Conheça o sistema SmartThrottle que utiliza apenas uma manete para controle dos dois motores
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 06/05/2021, às 12h00 - Atualizado às 14h56
Novo Falcon 10X terá controle dos motores baseado no caça Rafale
A francesa Dassault Falcon anunciou hoje (6), seu mais novo avião, o Falcon 10X. O modelo será o maior membro da família Falcon, com cabine ultra larga e alcance de até 7.500 nm (13.400 km) competindo de forma direta com os Gulfstream G700 e Bombardier Global 7500.
Porém, um dos grandes diferenciais do Falcon 10X é a tecnologia embarcada no cockpit, com destaque especial ao uso de apenas uma manete de acelerador. Ou seja, mesmo sendo um avião bimotor, o piloto terá apenas uma alavanca para controlar ambos os propulsores, uma tecnologia oriunda da aviação de caça, sobretudo do Rafale.
Com a evolução das tecnologias digitais, os sistemas de aceleração se tornaram cada vez mais sofisticados, resultando em ferramentas como o autothrottle, que atua nos manetes de forma automática. Mais recentemente, o grupo francês Dassault deu um passo além ao equipar seus caças Rafale com uma solução que eleva esse comando de potência a um novo patamar operacional. O avião de combate supersônico incorpora uma alavanca única de aceleração capaz de controlar, simultaneamente, seus dois motores.
Transferindo a expertise que consolidou no meio militar para o civil, a Dassault introduziu a tecnologia para seu novo avião de negócios, com objetivo de reduzir a carga de trabalho dos pilotos, aumentar a eficiência da aeronave e tornar o voo ainda mais seguro, sobretudo em situações de emergência. Os engenheiros não descartam que no futuro o dispositivo permita operações single-pilot em aeronaves de ultralongo alcance.
Batizado SmartThrottle, o sistema está em fase avançada de testes, utilizando como plataforma de ensaios em voo um protótipo do Falcon 7X. Originalmente, a ideia era que o Falcon 8X já recebesse essa nova tecnologia, mas, na época de desenvolvimento do modelo, o projeto ainda não estava suficientemente maduro. Nos últimos anos, porém, o programa começou a tomar forma e foi anunciado como destaque no projeto Falcon 10X.
O modelo conceito, em estudos no Falcon 7X agrega uma série de inovações. Integrado ao sistema de controle de voo digital (DFCS, na sigla em inglês) e ao fly-by-wire (FBW), o SmartThrottle reúne em uma única alavanca o controle de potência (manete) dos três motores do Falcon 7X.
A solução se beneficiou dos enormes avanços obtidos pela Dassault no controle de voo digital, assim como do seu sistema de fly-by-wire, que converte os comandos dos pilotos em pulsos elétricos capazes de ativar válvulas hidráulicas responsáveis por mover as superfícies de controle de voo do avião. Primeiro jato civil do fabricante francês a contar com a tecnologia FBW, o Falcon 7X se revelou a melhor opção para se transformar em uma plataforma de testes.
Detalhe do acelerador único adotado pelo Falcon 10X, similar ao existente no Rafale
Em resumo, o SmartThrottle pode ser descrito como um autothrottle aperfeiçoado. Em outras palavras, além de incorporar os recursos padrão do sistema de controle automático da potência de motores, ele detém alguns recursos adicionais de segurança, como recuperação de emergência, controle automático de assimetria de potência, modo de descida de emergência, mitigação de falha do motor e proteção contra corte de motor errado em caso de pane. Uma inovação no mercado de aviação civil, a intenção é que a alavanca única possa ser utilizada em todas as fases do voo, do acionamento ao corte dos motores, o que será possível graças à integração do sistema ao DFCS.
O funcionamento do Smart Throttle segue a lógica dos atuais equipamentos de comando. Por ser um sistema digital, softwares vão configurar todo o comportamento da alavanca, cujos movimentos serão repassados para um sistema mecânico controlado por computador. Desse modo, o piloto terá praticamente a mesma sensação que teria se estivesse controlando um manete analógico, impondo mais ou menos força física. Será possível, inclusive, calibrar a fricção necessária para uso do manete.
Note o uso de três alavancas [detalhe em branco] para controle dos motores do Falcon 900LX
Por ora, uma faixa de LED de ambos os lados cerca a alavanca do SmartThrottle utilizado de forma experimental no Falcon 7X. As cores das lâmpadas vão do vermelho ao verde, destacando as condições instantâneas sobre o status dos motores. Essa faixa de LED permite ao sistema exibir, também, a configuração de potência que está sendo usada se houver qualquer problema de funcionamento com o manete.
O sistema é baseado na tecnologia fly-by-wire de circuito fechado (closed-loop). Para entender a diferença, o FBW de circuito aberto, basicamente, traduz eletronicamente as ações dos pilotos para uma central digital, que repassa os comandos para um sistema analógico, composto por cabos, atuadores hidráulicos ou hastes nas superfícies de comando. Assim, quando o piloto movimenta o manche ou o sidestick, o sistema envia um pulso elétrico proporcional ao movimento para uma central eletrônica, que processa a informação e atua nas superfícies de comando, exatamente como em um avião de controles mecânicos (sejam por cabos e polias ou hidráulicos). Nesse sistema, se o piloto vira o manche para a esquerda e, depois, volta para neutro, o avião seguirá o mesmo comando, vai virar para esquerda e nivelar. É uma solução simples e isso é uma vantagem, mas, em caso de qualquer perturbação atmosférica, como turbulência, será necessário mover os controles para compensar ou corrigir a atitude.
No sistema de circuito fechado, o manche também envia um pulso via computadores ao sistema mecânico instalado na superfície de controle, assim como no circuito aberto. Porém, no circuito fechado, o sistema mantém a atitude quando o piloto tira a mão do comando. Desse modo, se o piloto comandar uma curva para esquerda e soltar o manche, o avião vai manter a curva até obter um comando para desfazer a curva. A aeronave só entenderá que deve voltar para o voo nivelado se houver um comando neutralizando a ação.
Com o SmartThrottle, o sistema permitirá ao piloto voar dentro de um envelope seguro, independentemente das condições do motor, adicionando um elemento a mais em comparação com o autothrottle convencional. Com um manete, o piloto poderá voar de forma segura mesmo em caso de falha de um dos motores, já que haverá apenas uma alavanca para cuidar.
Na prática, o DFCS e o fly-by-wire gerenciam o envelope de voo, incluindo a assimetria de potência, enquanto o piloto voa como se estivesse em uma situação normal. A preocupação será apenas realizar os respectivos checklists e configurar o avião para a nova condição de voo, sem se preocupar com controle lateral ou isolar o manete do motor inoperante.
Os testes vêm mostrando que o DFCS, ao reconhecer a falha do motor, gerencia o uso das superfícies de controle por meio do FBW, ajustando a compensação ideal. Nesse caso, o piloto deve, apenas, voar de acordo com a configuração que o computador estipulou, sem ter de “brigar” com as superfícies de controle. Ainda que o avião não ganhe uma nova configuração, para o piloto, as ações são iguais, já que seus comandos passam a atuar baseados no avião compensado. Ou seja, independentemente do aileron ou do leme estarem em uma posição diferente, para o piloto, é como se fosse uma configuração limpa.
Outra função planejada para o SmartThrottle é impedir que o piloto avance o manete caso esteja próximo velocidade máxima de operação (Vmo) ou reduza a potência de forma incorreta. O sistema de fricção poderá barrar a ação, impondo uma força que evite uma atitude incorreta por parte do piloto.
Para aqueles que possam temer o risco de o avião assumir funções de pilotos, a Dassault esclarece que o Rafale já voa exatamente dessa forma, com total segurança. Porém, para o sistema funcionar, de fato, o fabricante terá de trabalhar em estreita colaboração com seus fornecedores de motores, pois o SmartThrottle exige acesso total aos aspectos de operação do motor. De forma simplificada, atualmente, sistemas como Fadec (Full Authority Engine Control), que controla automaticamente a partida dos motores, assim como o fornecimento de combustível e as bombas e o desempenho dos reatores, dependem de reportes do avião do que foi ou está sendo feito. Com a nova tecnologia, o DFCS deverá ter acesso direto a todos esses parâmetros do motor.
Assim, o DFCS passará a gerenciar todos os controles de voo primários e secundários e terá autoridade sobre o motor. Apesar da inovação, assegura o fabricante, a autoridade final continuará a ser dos pilotos, que serão auxiliados de forma ativa pelo sistema. A intenção é que reações que necessitam de respostas muito rápidas sejam providenciadas pelo avião, deixando o piloto com tempo para gerenciar ações de recuperação da segurança de voo. Ao dispor de um avião que compensa uma falha de motor e evita que se preocupe em isolar o manete do motor inoperante, o piloto se sente mais confiante e tem menor carga de trabalho em um momento crítico.