Conglomerado estatal Rostec tem planos ambiciosos para países ocidentais e ensaia uma aproximação estratégica com o Brasil
Após o colapso da União Soviética, a indústria instalada na Rússia passou por diversas fases, do desmantelamento a complexas reestruturações. Em meados dos anos 2000, o país começou a olhar com mais atenção para mercados internacionais fora da zona de influência de Moscou, tradicionalmente formado por países que antes compunham o bloco comunista. Os principais clientes passaram a ser a Índia e a China, com alguns novos parceiros na América do Sul e na África. Entretanto, não demorou muito para os concorrentes globais aproveitarem uma série de falhas dos processos para iniciar uma campanha contra quaisquer produtos russos. Os operadores, especialmente de meios militares, passaram a sofrer com problemas de pós-venda, com destaque para suporte logístico e de manutenção.
A Venezuela, que se tornou grande cliente de produtos russos com a ascensão do chavismo, caso do Su-30MKV, chegou a ser considerada uma potência militar emergente na América do Sul. Mas logo o acordo se mostrou um pesadelo, com a praticamente inexistente rede de pós-venda. Por alguns meses, apenas seis aviões estiveram em condições de voo devido à falta de peças e manuais, que chegaram a levar até dois anos para ser entregues.
Diante desse cenário nada favorável, as autoridades russas passaram a trabalhar numa completa reestruturação de toda sua indústria de tecnologia e criou a Rostec, uma corporação estatal que desenvolve, fabrica e exporta produtos industriais de alta tecnologia para usos civis e militares. São mais de 700 empresas englobadas sob a Rostec, que inclui até mesmo empresas de exportação de equipamentos militares. O modelo adotado, embora ainda burocrático do ponto de vista organizacional, pela primeira vez se aproxima do conceito ocidental, indo desde o projeto até as ações de marketing, o suporte e assim por diante.
Na esteira das mudanças, em dezembro de 2012, a empresa apresentou um novo logotipo, que teve como objetivo facilitar o reconhecimento global junto às maiores corporações do mundo. A própria adoção do nome Rostec corroborava a nova filosofia, por ser uma palavra pronunciável na maior parte dos idiomas, ao contrário de outros nomes.
Os planos são bastante ambiciosos e os russos consideram o Brasil um potencial parceiro, tanto no segmento militar quanto no civil. O projeto prevê a ampliação da cooperação na América Latina, em especial com o Brasil, podendo elevar a colaboração a níveis similares aos feitos com China e Índia. “A Rostec quer ampliar sua presença no Brasil, não apenas para fornecer seus produtos, mas também para colaborar com os parceiros e desenvolver conjuntamente soluções de alta tecnologia, criando empresas de cooperação bilateral”, declarou Sergey Goreslavskiy, diretor-adjunto da Rosoboronexport, companhia exportadora de produtos militares pertencente à Rostec, em encontro em São Paulo com AERO Magazine.
O Brasil passou a ser considerado um dos parceiros mais promissores, não apenas na cooperação técnico-militar, mas também em termos de desenvolvimento conjunto de altas tecnologias para o setor industrial. Em parte, devido ao potencial do mercado brasileiro, da mesma forma que por seu acesso a tecnologias e financiamentos hoje distantes da realidade russa.
O Brasil passou a ser considerado um parceiro potencial nos planos russos
Su-30 é um dos principais produtos militares da Rostec
Autodenominada embaixadora industrial da Rússia, a Rostec considera a parceria com o Brasil estratégica. Tanto que aproveitou a LAAD – Defesa & Segurança 2015 para promover seus projetos e interesses. Inicialmente, as soluções tecnológicas trazidas pela Rostec têm foco nas áreas de segurança e no desenvolvimento da infraestrutura portuária e de energia. Porém, a empresa também oferece ao mercado nacional sua gama completa de helicópteros, produzidos pela Russian Helicopters, que inclui os Mi-35M, Mi-17, Mi-171, Ka-62, entre outros.
Atualmente, existem pelo menos 8.500 helicópteros produzidos na Rússia em operação em mais de 100 países, a maioria deles em regiões subdesenvolvidas, com alguns poucos voando em missões especiais. No entanto, mesmo detendo 85% de market share na Rússia, a participação da Russian Helicopters no segmento civil é de apenas 14% no mercado mundial. Na área militar, após a fusão de todos os fabricantes, a Rússia assumiu a liderança global em helicópteros de combate, à frente de Sikorsky, Bell e Airbus. Em 2011, foi criado uma joint venture com a Agusta Westland, denominada HeliVert, para a produção do AW139 na Rússia. A primeira unidade foi produzida em dezembro de 2012, tendo como foco o mercado interno.
Em 2014, mais de 1.000 pilotos e técnicos passaram pelo centro de treinamento da Russian Helicopters, em Ulan-Ude, localizada a cerca de 100 quilômetros a sudeste do Lago Baikal. O centro de treinamento fica localizado próximo das instalações da Kazan Helicopters, uma das unidades da Russian Helicopters, que inclui ainda a Kamov, Mil e Rostvertol. No ano passado, mais de 200 pilotos e engenheiros passaram pelo curso de treinamento dos modelos Mi-8AMT e Mi-171, que também são produzidos na Ulan-Ude Aviation Plant. A previsão é que nos próximos meses seja entregue o primeiro simulador do novo Mi-171A2, ampliando, assim, a capacidade do centro. Ainda em 2014, outros 577 tripulantes e técnicos passaram pelo curso do Mi-8MTV.
Já o centro de treinamento da Rostvertol localizado em Rostov on Don, no sul do país, nas margens do rio Don, recebeu cerca de 300 pessoas, incluindo representantes de clientes internacionais. A maior parte passou por treinamento nos modelos Mi-26(T), Mi-35M e Mi-28NE Night Hunter.
A cooperação técnico-militar entre a Rússia e o Brasil tem quase 21 anos, quando foi assinado contrato para o fornecimento dos sistemas de mísseis terra-ar Igla-S. Porém, o grande salto nas relações ocorreu quando o Brasil assinou um contrato para aquisição do primeiro lote de helicópteros Mi-35M, utilizado pela Força Aérea Brasileira. Analistas creditam a compra a uma exigência russa de compensação comercial. Os militares por várias vezes criticaram o suporte russos, que vem limitando a operação dos helicópteros em diversas ocasiões. Os russos evitam comentar os problemas de contratos anteriores, afirmando que o modelo atual prevê que esse tipo de situação seja superado e se torne coisa do passado.
Do lado industrial, a Rostec espera fortalecer os laços no Ocidente, como em parcerias com Boeing, Embraer, Airbus, entre outros. Atualmente, a VSMPO-AVISMA, uma das empresas pertencentes à Rostec, fornece 100% da demanda de titânio utilizada pela Embraer. A empresa é responsável por 30 % da produção mundial de titânio, em especial o utilizado na indústria aeronáutica. Aproximadamente 40% das necessidades de titânio da Boeing e 60% da Airbus foram fornecidas pelos russos.
Outros planos da Rostec envolvem parceiros globais, como a austríaca Diamond Aircraft Industries, que deverá construir na Rússia uma linha de produção voltada para aviões com capacidade para nove a 19 passageiros. Caso consiga deixar para trás o estigma do passado, a Rostec já terá realizado um grande feito. Os planos futuros dependem disso.
Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 24/04/2015, às 00h00
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