Países adotam a compra do F-35 e Rafale como uma apólice de seguro EUA e França em caso de instabilidades internacionais
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 12/10/2022, às 16h00
A compra e venda de meios militares aéreos, há pelo menos 80 anos, envolve mais questões políticas do que a capacidade de combate das aeronaves propriamente dita. Desde sempre, nações negociam acordos diplomáticos sobre as asas de modernos jatos de combate.
Na última década, porém, dois modelos, o F-35 e o Rafale, elevaram esses acordos a um novo patamar, garantindo segurança para quem adquire e influência para os países vendedores. Algo especialmente importante nos últimos anos, sobretudo diante da retomada das tensões globais. A análise caso a caso evidencia essa tendência.
Excluindo as nações-membro do Programa Joint Strike Fighter, que deu origem ao F-35, todas operadoras deste caça de quinta geração, a lista de países que recentemente escolheram o avião mostra um cenário diferente do habitual na relação entre compra e venda de aeronaves de combate.
Embora Canadá, Finlândia e Suíça sejam operadores do F/A-18 Hornet, os três países, que adquiriram o F-35, têm posições bastante distintas na questão geopolítica do mundo. O primeiro é um histórico aliado político e militar dos Estados Unidos, enquanto o segundo mantém certa independência política, com um elevado valor estratégico para os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), já que seria a primeira fortaleza de contenção ante um eventual avanço de Moscou ao Ocidente. Por fim, a Suíça, embora mantenha uma neutralidade militar e política, historicamente, sempre buscou estar bem armada para eventuais conflitos.
Recentemente, Cingapura, Coreia do Sul e Japão também anunciaram a escolha do F-35. Em comum, os três estão em uma região com risco de instabilidade por disputas geopolíticas em andamento. A China tem ampliado sua zona de influência, deixando de ser um país em desenvolvimento para assumir a posição de potência global, rivalizando cada vez mais com os Estados Unidos em diferentes áreas de atuação.
As ambições de Pequim, pelo menos considerando um retrospecto, nunca foram ampliar fronteiras ou conquistar territórios, com exceção de Taiwan, que é considerado apenas uma província rebelde. O problema é que Taiwan é um antigo aliado de Washington, tendo sido, por várias décadas, um ponto de equilíbrio da histórica disputa entre os Estados Unidos e o bloco comunista nos tempos da Guerra Fria.
Passadas mais de três décadas do fim da União Soviética e vinte anos da ascensão chinesa até o atual status de potência, Taiwan continua sendo estratégica para os planos norte-americanos. Contudo, a pressão política chinesa força a Casa Branca a manter uma posição defensiva quanto ao futuro taiwanês. O que claramente não é o caso da Cingapura, Japão e Coreia do Sul.
O caso de Cingapura é singular, uma pequena cidade-estado com relevância econômica no sudeste asiático e uma grande comunidade chinesa. O país está encravado na Malásia, outra importante economia local e de maioria mulçumana.
A Coreia do Sul está há quase sete décadas sentada em um barril de pólvora. Em 1953, foi assinado um armistício, mas um tratado de paz ainda hoje não foi concluído. As tensões com a Coreia do Norte ganharam novo capítulo quando, em 9 de outubro de 2006, Pyongyang se tornou uma potência nuclear. Desde então, o lado comunista da Coreia passou a desenvolver mísseis balísticos com maior alcance e mais capacidade, além de promover constantes provocações beligerantes contra a Coreia do Sul e o Japão. O acordo com o F-35 ainda permitiu que a Korea Aerospace Industries garantisse seus acordos de cooperação tecnológica e comercial com a Lockheed Martin, incluindo o desenvolvimento do seu futuro caça de geração 4,5, o KF-21 Boramae. O modelo permite ao programa evoluir para um projeto de quinta geração.
O Japão, que governou a península coreana de 1910 até 1945, é um dos alvos dos discursos políticos e militares da Coreia do Norte, assim como mantém há várias décadas relações conturbadas com a Rússia e a China. As históricas disputas de ilhas ao norte do Japão e limites de águas territoriais, bem como conflitos de interesses econômicos e de influência, cresceram nos últimos anos.
Assim, para Finlândia, Cingapura, Coreia do Sul e Japão, a escolha do F-35 se tornou mais do que a inclusão de um avião de quinta geração, com capacidade furtiva, supervelocidade e um vasto leque de armas nas suas respectivas forças aéreas. O avião representa a garantia de que, independentemente do governante que ocupar a Casa Branca, os Estados Unidos deverão intervir, mesmo que de forma indireta, em qualquer crise política ou militar.
Na prática, o F-35 representa um compromisso geoestratégico, visto que sua operação requer um sem-fim de garantias para que suas tecnologias e doutrinas jamais sejam confiscadas por inimigos. Além disso, sua grande capacidade de combate exige um suporte de guerra centrado em rede, que vai de acesso ilimitado aos satélites da constelação GPS, aos aviões de alerta aéreo antecipado e controle (AWACS), inteligência, entre outros.
A maior parte dessa rede é operada exclusivamente pelos Estados Unidos, como os satélites de GPS, mas, em outros casos, por exemplo, suas aeronaves de guerra eletrônica são fundamentais para completar o arsenal de seus aliados.
Já os casos canadense, israelense e suíço são ligeiramente diferentes. Ainda que suportes e garantias norte-americanos sejam parte do acordo, cada contrato envolveu alguns adicionais.
O Canadá é um dos parceiros industriais do programa Joint Strike Fighter, mas ainda não havia assumido um compromisso com o caça. Embora as indústrias aeroespaciais canadense e norte-americana tenham um histórico centenário de colaboração, havia pressão interna em Washington cobrando que, caso o Canadá não se tornasse operador do F-35, seria justo, ao menos para quem fazia o lobby, que os componentes feitos no país fossem transferidos para fábricas nos Estados Unidos. Além disso, o Canadá é membro do Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte (Norad), a organização de controle aeroespacial da América do Norte, que voltou a ganhar destaque após o derretimento das relações entre o Kremlin e o Ocidente.
Da mesma forma, Israel é um importante parceiro tecnológico da indústria aeroespacial norte-americana, além de ser um dos mais importantes aliados da Casa Branca em todo o mundo. O país ainda se destaca por ser um dos braços da política externa norte-americana no Oriente Médio e no Norte da África. Considerando seu status delicado entre seus vizinhos, em especial o Irã, Israel mantém uma política de contar com os melhores e mais poderosos meios militares disponíveis, em especial na força aérea. Com a impossibilidade de adquirir o F-22 Raptor, exclusivo da força aérea norte-americana (a USAF), o governo israelense trabalhou para ter acesso a uma versão especial do F-35.
Por fim, a Suíça que mantém uma posição neutra há vários séculos e jamais escondeu ter meios militares de garantir sua sobrevivência. Embora alguns especialistas em geopolítica creditem a neutralidade suíça a seus cofres, que guardam boa parte do dinheiro do mundo, incluindo de Estados páreas e organizações criminosas, recentemente, o país adotou novas políticas bancárias pouco ortodoxas dado seu histórico. O caso mais recente foi o congelamento de ativos russos, uma atitude inesperada e que, ao menos em relação a Moscou, a Suíça perdeu sua posição de neutralidade.
A maior parte dos F-35 suíços deverá ser montada pela italiana Leonardo, por meio de um acordo industrial e estratégico adotado pelo Pentágono e a Casa Branca. Além de distribuir funções para Estados-membros do programa JSF, algo esperado nesse tipo de acordo, a produção italiana atende também a questões logísticas, tirando um peso extra das unidades da Lockheed Martin, que podem se dedicar à produção dos aviões das forças armadas norte-americanas, assim como garantir maior segurança em suas instalações.
Ainda existe a possibilidade de ao menos quatro exemplares serem finalizados na Suíça, que, nesse caso, é mais um simbolismo político. Mas é, também, uma garantia de que o país terá ampla proteção da Otan caso um dia seja ameaçada por nações que tiveram perdas bilionárias graças às suas novas políticas bancárias e fiscais.
Clique aqui para ler: Como o Rafale se tornou uma apólice de seguro [Parte II]
* Adaptado da matéria APÓLICES CONTRA AMEAÇAS
publicada na edição 335 de AERO Magazine