Conheça a linhagem dos aviões com capacidade de ataque nuclear da força aérea norte-americana
Por André Vargas Publicado em 07/06/2021, às 14h00 - Atualizado às 16h06
A tríade nuclear da Guerra Fria se mantém viva, com plataformas terrestres e submarinos capazes de lançar mísseis balísticos (inclusive intercontinentais) e aviões bombardeiros estratégicos disponíveis para uso das superpotências mundiais diante de um conflito armado.
Hoje, porém, os aviões deixaram de ser numerosos e perderam a importância dissuasiva diante de vetores mais modernos, poderosos e furtivos,.A fase áurea dessas máquinas voadoras ocorreu entre os anos 1950 e 1960, no auge da disputa política e militar entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética.
Desde aquele tempo, quando o método aparentemente mais seguro de varrer o adversário soviético do mapa seria lançar bombas de queda livre no interior de seu território, a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF, na sigla em inglês) desenvolveu e adquiriu uma sequência de aeronaves que, ao sabor das teorias estratégicas em voga, estiveram (e o B-2 Spirit ainda está) prontas para lançar artefatos nucleares.
Ainda em operação, o B-52 e o B-1 perderam (por ora) essa capacidade em respeito a tratados de desarmamento nuclear. Só o mais recente B-2 ainda conserva a capacidade nuclear, mas apenas com bombas de queda livre. Em tese, até os mísseis de cruzeiro de lançamento aéreo do arsenal norte-americano agora só possuem ogivas convencionais.
A história dessas temíveis e poderosas aeronaves começa ainda durante a Segunda Guerra, antes do início das operações do Boeing B-29 Superfortress. A era do jato se anunciava e o comando da então Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) optou por um híbrido, gigantesco para os padrões do início dos anos 1950. Projetado a partir de 1941, o Convair B-36 Peacemaker foi o maior avião a pistão produzido em larga escala.
Com alcance de 16 mil quilômetros sem reabastecimento transportando até 36 toneladas de carga, o B-36 tinha quase o dobro da largura, o triplo da autonomia e três vezes a capacidade de carregamento de seu antecessor, o B-29. Primeiro bombardeiro com verdadeira capacidade nuclear, a partir de 1948, foi tanto um arauto do apocalipse como um pacificador (daí seu apelido, Peacemaker) nas mãos do Comando Aéreo Estratégico (SAC) da novíssima USAF. Em 1955, começou a ser substituído pelo Boeing B-52 Stratofortress.
O segundo bombardeiro nuclear dos EUA não era nada estratégico. O North American B-45 Tornado surgiu em 1947, assim como o Boeing B-47 Stratojet. O B-45 era um bombardeiro médio a jato com capota em bolha e algo de antiquado no design. Com 40 unidades convertidas para carregar artefatos nucleares, fez parte do SAC de 1950 a 1959, junto com a versão RB-45, de reconhecimento.
Em 1951, foi substituído parcialmente pelo B-47 Stratojet até que, em 1959, cedeu lugar de vez ao supersônico B-58 Hustler. As versões “convencionais” do B-45 foram usadas na Guerra da Coreia. A Real Força Aérea (RAF) britânica utilizou o aparelho em missões de reconhecimento sobre a URSS.
O B-47 Stratojet foi testado até a exaustão em túneis de vento. Suas linhas elegantes e esguias, com seis turbojatos instalados em asas altas enflechadas, baseadas em estudos alemães da Segunda Guerra, permitiam voos a alta velocidade subsônica em grandes altitudes, a fim de evitar os interceptadores soviéticos, que se aprimoravam.
Na prática, o B-47 era um bombardeiro médio que carregava bombas nucleares. Suas linhas modernas e limpas acabaram influenciando todos os grandes jatos de passageiros que vieram depois. Apesar do alcance reduzido (3.240 quilômetros) em comparação com o B-36, o avião permitia reabastecimento em voo, tinha manutenção menos problemática e era mais veloz. A redução do peso dos artefatos também ajudou. A produção do B-47 atingiu duas mil unidades, que voaram para o SAC até 1960.
As versões foram dotadas com dezenas de radares e sensores diferentes, de acordo com rápida evolução da eletrônica. Seu armamento mais poderoso era uma bomba Mk41, de 25 megatons.
O B-52 Stratofortress foi um dos símbolos da Guerra Fria e o mais bem-sucedido projeto da aviação militar de todos os tempos. O avião segue em operação até hoje e deve ser aposentado só em 2045, quando terá 92 anos de seu primeiro voo, sendo 90 anos de operação e 83 anos após o último aparelho ter saído da fábrica. Algo que se deve à confiabilidade do projeto, à resistência das células, à manutenção cuidadosa e à sua versatilidade.
Hoje mesmo defasado tecnologicamente, o B-52 segue como o bombardeiro estratégico padrão dos EUA. Foi apelidado pelas tripulações de BUFF, acrônimo para Big Ugly Fat Fellow (Grande Camarada Feio e Gordo, em tradução livre), embora haja outras definições menos educadas para as mesmas iniciais. Apesar de manter a aparência externa, quase tudo no interior dos B-52 foi alterado. Foram mais de 40 programas de atualização, incluindo de estrutura, motores e aviônica. Até o final da década o avião deverá ser remotorizado, usando novos propulsores mais modernos e econômicos.
No auge da Guerra Fria, nos anos 1960 e 1970, o SAC manteve em turnos alguns B-52 no ar carregados com bombas atômicas. Seis acidentes aéreos envolveram aviões que voavam com os dispositivos. Voltada para ataque nuclear, desde 1991 o B-52 está sem capacidade de lançamento de mísseis atômicos de disparadores rotativos internos e a partir das asas.
Deveria ter sido o sucessor do B-52, o Convair B-58 Hustler jamais viu um combate. Foi o primeiro bombardeiro supersônico a jamais participar de um conflito, permanecendo apenas dez anos em serviço. Tinhas asas em delta, estrutura de aço inoxidável moldado em colmeia, fuselagem de cintura de vespa, quatro motores capazes de atingir Mach 2 em altitudes elevadas, um casulo ejetável para a tripulação e um grande sistema de ar condicionado para manter operáveis as válvulas eletrônicas de seus sistemas de navegação e radar.
Uma única bomba e a maior parte do combustível eram levadas em um grande pod ventral alijável. Quase uma versão vitaminada do interceptador Convair F-102, o Hustler colecionou recordes de velocidade e problemas por ter levado a tecnologia de sua época ao limite. Um ano antes de entrar em operação, o presidente Dwight Eisenhower afirmou, com ironia, que o avião “valia seu peso em ouro”.
Sonho dos pilotos, era o pesadelo da manutenção. Vazamentos em seu tanque obrigaram a uma modernização. A falta de versatilidade era limitante por causa do tanque ventral. Outra modernização permitiu levar duas bombas B43 ou B61 em cada asa. Tudo em vão, já que os tempos mudavam, o desempenho do Hustler era fraco a baixas altitudes e os mísseis soviéticos haviam melhorado de desempenho. Por isso, em 1965, três anos após o último aparelho sair da fábrica, foi anunciado que o B-58 sairia de operação em 1970. Mesmo assim, enquanto esteve na ativa, infundiu receio aos soviéticos, que pareciam desconhecer suas limitações.
O bombardeiro estratégico seguinte dos norte-americanos teve um desenvolvimento errático, em parte incorporando lições do cancelado B-70 Valkyrie. O Rockwell B-1 Lancer foi criado para substituir o B-52 como penetrador nuclear de longo alcance a baixas altitudes. Para tanto, contava com quatro motores, cauda em T, asas de geometria variável, um sofisticado radar de navegação e grande capacidade de carga.
Apelidado de Bone (Osso), uma corruptela em inglês de B-1 (B-one), seu desenvolvimento foi tolhido e atrasado por limitações orçamentárias e contingências políticas. Quase concluído, acabou cancelado no governo Jimmy Carter, em 1977, com quatro protótipos concluídos. O argumento era simplista. Ao descobrir, em 1976, que o caça soviético MiG-25 Foxbat tinha capacidade de rastrear alvos voando baixo, a USAF optou por ataques com os mísseis nucleares de cruzeiro AGM-86, de 2,4 mil quilômetros de alcance e capacidade de voo rasante. Como já não seria preciso adentrar o território soviético para um ataque, ficou acertado que modelos B-52 readaptados fariam o serviço a um custo de apenas 20% do projeto do B-1.
Ressuscitado por Ronald Reagan, o quadrimotor entrou em operação em 1986. Porém, diante do fim da Guerra Fria, jamais alcançou o reconhecimento de seus antecessores e sucessor. Mesmo assim, foi equipado com mísseis nucleares de cruzeiro até 1995. Como bombardeiro convencional, participou de ações no Iraque, Kosovo e Afeganistão. Pouco mais de 60 aviões B-1 estão no inventário da USAF, que deve aposentá-los com a chegada do Northrop Grumman B-21 Raider, a partir de 2026.
O cancelamento temporário do B-1 abriu as pesquisas para seu sucessor, o Northrop B-2 Spirit, hoje o único bombardeiro nuclear em operação de fato na USAF. De início, parte dos estrategistas aéreos não gostaram, pois preferiam continuar investindo em mísseis aerotransportados no B-52 – ou em algum substituto menos dispendioso.
Com apenas 21 exemplares produzidos (um foi destruído em acidente) a um custo unitário de mais de US$ 2 bilhões (R$ 10 bilhões), o Spirit é o primeiro bombardeiro pesado furtivo operacional do mundo. Com um alcance de onze mil quilômetros e, com um só reabastecimento, chegando até a 19 mil quilômetros, pode despejar 16 bombas termonucleares B83 (até 1,2 megaton) sobre qualquer lugar do mundo. Seu arsenal também conta com a B61 (até 350 quilotons) e o míssil AGM-129. As bombas ficam em dois compartimentos distintos, armazenadas em lançadores rotativos. As maiores críticas ao projeto são seu custo.
O avião entrou em operação em julho de 1989, um ano antes da queda do Muro de Berlim. Nem por isso perdeu função, já que existe para manter novos adversários atentos. Afinal, Rússia, China e Coreia do Norte mantêm arsenais nucleares. Com aposentadoria prevista para 2050, será substituído pelo B-21, que aposentará, ainda, o B-52 e o B-1. Também furtivo e com alcance ainda maior, o B-21 deve manter a capacidade nuclear em larga escala das aeronaves da USAF.