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Brian Pearce, economista-chefe da Iata

Brasil tem potencial fantástico


O britânico Brian Pearce é o economista-chefe da Iata. Além do trabalho que desenvolve para divulgar os benefícios do transporte aéreo para as diferentes economias ao redor do globo, ele supre com análises e pesquisas a base de dados que orienta a atuação da entidade. Em um momento de incertezas com os desdobramentos da crise financeira mundial, seus pareceres ganham peso na comunidade aeronáutica. Nesta entrevista, Pearce fala sobre a zona do euro e a fragilidade das companhias aéreas, mas garante: "O Brasil ainda é um mercado pouco explorado, com grande margem para crescimento".

GIULIANO AGMONT, DE PEQUIM

AERO MAGAZINE - Como a crise na zona do euro tem afetado o mercado internacional de transporte aéreo?
BRIAN PEARCE - A crise na zona de euro já tem uns três anos, mas agora tem se agravado. Temos visto que alguns mercados financeiros não acreditam que um ou outro governo tem condições de financiar os seus déficits. Aí vemos o Banco Central Europeu tendo que emprestar dinheiro para que esses governos possam honrar seus empréstimos. Isso leva à perda de confiança nas companhias e nas indústrias, que veem a recessão na Europa piorar. O transporte aéreo é sempre muito sensível aos ciclos econômicos. Então, estamos vendo uma caída drástica na demanda de carga aérea na Europa, o que afeta a China, uma vez que as importações da China para a Europa estão mais fracas. Também estamos vendo um enfraquecimento no transporte de passageiros da Europa, especialmente na área de lazer. No primeiro semestre deste ano, as companhias aéreas europeias têm sofrido bastante e sua lucratividade caiu bruscamente.

- Qual a sua opinião sobre a situação na Europa?
- Como economista, posso dizer que o que está claro é que, sob a regência monetária que tivemos desde 1999, tivemos muitos benefícios, muito capital, que é o problema. Foram muitos empréstimos de países centrais como Alemanha e França para os países periféricos. Tivemos uma bolha imobiliária na Espanha, que já estourou e deixou os lares espanhóis com dívidas maiores do que seus donos podem pagar, o que os leva a tentar diminuir suas dívidas e, por conta disso, não gastam, o que reduz a receita do governo. A Espanha estava no azul quando a crise de 2008 estourou. Agora está enfrentando déficits enormes. O resultado dos cortes no governo é uma recessão profunda e um alto desemprego. E o setor bancário esta em apuros, razão pela qual temos o pedido da Espanha para pacote de ajuda para recapitalizar seus bancos. E obviamente isso tem um efeito muito danoso na indústria do transporte aéreo. Esperamos que os governos europeus consigam sair dessa.

- Muitos dizem que a crise, na realidade, é política e não econômica. O senhor acredita nisso?
- Prefiro não entrar nessa discussão.

- Por que a indústria do transporte aéreo é tão vulnerável?
- Uma margem de lucro de 0,5% é bem pequena. Isso significa que não há nada para pagar os investidores na indústria de transporte aéreo. Também significa que, se as coisas piorarem na Europa, essa margem de lucro pode facilmente se transformar em prejuízo. E as companhias aéreas não têm capital suficiente nos seus balanços. Têm muitas dívidas, o que significa que, se houver um período prolongado de economia fraca, a indústria pode enfrentar problemas. Já tivemos algumas falências. Isso é a natureza da fragilidade da indústria porque os lucros são muito pequenos e os balanços já estão esticados por causa de dívidas. Quer dizer, as empresas não sobrevivem por muito tempo numa economia fraca.

- O transporte aéreo é um bom negócio?
- O setor de linhas aéreas é ótimo para passageiros e pessoas que podem viajar pela metade do custo praticado há 20 anos. É um ótimo negócio e traz grandes benefícios para a economia mundial, dando acesso a mercados estrangeiros. Mas para os donos das companhias é um dos negócios mais difíceis do mundo. A média da margem de lucro dos últimos 40 anos é de 0,1%.

- Quais são as expectativas da Iata para a America Latina, em especial para o Brasil?
- Nada mal. Estamos impressionados com as economias da América Latina que estão sendo bem-administradas e estão saudáveis no momento. É obvio que estão com um crescimento menor, mas acho que isso ajuda as companhias aéreas da região. Só estamos preocupados com a infraestrutura e, em algumas economias, como a do Brasil, há um risco de que as taxas dos aeroportos se tornem muito altas, o que pode afetar o transporte aéreo e os benefícios que o setor traz para a economia. A privatização dos aeroportos tem um risco de passar os custos para os passageiros e indústria.

- A privatização dos aeroportos é positiva para o Brasil?
- Acho que é uma boa ideia ter pressão comercial em cima dos aeroportos para obter operações eficientes. O problema é que a privatização muitas vezes transforma o monopólio publico em um monopólio privado. E quando a privatização acontece sob os termos de leasing, quem sofre é o a viajante, pois os custos são muito pesados.

Qual é o potencial do Brasil no mercado de transporte aéreo?
- É um potencial fantástico! No momento, a pessoa comum no Brasil viaja uma vez a cada quatro anos, bem menos do que o norte-americano, por exemplo. Nos Estados Unidos, as pessoas viajam duas vezes ao ano, em média. Com o crescimento econômico no Brasil e a melhoria do padrão de vida, esse segmento deve ter um crescimento grande por um bom tempo. O Brasil ainda é um mercado pouco explorado. Não por acaso, nos últimos anos, o transporte aéreo brasileiro tem crescido bastante, na faixa de 10 a 15% ao ano.

- Quais os desafios para o mercado brasileiro de aviação, em sua opinião?
- Um desafio é aumentar a capacidade para atender à demanda do mercado. Vimos algumas companhias perdendo dinheiro no ano passado. Acho que isso está começando a mudar. Outro é a infraestrutura. A China investe muito nos aeroportos, o que facilita as companhias a oferecer bom serviço para seus clientes.

"O BRASILEIRO COMUM VIAJA DE AVIÃO UMA VEZ A CADA QUATRO ANOS, ENQUANTO O NORTE-AMERICANO VOA DUAS VEZES POR ANO "

- O senhor acha que a consolidação das companhias é saudável para elas?
- Pode ser, sim. A gente vê as consolidações em mercados maduros, que podem oferecer redução de custos para os clientes, bem como bons retornos para investidores. Mas em qualquer mercado você vê jogadores novos e jogadores que falham, e situações em meio às quais faz sentido para eles se juntarem ou quebrarem. O mercado brasileiro ainda é um mercado com um crescimento muito rápido e acho que ainda não chegou ao estágio em que a consolidação é o único jeito de crescer.

- Quais são as possibilidades de consolidação no mercado brasileiro?
Na Europa há períodos em que um modelo de negócio não funciona e ocorre a consolidação. Tivemos uma onda de novos jogadores quando o mercado foi liberado e houve consolidação. Mas ainda tem gente nova entrando no mercado. Não sei se esse é bem o caso no Brasil.

- E a Latam?
- Acho que faz sentido porque são mercados nacionais e onde há bastante competição de outras regiões. Nos mercados nacionais, a gente vê mais joint ventures e a consolidação faz bastante sentido.

- A China tem o segundo maior mercado doméstico do mundo. Como é que esse mercado vai se comportar no futuro?
- Acredito que vai ser o primeiro mercado no mundo em breve. O mercado americano não está crescendo mais. É um mercado maduro. Mas na China as pessoas ainda estão voando uma vez a cada três anos. Vai ser o maior mercado doméstico do planeta, e os chineses têm investido muito na infraestrutura e todas as peças estão sendo colocadas no lugar para uma grande expansão.

- A China é um bom exemplo para o Brasil seguir?
- Acho que em alguns aspectos, sim, como infraestrutura. Esse caso é um bom exemplo a seguir.

Texto E Foto: Giuliano Agmont, De Pequim
Publicado em 11/07/2012, às 13h07 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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