Pilotos e controladores temem atrasos em cascata durante a Copa da FIFA. Decea e CGNA garantem que tudo está em ordem. O Brasil vai passar no teste?
Às vésperas da Copa do Mundo da FIFA no Brasil, continuam as preocupações de pilotos e controladores de voo em relação ao tráfego aéreo nas áreas terminais das doze cidades-sede, as mais movimentadas do país e as responsáveis pelo estresse diário desses profissionais. As críticas apontam inexperiência de alguns controladores e infraestrutura inadequada para o cumprimento dos novos procedimentos de saída e chegada, sem contar os já conhecidos gargalos na infraestrutura aeroportuária. A frase mais pronunciada virou um bordão: “Imagine na Copa”. O principal problema está na Terminal São Paulo, especialmente nos voos para Guarulhos, onde soluções devem ser tentadas. As novas rotas no sistema PBN (Performance-Based Navigation), que estabelece traçados para uma navegação baseada nos requisitos de desempenho das aeronaves, foram implementadas em dezembro de 2013 com uma série de deficiências. O gasto de combustível subiu drasticamente e, consequentemente, houve atrasos. A situação gerou críticas fortes das companhias aéreas.
Em março, o Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea (CGNA) convocou as empresas para que apresentassem suas sugestões e necessidades. Foram aprovadas cerca de 80% das novas rotas solicitadas, o que gerou elogios da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) e da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), mas nem tudo está resolvido. Tanto o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) quanto CGNA refutam as críticas de pilotos e controladores. O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) afirma que não recebeu denúncias formais, apenas questionamentos sobre os novos gradientes de subida, que muitas vezes não podem ser cumpridos pelas aeronaves, o que obriga a solicitação de outro procedimento, aumentando o trabalho dos controladores.
As rotinas intensas dos aviadores e dos controladores de voo são consideradas fatores problemáticos entre os profissionais ouvidos pela reportagem. “Está difícil trabalhar”, desabafa um controlador de Curitiba, que prefere não se identificar. “Nosso radar apresentou panes e as coisas ficaram um pouco conturbadas. Tivemos atrasos e esperas tanto para decolagem quanto para pouso. E não havia previsão para o restabelecimento total do sistema”. Ele relatou que em um dia de chuva forte e trovoadas a situação não ficou nada confortável para aviadores que estavam com o combustível limitado. “Parece que todos ficaram perdidos no controle, principalmente nos serviços de radar da aproximação do Rio de Janeiro e de São Paulo. A tempestade chegou de supetão, solicitavam-se esperas, inclusive para o ACC. Não chegavam dados concretos para que pudéssemos transmiti-los aos pilotos em órbita, que dependiam dessas informações para que tomassem as providências cabíveis”, lembra.
Em relação à meteorologia, o controlador diz que colegas responsáveis pelas atualizações do Serviço Automático de Informação de Terminal (ATIS), que é captado na aeronave pelo sistema VHF, merecem um puxão de orelha. “É flagrante a falta de atualização e não são raros os casos em que o piloto é surpreendido por condições diferentes daquelas registradas. Certa vez, no Galeão, o ATIS informava Cavok (teto e visibilidade OK), mas um avião da TAP teve de arremeter por falta de visibilidade às cinco horas da manhã”, recorda outro controlador, baseado no Rio. De acordo com ele, o piloto fez um reporte gigantesco sobre o ocorrido, o que fez com que o chefe da Torre Galeão determinasse que o ATIS fosse atualizado rigorosamente de hora em hora, independentemente das modificações nas condições meteorológicas – um detalhe que parece pequeno, mas é muito valioso ao se levar em consideração que teremos muitos estrangeiros voando no Brasil durante a Copa.
Em nota, o Decea informou que não foi recebida nenhuma reclamação oficial da TAP ou de qualquer outra empresa. Os casos de reclamação sobre ATIS desatualizado foram considerados antigos pelo órgão e, em sua maioria, causados por pilotos que sintonizaram o auxílio com antecedência superior a 1 hora. Sobre o radar de Curitiba, o Decea esclareceu que nos dias 28 e 29 de março e entre 1º e 5 de abril o controle de tráfego daquele terminal, que engloba os aeroportos Afonso Pena e Bacacheri, operou de forma convencional, mas dentro dos parâmetros de segurança. O motivo foi uma falha no radar, causada por um problema mecânico.
Operadores e pilotos da aviação geral devem observar grade de áreas restritas
Ainda com relação às novas rotas PBN, controladores confirmaram problemas de quebra de procedimentos na chegada, na vetoração e em órbitas de espera em São Paulo. Eles afirmam que a instrução de órbita se tornou uma preferência operacional de muitos colegas controladores, sendo que o ideal seria executar uma simples vetoração para que se consiga separação suficiente entre as aeronaves em descida. O problema é que, ao entrar em órbita, uma aeronave fica a 37 quilômetros (20 milhas náuticas) de distância do tráfego que a precede e, à medida que outros executam a mesma manobra, o CGNA acaba por solicitar separação de 55 quilômetros (30 milhas) com os ACC e mais órbitas para sequenciamento. “Pior quando o controlador resolve vetorar e manda o avião voar na proa de um fixo depois do outro, executando um ‘ligue os pontos’ que nem está previsto na STAR, criando um novo método que não faz parte da nossa legislação”, ressalta o controlador de Curitiba.
Outro controlador de voo de São Paulo, que também prefere manter-se anônimo, revela que, antes da publicação das novas cartas de rotas PBN, diversos colegas apontaram ressalvas, especialmente, nos procedimentos de Guarulhos. De acordo com ele, os controladores chegaram a enviar um ofício ao Decea alertando sobre esse fato, mas as autoridades não quiseram atrasar o cronograma anunciado. Ele acredita que outras modificações serão implantadas, provavelmente depois da Copa. “Novos procedimentos (se adotados em cima da hora) poderiam complicar mais a situação de Guarulhos”, diz o controlador, que se mostra preocupado com os dias de jogos, quando haverá a quebra no andamento normal do tráfego. “Se hoje já temos congestionamento nas horas pico, imagine depois das partidas, quando todos vão querer deixar os aeroportos e os voos que foram remanejados começarem a se aproximar”, alerta. O Decea alega que as esperas que ocorrem, principalmente nos APPs de Guarulhos e de Brasília, não possuem ligação com a adoção do PBN – que encurtou as rotas –, mas a fatores como maior quantidade de voos chegando ao mesmo tempo – o que leva a capacidade do controle de tráfego ao limite – condições meteorológicas adversas e infraestrutura aeroportuária insuficiente.
De acordo com o CGNA, os atrasos na malha aérea não passarão de 1%. Para o chefe do CGNA, coronel Ary Rodrigues Bertolino, as ações serão tomadas com o intuito de garantir a segurança e terão impacto em 800 voos ao longo de dois meses, levando em consideração os 1.600 slots adicionais solicitados pelas empresas aéreas. “Nenhum aeroporto terá suas atividades totalmente suspensas. O da Pampulha, em Belo Horizonte, será fechado para pousos, mas poderá liberar decolagens. Já no novo aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, as decolagens serão afetadas, mas os pousos serão mantidos”, afirma.
Apesar das limitações, Brasília pode escapar do gargalo. O Consórcio Inframérica, que administra o aeroporto, pode concluir obras que permitirão a operação de pousos e decolagens simultâneos em condições de voo por instrumentos. Algo inédito no Brasil. O Decea disponibilizou àquele APP novos setores e novas frequências, melhorando o trabalho das equipes de controle de tráfego. “O nosso único problema está justamente na falta de pistas, taxiways e um viaduto no aeroporto. Agora, com as obras entregues, poderemos melhorar o trabalho no radar”, ressalta o controlador, que também tem ressalvas em relação a Guarulhos, onde a média de atraso é de 15%, segundo a Anac. Para solucionar os problemas, a Aeronáutica pretende implantar pousos e decolagens quase simultâneos nas duas pistas de Guarulhos, desde que as aeronaves sigam em direções opostas. Esse tipo de operação seria possível durante o dia e só quando houver cinco quilômetros de visibilidade horizontal e visibilidade vertical adequada, condições presente em 70% do ano.
Entenda as restriçõesVoos comerciais regulares devem partir e chegar dos aeroportos sem grandes transtornos, mesmo no horário dos jogos, enquanto táxis-aéreos terão limites para atender passageiros-torcedores Durante as partidas, a liberação para sobrevoo, pousos e decolagens terá como base a grade de áreas restritas divulgada em um guia disponível no site do CGNA. Nas áreas reservadas (branca), que englobam as terminais (TMA), só poderão voar aeronaves que disponham de plano de voo e módulo transponder, ou seja, que possam ser identificadas pelo serviço de controle radar. Nelas não serão liberados voos turísticos, de manutenção, de instrução, acrobáticos, de check e assim por diante. Já nas áreas restritas (amarela), com raio de 12,6 quilômetros (7 milhas náuticas), não poderão adentrar aeronaves da aviação geral e táxis-aéreos. Ou seja, voos comerciais regulares poderão partir e chegar dos aeroportos sem grandes transtornos. Por último, nas áreas proibidas (vermelha), com raio de 7,2 quilômetros (4 milhas náuticas) ao redor dos estádios, só poderão voar aeronaves de segurança e de captação de imagens de TV, desde que previamente autorizadas pelo Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra). As áreas de exclusão aérea funcionarão somente nas cidades-sede dos jogos e obedecerão a horários específicos: durante as festividades de abertura e encerramento, serão ativadas três horas antes e quatro horas após o jogo; na primeira fase, o tempo de restrição será de uma hora antes e de três horas após as partidas; nas demais fases, uma hora antes e quatro horas depois. |
Durante os jogos, não só a capacidade do tráfego será exigida ao extremo. Uma das maiores preocupações dos operadores é infraestrutural. Há falta de pistas, pátios e terminais aeroportuários. A própria presidente Dilma Rousseff reconheceu em visita recente a Belo Horizonte que muitas das obras de ampliação nos aeroportos não estarão concluídas antes do início da Copa do Mundo. É o caso do Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins). Até junho, espera-se que 75% dos trabalhos de intervenção estejam prontos, mas há grande probabilidade de muita coisa ficar para depois dos jogos. Caberá, posteriormente, ao consórcio vencedor do leilão de concessão do aeroporto concluir a revitalização, uma vez que hoje o tráfego aéreo já sofre com a operação de uma única pista e não há centro de controle de fluxo que consiga dar conta do congestionamento no ar e em terra. O principal aeroporto mineiro não pode ser utilizado como alternativa devido à falta de espaço para atendimento de aeronaves e passageiros. Além de Belo Horizonte, outras obras atrasadas preocupam as autoridades, entre elas estão as de ampliação dos aeroportos de Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre e Cuiabá.
As limitações da Copa afetarão diretamente a aviação executiva. A Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag) especula que até 500 jatinhos possam vir do exterior durante a Copa, transportando dignitários estrangeiros, convidados VIP da FIFA, patrocinadores e torcedores abastados. Há ainda aeronaves brasileiras a serem acrescidas nesse cálculo, incluindo aviões a pistão, turbo-hélice e helicópteros. Fala-se até em um total de pelo menos 1.500 aeronaves. De acordo com o diretor-geral da Abag, Ricardo Nogueira, a Secretaria de Aviação Civil (SAC) acredita que conseguirá acomodar todo mundo. Para autoridades e VIP, o governo considera usar hangares particulares, além dos pátios dos aeroportos-sede. No Rio, cidade que mais deve receber visitantes, o governo cogita utilizar até bases militares. No Nordeste, onde há falta de espaço, capitais vizinhas devem ser usadas como alternativa. Empresas de atendimento internacional devem ficar encarregadas de cuidar de quem está fora da lista da FIFA. Apesar do otimismo da SAC, operadores acostumados a trabalhar em eventos como o Grande Prêmio de Fórmula 1 e encontros empresariais dizem que as restrições infraestruturais podem impedir a vinda de alguns jatos, que não terão seu plano de voo aprovado, e comprometer os traslados de helicóptero durante o evento. Já um empresário dono de um táxi-aéreo disse que vai aproveitar o período da Copa para fazer a manutenção de suas aeronaves. “O que poderia ser uma oportunidade de negócios para os táxis-aéreos virou uma restrição, por falta de planejamento”, resume o operador. Até o fechamento desta edição, os slots dos aeroportos que serão controlados durante a Copa para a aviação geral não estavam definidos. Pilotos ouvidos por AERO Magazine acreditam que, a exemplo do que houve durante a Copa das Confederações, operadores estrangeiros provavelmente terão de negociar janelas de pouso e decolagem com quem já tiver reservado slots, uma solução apelidada de “mercado negro de slots”. Além disso, executivos que precisarão usar suas aeronaves para se movimentar no seu dia a dia de negócios também terão dificuldades para voar durante o período em que vigorar a política de slots nos principais aeroportos do país. Uma última dúvida se refere às restrições operacionais impostas por seguradoras a aeroportos sem infraestrutura adequada.
Dados compartilhadosIata e Decea se unem para criar centro de comando no Rio e auxiliar companhias aéreas Para que as companhias aéreas tenham maior controle do que estará acontecendo nas terminais, a Iata e o Decea criaram um Centro de Comando na sede do CGNA, no Rio. Essa operação funcionará graças ao iTOP (Portal da Iata para Operações Táticas), uma plataforma web que fornece suporte a uma mesa de ligação (liaison desk), permitindo que o CGNA e as empresas compartilhem seus dados. “As interrupções operacionais poderão ser identificadas com antecedência, otimizando o desempenho operacional de todo o sistema”, avalia Carlos Ebner, diretor da Iata no Brasil. Se um aeroporto fechar, por exemplo, o CGNA poderá determinar, lado a lado com o operador civil, para onde a aeronave deve ser desviada, levando em conta o número de vagas nos pátios e o impacto que causará na malha e no fluxo do espaço aéreo. É claro que a decisão final caberá ao comandante da aeronave, que tem a prerrogativa para gerenciar uma situação em função de combustível, anomalias de sistema ou emergência. |
Por André Vargas
Publicado em 18/05/2014, às 00h00 - Atualizado às 18h26
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