivo que alerta e evita a entrada em um iminente estol.

O radar meteorológico fica instalado naponta da asa direita. Deparo-me então comos enormes flapes, do tipo Fowler, que não apenas aumentam significativamente aárea da asa quando estendidos, mas também contam com fendas entre eles que, aliadas ao bordo de fuga da asa, possibilitam a energização de sua camada-limite. É graças a esta engenharia que o PC-12 decola e pousa em distâncias reduzidas, sem comprometer a excelente performance de cruzeiro.

Nas asas, os flapes estilo Fowler chamam atenção

Reparo também nas luzes de reconhecimento (recognition lights), instaladas sob as asas que, além de aumentar a visibilidade para outras aeronaves, melhoram a iluminação nas operações de pouso e decolagem quando usadas em conjunto com as luzes de pouso (landing lights). Ao contornarmos a cauda em T, chegamos à enorme porta de carga, um dos maiores diferenciais do PC-12 sobre seus concorrentes. Padrão em todas as aeronaves, ela facilita o embarque e desembarque das bagagens no fundo da aeronave, nas versões executivas; da carga, nas versões Cargo e Combi; e de até duas macas, na versão ambulância aérea.

A versatilidade é impressionante, e a aeronave pode ser reconfigurada em questão de minutos. Apesar das dimensões desta porta, o nível de ruído na cabine de passageiros em voo é muito baixo. É hora de conferir todas as qualidades do PC-12 NG, e o comandante Costa será meu instrutor durante a etapa entre Americana e o Campo de Marte, com previsão de ascensão ao FL 270 na aerovia UW63 até a posição “Cosme”, e posterior retorno via posição “Represa” e Rota Especial de Aviões (REA) “Índia” até o destino.

O acionamento do motor é simples: basta pressionar um switche, ao atingir 17% de rotação da turbina geradora de gases (Ng), abre-se a manete de condição diretamente para a posição “Ground Idle”. O resto do ciclo se completa automaticamente, restando ao piloto monitorar qualquer anormalidade. Seguem-se então os testes de sistemas e a inserção da rota e dos parâmetros nas janelas do sistema de gerenciamento de voo (Flight Management Sys-tem), que é feita através de um pequeno stick, aqui chamado de CCD (Cursor Con-trol Device) e um teclado alfanumérico. A programação é dividida logicamente em páginas, chamadas de POF (Phases of Flight). Em pouco tempo temos nossa máquina pronta para o táxi.

A espaçosa cabine do PC-12NG pode serconfigurada para transportar sete ou aténove passageiros

Apesar de ser uma manhã de sexta-feira, há bastante movimento de pequenos aviões e ultraleves avançados em Americana, e logo estamos posicionados na cabeceira 30. Costa decide me mostrar uma decolagem de alta performance, utilizando flapes na posição 30 graus. Caso haja alguma discrepânciana configuração de decolagem, o CAS (Crew Alerting System, ou Sistema de Alerta à Tripulação) avisará de forma sonora e visual, cantando um sonoro “No Take-Off”.

Iniciamos uma decolagem estática avançando a manete única de potência e de regime de hélice (outra importante semelhança com os Cirrus), e a aceleração é notável, mesmo com nosso peso apenas 800 libras abaixo do máximo de decolagem e a temperatura externa de 28º C.

Consumimos aproximadamente 2/3 dos 1.100 metros da pista na corrida e, logo após os 70 nós de velocidade, estamos voando firmes. A velocidade chega rapidamente aos 100 nós e é hora de limpar a máquina para a subida em rota, realizada com 140 nós indicados.

Em contato como Controle Campinas, somos autorizadosaté 5.000 pés na proa de Bragança Paulista, e experimento um pouco do voo manual, bastante suave e preciso. Demoro um pouco para me acostumar às mudanças de potência e velocidade, já que a manete de potência é bastante sensível e o torque da potente PT-6 se faz presente, exigindo reajustes (trimagens) constantes de leme. Minha falta de prática é então resolvida quando Costa acopla o yawdamper, que além de amortecer as oscilações em guinada também faz o trabalho de compensação, tornando o voo muito mais confortável.

Reiniciamos a subida no piloto automático, aproveito o tempo para explorar as telas dos MFD e tenho uma grata surpresa. Ao contrário do que acontece tipicamente nas versões reduzidas das mais conhecidas suítes de aviônicos do mercado, o Apex praticamente mantém todas as funcionalidades de seu irmão maior Epic em suas configurações mais sofisticadas, e me sinto como se estivesse na cabine de um Falcon equipado com o avançado cockpit EASy.

Obviamente a quantidade de teclas externas de atalho é reduzida, e sinto falta apenas de outro CCD para possiblitar o trabalho simultâneo de ambos tripulantes e para servir de backup em caso de falha do stick.

A subida se mantém firme, com o climb indicando em torno de 1.500 pés/minuto. Ao nivelarmos, rapidamente aceleramos para a velocidade de cruzeiro. Com 25 psi de torque e um fluxo de combustível de míseras 367 libras/hora de querosene, nosso PC-12 NG cruza com uma velocidade (TAS – True Airspeed) de 258 nós, nada mal para nosso peso próximo do máximo e um dia quente, com temperatura na faixa de ISA +17.

Aproveito o cruzeiro para visitar a cabine de passageiros. Configurada com seis assentos executivos, mais dois assentos auxiliares no fundo da cabine, o ambiente é agradável e silencioso, já que o motor está instalado longe dos passageiros, e lembra mais o interior de um jato. Os confortáveis assentos executivos são giratórios e reclináveis. Existem três mesas, além de tomadas AC espalhadas pela cabine. O toalete, localizado em frente à porta principal, garante privacidade total, com portas de madeira que o isolam do cockpit e da cabine de passageiros.

De volta à cabine de comando, somos orientados a voarn a proa de “Trigo” para a descida, posição que não constava de nosso plano original, mas basta deslocar o cursor pela tela do I-NAV (Integrated Navigation Map), encontrar o ponto e clicar em “Direct To” no menu que aparece ao lado. Inteligentemente, nosso Waypoint List nos pergunta qual será o ponto subsequente, e basta clicar sobre o ponto “Reprs”, que ali já estava, para que o plano seja fechado com a nova trajetória.

Tudo muito simples, feito de maneira gráfica, sem inserções de teclado. Ponto para o Apex e para a Pilatus! Já no corredor “Índia”, reduzimos a velocidade para melhor observarmos o congestionado espaço aéreo da capital paulistana, cruzando com aviões no sentido contrário e helicópteros em suas rotas especiais, logo abaixo de nós.

A pista em uso em Marte é a 12, e vamos nos ajustando à perna do vento. O Pilatus mantém-se firme mesmo em baixas velocidades, e é preciso parcimônia ao fazer correções de velocidade e trajetória na final, pois o motor responde prontamente. O cruzamento da cabeceira ocorre com um pouco de excesso de velocidade, mas o toque sai suave, graças aos grandes pneus e aos amortecedores do tipo trailing link. Mal utilizamosos freios para livrar a pista na intersecção central, e monitoramos nosso táxi na carta Jeppesen do aeródromo, que é expostano MFD inferior. Termino o voo no hangar da Paulicopter, impressionado com os recursos, a performance e a simplicidadede operação do Pilatus PC-12 NG. Contando com uma rede de suporte mundial, o Pilatus ganha cada vez mais adeptos no Brasil e no mundo, acessando mais pistas não preparadas e desempenhando uma variedade de missões com muita robustez, refinamento, tecnologia e baixos custos operacionais. Quem o vê por fora, como um simples monomotor, que não se engane: o PC-12 NG oferece muito mais.

* Ensaio publicado originalmente na edição 190 de AERO Magazine, de março de 2010

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