Algumas famílias dos aviões executivos tem sua origem derivada de projetos militares ou nascidos como aviões comerciais
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 02/01/2023, às 13h00
Ferramenta imprescindível de trabalho no mundo contemporâneo para uma categoria de passageiros usualmente classificada com muito importante (VIP, na sigla em inglês), os jatos de negócios mesclam ganho de tempo e produtividade com ideia de luxo, status e conforto. O curioso é que a maioria das famílias de jatos de negócios surgiu com outras funções, tendo como base programas bastante diferentes da ideia de ser um avião privativo.
Após o final da Segunda Guerra, a França reestruturou sua indústria aeronáutica, cedendo uma série de contratos para fabricantes recém-estabelecidos. No início dos anos 1960, um projeto previa o desenvolvimento de um jato de negócios que pudesse atender a interesses governamental, executivo e militar.
A Dassault Aviation aceitou o desafio e, com base nos estudos aerodinâmicos do caça-bombardeiro Mystère IV, passou a trabalhar no programa de um jato para até dez passageiros.
O conceito era tão promissor, que a gigante Pan American World Airways se tornou sócia do projeto, criando, assim, o Falcon 20 (originalmente, Dassault-Breguet Mystère 20).
O avião era tão inovador que uma série de variantes surgiram – até planos de uma versão para 30 ocupantes. No começo da década de 1970, o lendário empresário Frederick W. Smith viu no Falcon 20 o modelo ideal para sua nova empresa.
Uma conversão tornou o modelo apto ao transporte de cargas expressas, fazendo dele o primeiro avião da gigante Federal Express, ou FedEx.
Outro projeto baseado em avaliações e estudos militares foi o primeiro Citation. Na época, a Cessna se valeu de sua experiência no desenvolvimento tanto do treinador T-37 Tweet como de seu derivado de ataque ao solo, o A-37 Dragonfly.
Anunciado inicialmente como Fanjet 500, o avião contava com uma série de conceitos derivados do treinador militar e do aprendizado com a proposta do Cessna 407, basicamente um avião de transporte criado a partir do T-37, mas que não obteve interesse do mercado
O Fanjet 500 trazia uma cabine maior, dedicada ao transporte de passageiros, oferecendo ao mercado o que ficou conhecido como Citation I, dando origem à bem-sucedida família de jatos de negócios da Cessna.
Anos mais tarde a família Citation se tornou o principal produto na aviação de negócios do grupo Textron.
Nos anos 1950, uma série de projetos militares surgiram no mundo, incluindo na Suíça, país que tradicionalmente se manteve afastada da indústria bélica. O FFA P-16 era um avião de ataque ao solo que não agradou aos militares suíços e foi cancelado após a construção de cinco protótipos.
O projeto despertou o interesse de Bill Lear graças aos conceitos aerodinâmicos avançados. Após adquirir os direitos do projeto P-16, Bill Lear trabalhou em um avião capaz de atender ao promissor mercado de aviação de negócios.
Em outubro de 1963, o Learjet 23 realizou seu primeiro voo, marcando o início da família de jatos que, por décadas, rivalizou com o Citation o conceito de “jatinho” no imaginário popular.
Em fevereiro de 2021 a Bombardier anunciou o fim da linha de produção da família Learjet, que acumulou mais de 3.000 aviões produzidos ao longo de 59 anos.
A Grumman havia se notabilizado por seus aviões de combate embarcados, como o F4F Wildcat, o TBF Avenger, o F6F Hellcat, entre outros. Projetos civis e de aviação de negócios não eram o foco do fabricante, que chegou a produzir o hidroavião civil Widgeon sem grande alarde.
O desenvolvimento do motor Rolls-Royce Dart demonstrou o potencial para um avião civil de grande porte, mas voltado para o que parecia ser um novo nicho pouco explorado: o transporte aéreo corporativo, em especial com aviões de cabine larga.
Ainda que na época os projetos apostassem nos motores a jato, a Grumman acreditava no potencial dos turbo-hélices, lançando, assim, o Gulfstream I e inaugurando, em 1958, o mercado de aviões de negócios de cabine larga e longo alcance (para os parâmetros da época).
Hoje, a Gulfstream, que pertence ao conglomerado General Dynamics, é um dos grandes players desse mercado, ainda focada nos jatos de cabine larga e ultralongo alcance.
Por volta de 1974, Bill Lear pensou em um avião de negócios maior e com maior alcance do que os representantes da crescente família Learjet.
O projeto LearStar 600 não avançou, mas, naquela época, a Canadair buscava um avião capaz de brigar pelo mercado de aviões de cabine larga, nas mãos de Dassault e Gulfstream.
O conceito básico serviu como parâmetros para o que viria ser, na década seguinte, o Challenger, que voou pela primeira vez em 1978.
O projeto era tão flexível e avançado que deu origem a duas novas famílias de aviões, os Global Express e os jatos regionais CRJ100 e 200.
Aliás, foi um dos raros casos de jato de negócio que teve um derivado comercial, não o inverso.
O primeiro avião a jato da Embraer no segmento executivo foi justamente um modelo derivado de um jato regional, o ERJ135, que, ironicamente, é rival dos canadenses CRJ. O resultado era o óbvio, surgiu o rival do Challenger.
A primeira tentativa da Embraer não foi muito bem recebida pelo mercado, exigindo, assim, um redesenho do interior, melhoria no acabamento, melhor alcance, entre outros ajustes. O resultado foi um vencedor, a série Legacy 600.
O sucesso do Legacy levou a Embraer desenvolver na sequência a família Phenom, lançada em meados de 2005. Na ocasião o mundo esperava que os Very Light Jets se tornassem uma tendência. Embora diferente do esperado, o Phenom 300 se tornou um sucesso absoluto e por vários anos foi o avião de negócios mais entregue do mundo.
A Embraer ainda desenvolveu a família Praetor (antigos Legacy 450/500) para disputar mercado com ninguém menos que o Challenger. Além disso, ainda teve um avião de cabine larga, o Lineage 1000, derivado dos E190.
A suíça Pilatus surgiu antes mesmo de Bill Lear ter acesso ao projeto do P-16. O fabricante se notabilizou por seus turbo-hélices que podem operar em ambientes e pistas realmente desafiadores.
O objetivo era operar nos Alpes, o que define muito a filosofia dos aviões.
Recentemente, os suíços resolveram encarar o desafio de brigar na faixa de mercado mais disputada do mercado de aviação de negócios, concorrendo com ninguém menos do que o Phenom 300, que, há vários anos, lidera as vendas entre todos os aviões de negócios.
Entrar em um mercado tão acirrado exigiu criatividade e uma boa dose de audácia. O PC-24, o primeiro jato de negócios criado para operar em pistas não pavimentadas, com ampla porta de cargas e as características de desempenho extremas herdadas dos irmãos turbo-hélices.
Os japoneses fizeram história na Segunda Guerra com seus caças simples, leves e manobráveis, mas, no período de paz, a imensa maioria de seus projetos atendeu a interesses das próprias forças armadas, enquanto o NAMC YS-11 teve um modesto sucesso no mercado civil, com parcas 182 unidades produzidas.
A Honda se tornou lendária nas pistas, seja no motociclismo ou no automobilismo, para os brasileiros eternizada na McLaren de Ayrton Senna. Para a maioria dos motoristas do mundo com carros baratos e fama de tecnológicos e inquebráveis.
O desafio foi trazer o legado japonês da aviação do período da Guerra, com projetos realmente inovadores, aliado à capacidade industrial de alta tecnologia do setor automotivo.
Por duas décadas, a Honda trabalhou para ter seu primeiro jato de negócios. O resultado foi um projeto bastante diferente e que se tornou bem-sucedido na faixa de entrada da aviação de negócios, fazendo jus aos antepassados na aviação e nas estradas.