Conheça as razões para o fim da produção do A380

O mais ambicioso projeto da Airbus sairá de cena décadas antes do planejado

Por Edmundo Ubiratan Publicado em 28/09/2020, às 16h30 - Atualizado às 17h11

Emirates deverá receber o derradeiro A380 produzidos, num total quase quatro vezes menor do que o estimado em 2000

Na última semana o último A380 foi flagrado deixando a linha de montagem da Airbus, em Toulouse, na França. O derradeiro exemplar será entregue para a Emirates Airline, a maior operadora do A380, com mais de 120 aviões na frota.

A chegada de mais um superjumbo na frota ocorre em um momento que a Emirates, que sempre defendeu a viabilidade do A380, estudq reduzir parcialmente sua frota, tendo optado recentemente por aeronaves menores, como o Airbus A350 e Boeing 787.

No início de 2019 a japonesa All Nippon Airways (ANA) se tornou oficialmente a última operadora do gigante quadrimotor da Airbus, o A380, ao receber o primeiro de apenas três aviões encomendados. Menos de um ano depois o A380, outrora orgulho da Airbus, se tornou um pesadelo para diversas empresas aéreas que já vinham cogitando aposentar a aeronave muito antes do previsto inicialmente. A pandemia de covid-19 antecipou a aposentadoria de dezenas de aeronaves, sendo um dos carrascos implacáveis do A380. A Air France retirou o modelo de serviço um ano antes do estimado, a Lufthansa deverá paralisar definitivamente ao menos metade da frota, enquanto a British Airways analisa o futuro do avião. Curiosamente, a empresa britânica havia cogitado ampliar a frota de A380 com modelos usados, mas os planos foram cancelados.

Cancelamentos

Em fevereiro de 2019, a Airbus oficializou o que o mercado já previa, mas que ninguém estava disposto a assumir, o encerramento da produção do A380 em 2021, quando será entregue o avião de número 250 – um quarto do mercado projetado para o modelo.

Air France foi uma das primeiras empresas a desmonstrar falta de interesse no A380

Poucos dias antes de formalizar o fim do A380, a Airbus confirmou que a australiana Qantas Airways havia cancelado o pedido para mais oito aviões restantes do contrato de compra original, mantendo sua frota com 12 aeronaves. 

A Emirates padronizou sua frota com apenas dois modelos, o A380 e o Boeing 777-300ER, este último sendo um dos responsáveis pelo fim do gigante europeu. A concorrência dos aviões bimotores, em especial do 777-300ER, que, mesmo oferecendo menor capacidade de transporte de passageiros e carga, possui maior economia e maior flexibilidade operacional. Ironicamente, a proposta do A380 era justamente substituir grandes bimotores, concentrando o maior número de passageiros em voos diretos entre hubs, tendência que não se concretizou no transporte aéreo regular.

Classe F

Quando foi lançado, no início dos anos 2000, a expectativa era a de que a crescente demanda pelo transporte aéreo exigiria o uso de aeronaves com grande capacidade, visando manter a normalidade no tráfego aéreo. Ainda que o transporte aéreo global tenha registrado expressivo crescimento nos últimos 19 anos, a demanda por aviões de grande capacidade, como o A380 e o 747-8I, ficaram muito abaixo do esperado. Entre os motivos está a restrição operacional do A380, que se enquadra na classe F, de aeroportos, restringindo enormemente seu mercado.

Componentes do último A380 se despedem da planta industrial de Saint-Nazaire, na França

Ainda que a maioria dos aeroportos com demanda para o A380 seja capaz de receber o modelo, a maior restrição se refere a posições de estacionamento e de movimentação de passageiros e bagagens. A capacidade acima dos 500 passageiros foi um temor no início, já que envolveria um elevado número de pessoas sendo processadas em sistemas dimensionados para atender a tal volume em dois ou três voos.

Dois decks

O programa A380 tornou-se público em 1994, quando a Airbus anunciou o conceito, ainda designado A3XX. Na ocasião, a então McDonnell Douglas havia apresentado o projeto MD-XX, que previa um avião de fuselagem larga com dois decks completos, diferente do rival 747, no qual apenas o deck principal é integral, com a icônica corcova recebendo poucos passageiros e tendo apenas um corredor.

O conceito da Airbus rivalizava justamente com o MD-XX ao se revelar um avião de duplo corredor de dois andares, com o piso superior com uma área quase correspondente à do piso principal. A Boeing respondeu com os projetos 747-500X e 747-600X, este com fuselagem de mais de 80 metros de comprimento, o que imediatamente mostrou-se inviável.

Boeing chegou a cogitar nos anos 1990 uma versão alongada do 747, mas modelo teria mais de 80 m de comprimento

Por questões operacionais, estabeleceu-se que nenhum avião deveria ocupar um espaço superior a 80 metros. Na época, o mercado praticamente ignorou os três projetos, com a McDonnell Douglas sendo absorvida logo depois pela Boeing e os dois projetos norte-americanos, cancelados. A Airbus, porém, manteve os estudos de mercado e o projeto caminhava conforme os principais produtos então recém-lançados eram entregues, como as famílias A320 e A330/A340. 

Hubs and spokes

Em 1999, a Airbus projetava vendas superiores a mil unidades do A3XX, que seria a espinha dorsal da frota da maioria das grandes empresas do mundo. A ideia era simples, um grande avião ligaria as principais cidades do mundo, reduzindo, assim, o tráfego aéreo de longo curso e maximizando o uso dos assentos. O conceito de hubs and spokes parecia ser o caminho a ser seguido pelas companhias aéreas, que concentrariam em poucos aeroportos a maior parte dos voos internacionais e de grande demanda. Com aeronaves menores, distribuiria os passageiros para o restante dos destinos.

A aviação é um setor bastante dinâmico e influenciado por uma série de fatores externos, entres eles, a opinião dos passageiros. Rapidamente as companhias aéreas notaram que eram poucos os aeroportos que poderiam atender ao conceito projetado pela Airbus, como o caso de Dubai, que se tornou um aeroporto de conexão global. No caso do aeroporto árabe, sua localização permitiu a aplicação do conceito, já que possibilita um passageiro partir de São Paulo e viajar para Guangzhou, na China, passando por Dubai. O que não era viável para rotas como os Estados Unidos. Era pouco provável que as empresas aéreas optassem por concentrar seus voos em Nova York, por exemplo, e de lá distribuíssem os passageiros por todo o país. Na Europa, poucos aeroportos permitem tal arranjo, não por questões técnicas, mas por demanda de mercado.

Antes mesmo da pandemia os primeiros A380 retirados de operação já não encontravam novos operadores

Século 20

O A380 foi anunciado oficialmente em 19 de dezembro de 2000, o que o faz tecnicamente o último projeto da aviação lançado no século 20. Para muitos analistas, o problema é justamente ter sido planejado para uma visão do final do século e não dentro de demandas que surgiriam em poucos anos no novo milênio. Os atentados de 11 de setembro mudaram a dinâmica da aviação global, o que impactou seriamente nas contas das empresas aéreas, já que dezenas decretaram falência nos meses seguintes. A norma foi cortar custos e entre os principais alvos estava o consumo de combustível.

Mesmo sendo projetado com os mais modernos motores da época, o A380 continuava utilizando quatro motores. Atrasos no desenvolvimento postergaram o primeiro voo para 2005, com a primeira entrega também atrasando, ocorrendo apenas em 2007, para a Singapore Airlines.

A Singapore Airlines foi a primeira empresa aérea do mundo a operar com o A380, nenhuma norte-americana se interessou pelo gigante de dois andares

O fato de não ser uma empresa norte-americana ou europeia a receber o primeiro avião mostrava ainda uma mudança na economia global. Nas projeções de mercado, passaram a ter destaque os países da região da Ásia-Pacífico, sobretudo a China e a Índia. Com mais de 1 bilhão de habitantes cada, era praticamente certo que o A380 teria seu lugar na história entre as empresas asiáticas.

Mas não foi isso o que se viu, nenhuma empresa indiana encomendou o modelo enquanto no país vizinho apenas a China Southern Airlines possui o modelo. Na região, a chinesa soma-se aos operadores Singapore, Korean Airlines, Asiana, Malaysia, Qantas e agora ANA. Apenas sete operadores na região que mais cresce no mundo. 

A350, 777 e 787

Rapidamente o mercado notou que os bimotores estavam conquistando as empresas aéreas. O veterano 747 não conseguiu obter o sucesso esperado, enquanto seus irmãos mais novos, o 777 e depois o 787, ganhavam cada vez mais espaço. Mesmo com menor capacidade, os dois aviões permitem à empresa aérea flexibilizar a capacidade, operar maior número de horários e destinos, somado ao menor custo de aquisição e operação.

O Boeing 777-300ER foi o carrasco dos quadrimotores, incluindo seu irmão mais velho o 747

A Airbus seguiu o caminho da rival e lançou o A350 XWB, que logo se mostrou um dos “carrascos” do A380. Tanto que, ao cancelar o pedido final para seu gigante, a Emirates converteu parte dos pedidos do A380 no A350 e no recém-chegado A330neo.

O maior entrave do A380 não foi sua qualidade como avião, mas o fato de estar superdimensionado para a realidade global, incluindo o fato de ter dois motores a mais do que as companhias gostariam. Ao final da produção, em 2021, com os 250 aviões entregues, terá atingido o mesmo número de unidades comercializadas do Lockheed Tristar.

O maior e o menor juntos: O A380 e o A318 se mostraram pouco atraentes ao mercado

O A380 deixará sua marca na história por ter revolucionado uma série de questões de projeto e por ter sido audacioso o bastante para superar a marca dos 500 passageiros. Em classe única, passaria dos 800 assentos. Resta para a Airbus preparar a despedida do seu mais ambicioso projeto.

* Texto baseado na matéria Cortar Motores, publicado na edição 299 de AERO Magazine

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