Fabricantes focaram seus esforços em se adaptar ao novo cenário que a aviação comercial atravessa
Por Edmundo Ubiratan e Gabriel Benevides Publicado em 13/01/2021, às 11h00 - Atualizado às 12h17
Enquanto o 737 MAX ficou impedido de voar, Airbus comemorou a entrega do avião de número 10.000 da família A320
A divulgação do balanço de entregas de 2020 por parte da Airbus e Boeing demonstra o impacto da pandemia de covid-19 no setor aeroespacial e evidencia o peso de decisões do passado em cada fabricante.
A Airbus encerrou 2020 com 566 aeronaves comerciais para 87 clientes, uma redução expressiva de 34% quando comparado a 2019. Do outro lado, a Boeing apresentou um desempenho bastante inferior, com apenas 157 entregas ao longo do ano, em grande parte impactada pela proibição dos voos com o 737 MAX. O fabricante norte-americano ficou impedido de realizar entregas do seu principal avião por vinte meses.
O ano passado marcou uma profunda reviravolta no cenário da aviação comercial, que vinha assistindo um crescimento constante nos últimos dez anos. Enquanto em 2020 dois fabricantes acumularam 723 entregas, apenas dois anos antes o acumulado 1.600 aeronaves marcou o recorde para a dupla, quando foram geradas receitas de US$ 120 bilhões. Durante 2018 o volume de entregas e receita ficou basicamente equilibrado entre a Airbus e Boeing, conferindo uma disputa bastante intensa nas últimas duas décadas.
A Airbus avalia que 2020 foi um dos períodos mais desafiadores de sua história, por conta do efeito coronavírus, o que gerou cancelamentos e fechamentos temporários de suas fábricas. Entretanto, o cenário improvável impôs uma rápida adaptação do fabricante europeu que ainda conseguiu fechar 383 novas encomendas, com saldo de 268 pedidos líquidos e 7.184 aeronaves em carteira.
Por outro lado, a Boeing que já vinha acumulando perdas com a paralisação do 737 MAX, enfrentou a queda brusca na demanda de viagens internacionais, forçando seus principais clientes postergarem as entregas de aeronaves de grande porte. Ainda assim, dos 157 aviões entregues, um total de 109 foram modelos de dois corredores. O 737 teve apenas 43 entregas, todos da série Next Generation, marcando assim a despedida da família NG, que foi uma das mais bem-sucedidas da história da Boeing.
As medidas impostas para conter o avanço do vírus impactaram severamente o fluxo de caixa de todos os clientes da Airbus e Boeing, principalmente aqueles que estavam com aviões prontos para serem entregues.
Com o avanço da crise do coronavírus instaurada no primeiro trimestre de 2020, a Airbus estabeleceu um plano de adaptação de produção em meados de abril 2020, atendendo a mudança brusca na demanda de passageiros causada pelas restrições de viagens internacionais. Usualmente a postergação de entregas ocasiona multas e revisões pouco flexíveis nos contratos entre fabricantes e clientes (empresas aéreas e companhias de arrendamento). Porém, para superar a situação a Airbus concordou em preterir a entrega de algumas aeronaves e inovou ao lançar entregas de suprimentos através de ‘e-delivery’, para proteger a saúde de seus clientes e dar continuidade nos seus negócios.
“Trabalhar de mãos dadas com nossos clientes nos permitiu navegar por um ano difícil. As equipes, clientes e fornecedores da Airbus realmente se uniram em face da adversidade para entregar esse resultado. Agradecemos também aos nossos parceiros e governos por seu forte apoio ao setor”, disse Guillaume Faury, CEO da Airbus.
Mesmo com registro de 115 cancelamentos em 2020, os esforços da Airbus foram suficientes para garantir um total de 383 novos pedidos, com total de 268 pedidos líquidos. O destaque continua para a família A320, que obteve 296 novos pedidos firmes, nos quais 37 foram para o A321XLR. Já o novato A220 conquistou 64 encomendas, fundamental para sacramentar a liderança na sua categoria e demonstrar o peso que o consórcio teve na reviravolta no futuro do então CSeries. Entre os modelos de dois corredores a Airbus obteve 23 novos pedidos, sendo 21 para a família A350 e dois para o A330neo.
A Boeing, todavia, aprofundou a crise iniciada em 2019, quando o 737 MAX foi proibido de voar após dois acidentes fatais. Uma série de falhas no programa, assim como duvidas no processo de certificação do modelo atrasaram o retorno as operações regulares e ajudou a reduzir o total de pedidos firmes. Além disso, problemas de qualidade no processo de produção do 787 também impactaram nos resultados.
“A retomada das entregas do 737 MAX, em dezembro, foi um marco importante à medida que fortalecemos a segurança e a qualidade em nossa empresa. Também continuamos as inspeções abrangentes no 787 para garantir que atendam aos nossos mais altos padrões de qualidade antes da entrega”, disse Greg Smith, vice-presidente executivo de Operações Corporativas e diretor financeiro da Boeing.
O quarto trimestre do ano passado marcou a retomada dos voos com o 737 MAX, que aliado a expectativa global de uma vacinação em massa nos próximos meses, deverá proporcionar a normalização no fluxo de entregas do mais importante avião da Boeing. O fabricante ainda está ampliando seu foco em segurança, qualidade e transparência, visando superar a imagem negativa causada pelo acumulo de falhas internas.
Com novas metas e objetivos para 2021, a Airbus tem pela frente o desafio de redimir os resultados em um mercado que antes olhava para aeronaves de fuselagem larga e agora vê como solução o uso de modelos de corredor único em rotas antes dominadas por aeronaves de grande porte. No passado algumas rotas eram impensáveis para serem atendidas com a família A320, porém, melhorias no projeto e a perspectiva de rotas ponto-a-ponto entre destinos secundários, deverá justificar o otimismo pelo A321XLR. Quando o mundo pós-covid se estabelecer, é provável que rotas antes deficitárias ou pouco rentáveis operadas por aeronaves de dois corredores sejam operadas pelos A321XLR.
A Boeing, que por mais de duas décadas dominou sozinha este mercado, com a família 757, suspendeu a produção do modelo em meados de 2005. Na ocasião o projeto parecia limitado diante das mudanças de mercado, mas a falta de um substituto com as mesmas capacidades deve favorecer o rival Airbus. Antes da pandemia a Boeing cogitava o lançamento de uma família de aviões intermediários entre o 737 MAX 10 e os 787-8, que disputaria justamente o mercado pretendido pelo A321XLR. Curiosamente, os últimos anúncios davam entender que o primeiro modelo seria na prática um substituto do 767, visando disputar mercado com o A330neo, que acumula modestas vendas quando comparado ao A321XLR.
Ambos fabricantes acreditam em uma retomada do mercado a partir de 2021, especialmente caso uma imunização seja possível no curto prazo. “Com base em nossas entregas de 2020, estamos cautelosamente otimistas enquanto olhamos para 2021, embora os desafios e incertezas permaneçam altos no curto prazo”, concluiu Faury.
Já a Boeing mantém o foco em solucionar suas deficiências internas, o que ironicamente ocorre em uma momento propício, visto a menor pressão por entregas e novos produtos. “Em 2021, continuaremos tomando as ações certas para aprimorar nossa cultura de segurança, preservar a liquidez e transformar nosso negócio para o futuro”, finalizou Smith.