A bordo do Embraer Legacy 500

Em 2012 testamos o então recém-lançado Embraer Legacy 500 ao lado comandante que pilotou o protótipo 001 no voo inaugural

André Danita, De São José Dos Campos Publicado em 26/12/2022, às 18h00

- Embraer

Há dez anos a AERO Magazine conhecia o recém-lançado Legacy 500, que revolucionou a aviação de negócios oferecendo ao mercado um avião categoria midsize equipado com full fly-by-wire. Uma década depois, muita coisa mudou, inclusive o avião que teve o projeto revisto após alguns desafios para atrair clientes e foi rebatziado como Praetor 600.

Leia na a impressão de nossa equipe ao ver o Legacy 500 no final de 2012.

Voo Inaugural

O Legacy 500 realizou o seu primeiro voo no dia 27 de novembro de 2012. Além dos pilotos Mozart Louzada e Eduardo Camelier, também estavam a bordo os engenheiros de ensaios em voo Gustavo Monteiro Paixão e Alexandre Figueiredo.

O primeiro voo teve duração de 1 hora e 45 minutos, executando ampla variedade de testes de sistemas e avaliando características de desempenho e dirigibilidade. Em razão da extensa utilização de simuladores e da campanha de testes em solo, a aeronave foi capaz de atingir um significativo envelope operacional logo em seu voo inaugural. Vários sistemas foram acionados, incluindo o recolhimento do trem de pouso. Para o comandante Louzada, o voo aconteceu rigorosamente como o previsto no plano. "Impecável!", resume.

O primeiro voo teve duração de 1 hora e 45 minutos, executando ampla variedade de testes de sistemas

 

Na mesma semana, o primeiro Legacy 500 a alçar voo, o com prefixo PT-ZEX, fez uma perna para a base da Embraer em Gavião Peixoto, onde segue realizando os testes operacionais.

Enquanto isso, o comandante Louzada retornou para a sede da Embraer em São José dos Campos para realizar novos testes nos simuladores. Quando todos os testes estiverem finalizados, a aeronave receber a certificação das autoridades e a primeira unidade do Legacy 500 for entregue, o mundo da aviação executiva poderá brindar o início de uma nova era.

Voo Simulado

Simulador inicial do Legay 500 foi criado para validar dados de engenharia e permitir aos pilotos conhecerem o avião

 

Estamos em São José dos Campos. O cenário é o de uma cidade populosa do interior de São Paulo, mas, ao passar pela recepção das instalações da Embraer, qualquer um poderia se sentir em Seattle ou Tolouse.

O ritmo é frenético sem ser caótico. Aqui milhares de funcionários projetam, constroem e testam as aeronaves civis e militares que levam o nome da indústria aeronáutica brasileira ao mundo, e não é exagero dizer que o projeto da aeronave que estamos prestes a conhecer é uma revolução no nicho dos midsize jets.

A proposta da Embraer em introduzir controles de voo completamente fly-by-wire no novo Legacy 500 representa não só uma quebra de paradigmas de mercado e um pesado trabalho de engenharia como também o desafio de criar uma interface suficientemente simples para que pilotos extraiam o máximo de benefícios desta tecnologia, em uma transição suave e natural.

Controle por sidesticks e fly-by-wire eram uma revolução na categoria há 10 anos

 

Somos recebidos pelo comandante Mozart Louzada e sua equipe no simulador de engenharia do Legacy 500, que funciona como uma incubadora da interface homem-máquina concebida especialmente para esse modelo.

Neste equipamento o objetivo principal é desenvolver softwares e lógicas de comandos de voo. Para esse propósito, a cabine estática foi dotada dos comandos de voo primários e secundários, que incluem sidesticks, pedais, manetes de potência, flaps e speedbrakes.

As telas do painel apresentam os mesmos layouts vistos na aeronave, mas os sinóticos de sistemas são limitados aos comandos de voo, para avaliação das respostas. No tocante à filosofia, segundo Louzada, a Embraer mergulhou fundo no estudo dos fatores humanos e desenvolveu um modelo próprio de comandos, visando ao benefício da segurança, sem, no entanto, reduzir a autonomia do piloto sobre a aeronave nem o prazer da pilotagem.

Legacy 500 trouxe uma cabine completamente nova para a categoria e disputava com os super médios

 

Na prática, o fly-by-wire do Legacy 500 une as melhores experiências nesse tipo de tecnologia desde o lançamento do Airbus A320 até seus sucessores na linha executiva como o Dassault Falcon 7X e o Gulfstream G650, só que seguindo uma cartilha própria. Trata-se, portanto, de uma próxima geração desse sistema na indústria, forte candidata a mudar definitivamente os standards.

Cabeceira 15

Posicionados na cabeceira 15 de São José dos Campos, é hora de experimentar o voo do Legacy 500. Louzada será meu tutor nos exercícios que faremos, e configura nossa aeronave para decolagem. Velocidades postadas no PFD, nossa VR acontecerá aos 120 nós, com rotação para o pitch de 10 graus iniciais.

Começo a corrida de decolagem com fácil controle direcional exclusivamente feito pelos pedais, e com um pequeno esforço no ergonômico sidestick, que conta com feedback de força por meio de molas e amortecedores, e nosso Legacy 500 ganha o céu virtual.

Sem que o piloto sinta qualquer diferença, o sistema passa a entender os inputs no sidestick não mais como uma solicitação de mudança de pitch, mas, sim, como uma mudança de trajetória, e assim permanecerá por todo o voo.

Embraer apostou na maior cabine da categoria e queria brigar com os super médios da família Challenger

 

Nossa referência primária é o path symbol, um círculo verde que indica qual trajetória em relação ao horizonte a aeronave está cumprindo efetivamente, qualquer que seja o pitch de momento. Ingressamos na perna do vento da pista 15, e experimentamos o primeiro exercício.

Com a aeronave nivelada, reduzimos a potência e com a mão esquerda fora do sidestick o Legacy 500 segura a altitude automaticamente, mudando sua atitude e "retrimando" o profundor continuamente. De maneira análoga, na aceleração, se o interesse for manter a aeronave nivelada, nenhum input é requerido.

Decidimos ganhar mais altitude e explorar os recursos de segurança proporcionados pelo sistema, nas proteções de envelope. Trago os manetes para o batente de marcha lenta, com a aeronave nivelada, e espero que a velocidade se deteriore até próximo do ângulo de ataque crítico, que leva ao estol. Como previsto, nem um pé de altitude é perdido até este ponto, mas o Legacy 500, em nome da segurança, gentilmente cede o nariz para manter a aeronave planando na mínima velocidade em que o voo se sustenta. Resolvo interferir, puxando o sidestick até o batente cabrado, e nada acontece: a máquina se mantém como uma rocha em sua decisão de manter-se voando, apesar do meu abuso. Provoco mais um pouco, adicionando 30 graus de ângulo de curva, e tudo que acontece é o aumento do pitch negativo e razão de descida, mas nada de estol.

É importante notar que, com o piloto automático acoplado, o Legacy 500 seria bem menos permissivo, engajando automaticamente o autothrottle e acelerando de volta para velocidades compatíveis.

Testando os extremos

É hora de testar o outro extremo do envelope de velocidade, e por sugestão do Louzada coloco a aeronave em um bank angle superior a 90 graus – no envelope normal de operação, o Legacy 500 não limita esse parâmetro e, sim, é possível comandar um tonneau – deixando que o nariz caia abaixo do horizonte e permita a aceleração em uma atitude anormal extrema.

Não obstante o fato de o sidestick ser mantido no canto extremo do seu curso, comandando a curva e a descida, ao aproximar-se da Velocidade Máxima Operacional (VMO), a máquina automaticamente retorna ao bank angle de 33 graus e começa a recuperar a atitude para diminuir a velocidade.

O Legacy 500 foi um projeto clean sheet, ou seja, desenvolvido do zero, sem derivar de nenhum outro modelo anterior

 

Concluímos que, ao contrário das filosofias empregadas por outros fabricantes de aeronaves, o Legacy 500 dispõe de soft limits que podem ser sobrepujados por ação do piloto, mas, quando a preocupação passa a ser integridade estrutural e controlabilidade, a máquina toma atitudes e define seus parâmetros máximos.

Depois de sermos "salvos" pelas proteções do sistema, resolvemos baixar a adrenalina e prosseguir para uma aproximação e pouso seguros na pista 15 de São José. Durante a descida noto o quanto a pilotagem manual do Legacy 500 é suave e precisa, e como em toda aeronave fly-by-wire uma quantidade mínima de inputs no sidestick é necessária para efetuar manobras.

As eventuais perturbações da atmosfera não requerem correção de trajetória já que o sistema trabalha continuamente para manter o bank angle atual, a aceleração de 1 g no eixo vertical e o voo coordenado, com o leme. Vou me encaixando em uma final longa da pista 15 e, conforme o Louzada termina de configurar a máquina para o pouso, o Legacy 500 reverte para o modo de controle chamado pela engenharia de Speed Positive Stability, por meio do qual o controle de arfagem mantém os esforços neutros para uma determinada velocidade, melhorando o feeling no arredondamento.

Para grandes variações de velocidade na final, é necessário "retrimar", usando o botão de TCS (Touch Control Steering) do sidestick, e a velocidade para qual a aeronave ficou compensada aparece com um triângulo verde na speed tape.

O toque é muito tranquilo, e praticamente esqueço que não estou voando uma aeronave de comandos convencionais.

O Louzada propõe demonstrar uma falha de motor na decolagem. Na rotate sinto a dissimetria com a perda do motor, mas o sistema faz boa parte do trabalho para mim, comandando uma parte da deflexão de leme necessária para manter o eixo. Observo também, pelo diagrama sinótico dos sistemas, que os ailerons ajudam na estabilidade, e nada mais é necessário na subida em voo monomotor além de alguns pequenos ajustes de trajetória e a pressão no pedal.

Voltamos à cabeceira para tentar a mesma manobra, mas agora simulando uma degradação nos sistemas de controle que levariam o Legacy 500 a reverter para o modo "Direct Law", em que todo comando é transmitido diretamente para as superfícies. As amplitudes de comando para manter a máquina na reta, na falha de um motor, são bem maiores, mas não passam daquelas requeridas em qualquer aeronave convencional.

Experimentamos um circuito de tráfego completo em "Direct Law", e até mesmo um piloto menos experiente não teria problemas em completar todas as manobras com segurança. O Louzada, por sinal, conta que o primeiro voo da máquina, o qual ele comandou, foi inteiramente efetuado neste modo de comando.

O Legacy 500 entra agora na pesada campanha de certificação. Na saída do simulador temos a chance de ver o protótipo número dois em fase final de preparação para sua primeira decolagem. Visto de perto o Legacy 500 tem porte muito superior às aeronaves de sua categoria, mas o fly-by-wire também impacta no peso geral, pois possibilita a otimização das estruturas ao limitar a carga "g" aplicada em manobras extremas.

Legacy 500
Fabricante Embraer SA
Preço básico (FOB)* US$ 20.000.000,00
Motores (2x) Honeywell HTF7500E
Capacidade máxima 2 pilotos + 8/12 passageiros
Comprimento 20,52 m
Envergadura 20,25 m
Altura 6,74 m
Altura da cabine 1,82 m
Largura da cabine 2,08 m
Alcance 3.000 nm (5.556 km)
Velocidade de cruzeiro Mach .80
Mach máximo operacional (MMO) Mach .83
Teto operacional 45.000 pés (13.716 m)
Distância de decolagem 4.600 pés (1.402 m)
Distância de pouso 2.400 pés (731 m)

* Valores de 2012

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