O C919 é o primeiro avião comercial moderno chinês e projeto quer encarar o A320neo da Airbus e o 737 MAX da Boeing
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 11/02/2023, às 18h00
A China pode estar perto de ingressar no seleto clube de países com capacidade de desenvolver e produzir aviões comerciais em escala. Embora o país dispense apresentações por suas capacidades fabris, em especial seu salto tecnológico nos últimos trinta anos, a aviação comercial era sua última fronteira na consolidação de uma potência global.
A Comac deu seus primeiros passos no mercado de aviação comercial com o C919, seu primeiro projeto criado do zero. Embora o ARJ21 tenha sido seu primeiro modelo certificado, o programa foi baseado na plataforma do MD-80, que foi produzido sob licença na China.
Em janeiro, segundo Zhang Yujin, vice-gerente geral da Comac, o C919 acumula ao menos 1.200 pedidos. Embora a carteira da Comac não seja pública, o último relatório divulgado pela Mercator Institute for Chinas Studies, apontava 305 encomendas firmes até o final de 2022, o que coloca o total divulgado por Yujin dentro das perspectivas realistas do setor para o montante de pedidos confirmados, opções de compras e intenções de compra. Entretanto, as empresas aéreas chinesas divulgaram pedidos que somados não chegam nem aos 100 aviões, conflitando os valores oficiais e extraoficiais da Comac para o C919.
Oficialmente a Comac afirma que seu objetivo inicial não é disputar o mercado global da Airbus e Boeing, mas garantir sua presença no mercado interno chinês, com potencial de vendas que superam as 3.000 aeronaves em vinte anos. Caso confirme sua expectativa, a Comac será o terceiro maior fabricante de aviões em apenas duas décadas, superando a Embraer, que mantém há vários anos o posto.
Os planos oficiais do governo central é que até 2025 a Comac detenha 10% dos pedidos no segmento de aviões comerciais de até 180 assentos, seguindo para algo próximo de um terço em dez anos.
Ainda assim, contrariando os planos do governo, as três grandes companhias aéreas estatais do país, a China Southern, Air China e China Eastern, fizeram um total de apenas 20 cada para o C919.
Além disso, Pequim enfrenta um forte embate comercial com os Estados Unidos manteve por mais de três anos a proibição de voos com a família 737 MAX, sendo a China o primeiro país a suspender os serviços com o modelo e uma das últimas a liberar as operações.
Uma investida no mercado global deverá ocorrer em um segundo momento, quando o C919 estiver consolidado entre as empresas aéreas chinesas. A estratégia visa garantir o aperfeiçoamento do projeto e a capacitação de suporte pós-venda em padrões internacionais.
Por ora, o C919 entregue em dezembro de 2022 para a China Eastern Airlines iniciou a campanha de voos regulares, validando parâmetros de projeto e capacidades operacionais da companhia aérea e da engenharia da Comac. A intenção é que o avião acumule ao menos cem horas de voos de validação com passageiros, voando entre Pequim, Xangai, Xi’an, Guangzhou, Wuhan, Chengdu, Lanzhou, Haikou, Nanchang, Kunming e Jinan.
As operações serão monitoradas por equipes técnicas da Comac e de autoridades de aviação da China, validando a capacidade operacional e o cumprimento de todos os padrões de segurança e confiabilidade do projeto. O primeiros quatro C919 da China Eastern Airlines deverão ser declarados plenamente operacionais em meados do segundo trimestre.
Um dos entraves do C919, em um eventual agravamento das relações políticas com o Ocidente, é a maior parte dos seus sistemas, incluindo aviônicos, computadores de voo e motores, serem fornecidos por empresas dos Estados Unidos e Europa. A estratégia chinesa foi seguir o modelo ocidental de um projeto baseado em itens de prateleira, como faz usualmente a Airbus, Boeing e Embraer. Ao evitar o desenvolvimento completo do avião de forma local a China reduziu os custos e riscos, e aumentou as chances de viabilidade econômica do projeto.
Recentemente o Departamento de Comércio dos Estados Unidos divulgou uma ampla lista de empresas chinesas que estão impedidos de manterem relações comerciais com fabricantes do país. Parte dos bloqueios incluem diversas subsidiárias da AVIC (Aviation Industry Corporation of China) o conglomerado estatal que controla a Comac. As alegações apontam que as empresas listadas mantêm laços com indústrias militares, sendo assim uma ameaça aos Estados Unidos e seus aliados na região. Há vários anos a Casa Branca tem se preocupado com a estratégia chinesa de unificar seu parque civil e militar sob um mesmo controle e linhas de produção. O objetivo, segundo Washigton, é permitir a China modernizar seus meios militares utilizando tecnologias e capacidades industriais Ocidentais.
Por outro lado, a China não tem planos concretos de avançar para pleno domínio tecnológico no setor aeronáutico, optando pelo caminho dos principais rivais, que aliás, tem parte dos componentes eletrônicos produzidos no país.
Esse tem sido uma das maiores garantias para a China que o Ocidente não avançará em um bloqueio comercial ou sanções. A dependência da indústria ocidental das linhas de produção chinesas, sobretudo no segmento de eletrônicos, baterias e comunicação, mantém a Comac confortável para utilizar componentes norte-americanos e europeus em seus aviões.
A promessa do C919 é se tornar o primeiro avião comercial não ocidental de sucesso global, superando em números e tecnologia os projetos soviéticos que sempre estiveram restritos aos países sob influência de Moscou, sobretudo no auge da Guerra Fria. A China enfrenta um longo caminho para se estabelecer como um player de aviação comercial global, mas o histórico mostra que o país tem capacidade intelectual e financeira para dar mais esse passo.